sexta-feira, 8 de maio de 2015

Contraponto 16.680 - "Lava Jato pede juiz não contaminado pela investigação nem pressionado pela mídia"


08/05/2015

Lava Jato pede juiz não contaminado pela investigação nem pressionado pela mídia



Atualizada com vídeo

Para Celso Vilardi, que defende um empresário da Camargo Corrêa na Operação Lava Jato, o Mensalão deixou como herança uma grande ânsia popular por punições de crimes de colarinho branco, que prejudica o cumprimento de regras processuais e põe em xeque direitos individuais




Jornal GGN - O criminalista e professor de Direito da FGV, Celso Vilardi, defensor do empresário João Auler (Camargo Corrêa) na Lava Jato, disse, em entrevista concedida com exclusividade ao GGN na última terça-feira (5), que as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobras "escancara a necessidade do juiz de instrução", figura inexistente no Brasil principalmente por falta de recursos humanos. Isso, em tese, ajudaria a reduzir as chances de descumprimento de regras processuais e outros erros que podem ser cometidos graças à contaminação política do caso.

Num cenário ideal, segundo Vilardi, o juiz de instrução acompanharia a coleta de provas para garantir a busca pela verdade nos inquéritos, enquanto um segundo juiz - este não contaminado pelas informações obtidas no andar do processo nem pressionado pela mídia - cuidaria especialmente de analisar o caso e proferir o julgamento imparcial. Na Lava Jato, quem concentra essas atividades é o juiz federal de Curitiba, Sérgio Moro.

"Quando o juiz acompanha toda a investigação, (todas) as delações (premiadas feitas pelos réus delatores), e é um ser humano, é impossível que ele não seja influenciado na hora de julgar a causa. Seria de todo conveniente que tivesse um juiz para as investigações e depois a denúncia vai para outro juiz que não esteja contaminado pelas provas colhidas. (...) O juiz do processo pode ter mais calma, tranquilidade e efetivamente não se sentir pressionado a decidir coisas que alegram a mídia", ponderou Vilardi.

Defensor ferrenho dos direitos individuais garantidos pela Constituição, Vilardi, que também atuou em outra grande operação da Polícia Federal, a Castelo de Areia, avaliou que o julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) deixou como herança para a Lava Jato uma ânsia popular por punição de figuras supostamente envolvidas em crimes de colarinho branco. A pressão pela rapidez dos julgamentos a qualquer custo, refletida nas páginas dos jornais, é tanta que o próprio Judiciário e o Ministério Público estariam sucumbindo.

“Para a infelicidade de quem defende o garantismo como eu, nós tivemos dois casos de grande repercussão. Primeiro o Mensalão, e agora a Lava Jato. A coincidência desses dois casos é o partido do governo envolvido ainda que indiretamente. Isso faz com que todas as pessoas que não gostam do governo passem a aplaudir qualquer tipo de medida que passe por cima de direitos individuais em nome de uma punição. Virou um fla-flu", disse Vilardi.

Vulnerabilidades

Em entrevista conduzida pelo jornalista Luis Nassif, Vilardi lembrou que a competência de Moro para julgar a Lava Jato - um caso que extrapola o território do Paraná - é questionada na Justiça, assim como outros pontos aparentemente vulneráveis no processo, como as delações premiadas obtidas por meio de prisões preventivas e sem critérios bem delineados. Os métodos de investigação do Ministério Público e da Polícia Federal, que incluem interceptações telefônicas questionáveis, também entraram na mira dos advogados.

"A Procuradoria [Geral da República], em Brasília, também não teve critério [ao pedir a instauração ou arquivamento de inquéritos de políticos com base, apenas, nas delações premiadas]. Tem gente que teve arquivamento porque a prova era dúbia, sem indícios suficientes. E tem gente que teve, mesmo sem indícios suficientes, inquérito aberto. Não teve critério! Essa é a crítica do Congresso à Procuradoria, e com razão", disparou.

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Confira, abaixo, a primeira parte da entrevista com Celso Vilardi, na íntegra.

Jornal GGN - Recentemente procedimentos jurídicos foram questionados porque acabam eternizando processos, e membros do Judiciário apresentaram um contaponto a isso, cobrando mudanças nas leis por resultados mais rápidos, como a redução do número de recursos possíveis. Não há um meio termo para permitir processos com duração mais breve sem comprometer direitos individuais?

Celso Vilardi - Eu diria que o necessário é o meio termo. Uma Justiça boa não se faz com uma Justiça que permite processos que não terminam jamais, com recursos que nunca são julgados. A culpa disso é da demora dos próprios tribunais, que estão se corrigindo. É possível diminuir o tempo de tramitação sem eliminar recursos. É possível que tribunais tenham gestão melhor. Por outro lado, também não é saudável a Justiça que passa por cima de regras processuais. O devido processo deve ser cumprido segundo a Constituição. Não podemos ter um caso de grande repercussão excepcional, que não cumpra as regras processuais em nome da rapidez.
GGN - E sobre a questão do garantismo (defesa de direitos individuais) no Supremo Tribunal Federal (STF), o que tem mudado nos últimos anos?

Vilardi - Eu acho que o garantismo prevaleceu no Supremo, majoritariamente falando, até a saída do ministro (Sepúlveda) Pertence. Ali vivemos um momento de transição. Entraram muitos juizes que não tinham apreço pelo garantismo como tinha o ministro Pertence. Para a infelicidade de quem defende o garantismo como eu, tivemos dois casos de grande repercussão. O primeiro é o Mensalão, e agora, a Lava Jato. A coincidência desses dois casos é que temos o partido do governo envolvido ainda que indiretamente - as pessoas físicas, não jurídicas. Isso faz com que todas as pessoas que não gostam do governo passem a aplaudir qualquer tipo de medida que passe por cima de direitos individuais em nome de uma punição. Isso vira um fla-flu. Palmeiras e Corinthians. No Mensalão, todo mundo queria uma condenação, independentemente de saber quem era efetivamente culpado. A sociedade formou o juízo de que todos eram culpados. A mesma coisa acontece com a Lava Jato. Isso, na verdade, faz com que juízes que passam por cima de direitos e garantias, processualmente falando, sejam aplaudidos.

GGN - O que se nota é um clima em que todo mundo, inclusive o Judiciário, está atendendo ao clamor das ruas. Isso é reversível?

Vilardi - Acho que vamos passar por mais uns quatro anos até que isso seja revertido. Digo daqui uns quatro anos porque o Mensalão trouxe a ânsia por condenação e prisão, inclusive antecipadas. Eu sou professor e posso falar com certo conforto que a academia se silenciou no Mensalão e, agora, na Lava Jato. Acontecem coisas que são absolutamente inconcebíveis. Qualquer estudante de Direito ficaria estupefato com a questão de uma competência em Curitiba que julga casos que aconteceram no Rio de Janeiro, no Norte, no Nordeste [alguns réus alegam que Sérgio Moro não deveria atuar em um caso que excede sua circunscrição jurídica]. Mas, infelizmente, a academia não tem tido coragem para se manifestar em função de que, hoje, a manifestação em favor das regras processuais é uma manifestação que desagrada a sociedade. A academia está quieta, mas acredito que vá começar a se manifestar. Passa pela academia a reversão desse processo.

GGN - No leque de críticas processuais, a primeira apontada é a questão da competência de um juiz do Paraná julgar tudo. Uma segunda questão seria a prisão preventiva para se obter delações?

Vilardi - A prisão preventiva agora o STF julgou ilegal [e condeceu prisão domiciliar aos empresários da Lava Jato. Mas, por causa de uma súmula, essa decisão não veio em novembro, dezembro [de 2014, quando as prisões foram decretadas]. Ou seja, as pessoas passaram de sete a oito meses na cadeia para depois se dizer que não era necessária a prisão preventiva. Quando se fala da demora do processo, todo mundo reclama. Mas quando a demora é para a liberdade, ninguém reclama.

GGN - Ou reclama quando liberta…

Viladir - Reclamam quando libertam, e ainda falam em impunidade! Veja os comentários nos jornais de hoje, por exemplo. O Supremo solta uma pessoa que ninguém sabe se é culpada - porque as pessoas conhecem o caso Lava Jato, mas não conhecem a acusação individual de um Quando o sujeito é solto, 99,9% dos comentários são de que o Supremo transformou o caso em pizza. Veja a visão equivocada. A liberdade enquanto o processo se desenvolve está sendo vista pela sociedade como pizza. Hoje isso acontece com os outros, mas o que as pessoas esquecem é que esses direitos individuais são de todos nós.


GGN - A Castelo de Areia foi anulada porque teria começado por uma denúncia anônima. Informações dão conta de que, depois da denúncia anônima, teve investigação que não tinha nada a ver com a denúncia inicial, mas que foi ignorada. Essa flexibilidade para anular uma operação desse porte também não seria uma forma de estimular o sentimento de injustiça?

Vilardi - Eu sou suspeito para falar porque sou advogado na Castelo. A questão da denúncia anônima foi um dos problemas. O que ninguém fala é que, além disso, as decisões foram anuladas porque não tinham fundamentação suficiente. Quando você quebra o sigilo telefônico, um direito fundamental de todo cidadão, você tem que estar baseado em uma investigação com provas e, além de tudo, estar baseado em uma investigação fundamentada. Porque caso contrário, amanhã eu faço uma denúncia anônima contra qualquer pessoa e ela passa a ter uma escuta telefônica interceptada contra si. Isso, no regime democrático, não tem cabimento.

GGN - Então aquela história de o Ministério Público de Brasília estabelecer escutas em torno da Papuda com base em uma denúncia anônima…?

Vilardi - O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já disse reiteradamente que denúncia anônima não serve para fundamentar a quebra do direito fundamental, que é o sigilo, com interceptação telefônica. O ministro Marco Aurélio tem uma frase que acho perfeita: paga-se um preço para se viver no Estado de Direito. É o cumprimento a lei. Não podemos admitir investigações sem critérios e investigações baseadas em denúncias anônimas, porque isso gera denuncismo e uma república de grampos, como tivemos na época da Castelo de Areia. Hoje, há critérios melhores e mais específicos na decretação de grampos. No caso da Castelo, foi um conjunto de fatores que levaram à anulação do processo.
GGN - O instituto da delação premiada pode ser questionado pela maneira que tem sido empregado na Lava Jato?

Vilardi - Eu não sou contra a delação premiada. Eu acho um mal necessário. O problema da delação no Brasil - e venho dizendo isso há muito tempo, e nessa operação em Curitiba isso ficou escancarado - é que, num primeiro momento, a delação foi acolhida pelo sistema jurídico, mas não foi regulada. Depois foi aperfeiçoada, mas está longe de uma regulação. O que aconteceu Curitiba, em primeiro lugar, é que essas prisões que o Supremo agora disse que não eram ilegais incentivaram as delações, e prisões não podem servir para pressionar, as delações têm que ser espontâneas. 
Em segundo lugar - e estou verificando isso pelos jornais, porque não participo das delações - os benefícios que são concedidos em função de infrações praticadas me deixam angustiado. Não vejo critérios.
Quando você verifica que os principais responsáveis pelo esquema na Petrobras estão em casa, me parece que isso, no fundo, pode soar para a sociedade, no futuro, como um recado ruim, que é o seguinte: se você for praticar crime, seja o líder da organização criminosa, porque é o líder que vai conseguir o melhor benefício. Não faz sentido que o sujeito que tem participação menor (no crime) cumpra pena equivalente ou até maior do que o principal responsável. Por isso a delação tem que ser melhor regulada.

GGN - Quem define se aceita ou não a delação é um tribunal superior, mas o juiz e o procurador são quem fazem os acordos, correto?

Vilardi - A delação é feita entre as partes - o procurador e o advogado do acusado - e submetida a uma autoridade do Judiciário. Se o caso não envolve autoridades (políticas, com foro privilegiado), é o juiz de primeira instância quem homologa o acordo. Se envolver autoridades, é o desembargador ou ministro responsável pelo julgamento daquela autoridade.

GGN - Então isso cria uma dependência emocional entre o delator e quem vai dizer se aceita a delação?

Vilardi - Cria. A raiz disso está em outro problema do Brasil, talvez por falta de recursos humanos, que é (a inexistência da figura do) juiz de instrução. A Lava Jato novamente escancara a necessidade de juiz de instrução. Porque quando o juiz acompanha toda a investigação, as delações, e é um ser humano, é impossível que ele não seja influenciado na hora de julgar a causa. Seria de todo conveniente que tivesse um juiz para as investigações, para colher toda a prova, e depois de apresentada a denúncia, o processo vai para outro juiz que não esteja contaminado pelas provas colhidas na investigação.

GGN - O senhor criticou, em um artigo na Folha, o juiz Sergio Moro por ter emitido opinião sobre o caso Lava Jato.

Eu realmente critiquei, na verdade, não porque ele tenha feito uma antecipação do julgamento no jornal. Mas quando o juiz da causa diz que esse é o maior esquema de desvio de dinheiro público… Que existem desvios, isso está fora de questão. Há delações, confissões. Que o caso é grave, ninguém nega. Que tem que ter punição para certas pessoas, ninguém também nega. Agora, eu não me sinto confortável se o juiz do meu caso emitir opinião no jornal. Todo mundo pode, mas o juiz do caso tem que se preservar. Qualquer tipo de comentário sobre o caso em andamento, partindo do juiz da causa, gera desconforto em quem está sendo julgado. Principalmente um juiz que é objeto de suspeição. Existem suspeições sendo julgadas [contra Sérgio Moro] pelo tribunais.

GGN - Em relação aos aspectos processuais, é possível verificar nas denúncias encaminhadas ao Supremo, por exemplo, que a maior parte é baseada em delação premiada. O que seria uma investigação criminal hoje no Brasil? Escuta e delação?

Vilardi - O que deveria ser, na verdade, é a confirmação dos termos da delação antes de enviar isso ao Supremo. A Procuradoria [Geral da República], em Brasília, também não teve critério [ao solicitar a abertura de inquérito ou o arquivamento de denúncias contra políticos, numa tacada só]. Eu conheço, li diversas manifestações. Tem gente que teve arquivamento porque a prova era dúbia, sem indícios suficientes. E tem gente que teve, mesmo sem indícios suficientes, inquérito aberto. Não teve critério. Essa é a crítica do Congresso à Procuradoria, e com razão. O que faltou foi trazer outros elementos que corroborassem [com o que foi obtido com as delações].
Mas não sou crítico das investigações. Houve denúncia, e uma maneira que se tem para confirmar é o inquérito. Não achei correto arquivar de pronto alguns. Seria necessário investigar todos e, depois, se não tivesse prova, arquivar.
Mas o fundamental é que a delação, como a escuta telefônica, não pode ser a única forma de investigar. Isso é cômodo. Você faz uma interceptação telefônica e faz interpretações em cima disso. Nenhuma pessoa resiste a um dia de grampo, porque tem um cara te ouvindo e ele te interpreta como ele quer. Ele vai emitir um juízo de valor. E a delação tem que configurar como ponto de partida, que precisa ser confirmada para levar uma pessoa ao banco dos réus.

GGN - Você mesmo disse que o que está contaminando a Lava Jato é uma questão política, porque o partido do governo está envolvido. O que a gente percebe, também, é uma subordinação muito grande do Ministério Público à mídia. Como outros países tratam as denúncias midiáticas?

Vilardi - Acho que o processo penal em todo lugar do mundo sofre muito com a publicidade. Eu estive na Espanha para participar de um seminário na época em que a família real estava sendo investigada e eles diziam que o clima era de caça às bruxas. É inevitável. Por isso é necessário a separação do juiz da investigação do juiz do processo. O juiz do processo pode ter mais calma, tranquilidade, e efetivamente não se sentir pressionado a decidir coisas que alegram a mídia. E a sociedade, de forma geral, desde que o mundo é mundo, quer condenação. Condenação sempre.
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GGN - Tempos atrás, enaltecida no Judiciário era a figura do juiz trancado em sua sala, ele e sua consciência, para julgar um caso. Parece que a pressão da mídia tem mudado, internamente, essa concepção de que o juiz não pode se curvar ao efeito manada.

Vilardi - E aí é que está o grande desafio do juiz de Direito. Punir quando necessário, mas proferir as decisões que vão desagradar. Não pode agradar porque o que as pessoas querem é punição. O juiz tem que decidir de acordo com a regra. Não mandar prender se houver alternativa à prisão.
No caso da Lava Jato, ninguém ameaçou fugir. O Supremo, há muitos anos, diss que é preciso atitude concreta para prender alguém. Porque todo mundo pode fugir, o Brasil tem fronteiras extensas. O Supremo chegou a conclusão de que se houver demonstração da intenção de fugir, pode prender. Coagir testemunhas, estragar provas, reiteração criminosa também são motivos [para prisão preventiva], mas essa opção não tinha porque todos os empresários da Lava Jato foram afastados das empresas e a Petrobras parou as negociações.

GGN - O fato de Alberto Youssef já ter participado de delação premiada antes e ter reincidido no crime não cria argumentos em favor da defesa?

Vilardi - Eu disse há pouco que o sistema de delação no Brasil me preocupa porque pessoas como Youssef têm benefícios iguais a outras pessoas que não têm o histórico dele. Independente disso, a questão de Youssef poder ou não fazer delação não anula o que ele falou. As palavras estão ali.

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