quarta-feira, 22 de junho de 2016

Nº 19.693 - "Xadrez do novo tempo do jogo"

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22/06/2016

Xadrez do novo tempo do jogo

 




Os últimos meses foram os mais decisivos da moderna história política brasileira.

De um lado, pelo fim inglório de um período no qual partidos políticos, poderes e instituições públicas se esfarelaram em torno do mais vergonhoso episódio político pós-redemocratização: a forma como está sendo conduzido o processo de impedimento.

Não se salva um, da presidente afastada ao interino usurpador, de ex-presidentes da República a mandatários do Judiciário, dos velhos coronéis nordestinos aos supostamente intelectualizados a coronéis paulistanos de má catadura.

Nunca o peso do subdesenvolvimento foi exposto de forma tão cruel quanto agora. Praticamente não há mais nenhuma figura referencial em nenhum setor. Executivo, partidos políticos, Supremo, Ministério Público, Congresso, empresariado, mercado, mídia foram tomados pela mais medíocre geração de dirigentes da história. Suas lideranças estão preocupadas em preservar interesses miúdos, de curto prazo, eximir-se de responsabilidades em relação ao país.

A tentativa de dourar Michel Temer com a aura de estadista tem sido um fiasco. O próprio Delfim Neto apelou para que Temer esquecesse sua vida até agora e começasse a interpretar daqui por diante o papel de estadista. Lembra um clássico do cinema italiano, com Vitorio De Sicca: “De crápula a herói”.

Não dá. Falta ao interino não apenas biografia como competência mínima para se locomover no palco do poder.

Além disso, Temer pode esquecer seu passado, mas ele voltará periodicamente a bater em sua porta.
Por outro lado, o processo do impeachment está sendo o catalizador de uma movimentação política inédita, uma redefinição de valores e formas de organização que irão dominar o processo político-eleitoral pelas próximas décadas.

Nesse período consolidaram-se as novas formas de organização, os coletivos, ao lado dos movimentos sociais, fazendo-se ao largo da estrutura hierarquizada de sindicatos e partidos políticos. Essa mesma horizontalidade se revela na notícia, com as redes sociais tornando-se cada vez mais influentes com seus múltiplos filtros substituindo o filtro único da mídia.

As ideias-chaves do que se imagina ser esquerda ou direita estão sendo plasmadas nestes períodos turbulentos. Assim como as preocupações centrais dos que zelam pelo aprimoramento da democracia.
Temas dos próximos anos

Controle da mídia

A fórmula trazida por Roberto Civita e protagonizada pela Rede Globo definitivamente extrapolou. Deve-se aos grupos de mídia não apenas a deposição de uma presidente eleita, como o agravamento inédito da crise, a apologia do ódio e a subversão das notícias. A aposta no quanto pior melhor tornou-se marca muito forte da mídia.

 A apropriação da política pelos grupos de mídia, o uso das campanhas extenuantes de fogo de exaustão contra os adversários, finalmente fez com que o Brasil se equiparasse à Venezuela e à Argentina.
Hoje em dia, para pelo menos 30% do país o controle da mídia tornou-se bandeira central. A ideia do controle econômico da mídia, nos moldes de qualquer país civilizado, será substituída por uma guerra permanente entre partidos de esquerda e grupos de mídia.

Curiosamente, a esquerda sempre teve posições nacionalistas, em oposição ao internacionalismo da direita. Mas, nesse caso, certamente abrirão os braços para os grupos estrangeiros que começam a invadir o espaço com jornalismo de alta qualidade – como o El Pais e a BBC.

O poder do MPF

Os abusos dos vazamentos da Lava Jato criaram um ambiente de completa subversão política. Delegados, procuradores, vazam à vontade, vaza-se em Brasília e sempre de forma seletiva. Apenas quando o dedo de Gilmar Mendes apontou em sua direção, o PGR Rodrigo Janot manifestou-se sobre o tema.

No começo, os vazamentos eram encarados como abusos funcionais. A partir de janeiro de 2016, ficou nítido seu propósito político e a invasão da política por pessoas investidas de poder de Estado recorrendo a práticas ilícitas.

Passada a onda Lava Jato, não se tenha a menor dúvida sobre um conjunto de medidas visando reduzir o poder de manipulação política da Polícia Federal e do Ministério Público, em cima do vazamento de inquéritos. As mudanças focalizarão especialmente a delação premiada e os vazamentos.


Haverá uma grande disputa para impedir que grupos de poder não se valham da irresponsabilidade atual do órgão para subtrair poderes relevantes para a defesa da cidadania.

As políticas sociais e a inclusão

É o tema que delimita mais nitidamente o pensamento de esquerda e de direita ou, mais que isso, o pensamento contemporâneo e o pensamento ultraconservador de grupos religiosas e de ultradireita. Por aqui abre-se espaço para alianças mais amplas do que aquelas de cunho mais ideológico.

A luta de classes

 

Nas últimas décadas, houve dois movimentos paralelos de ascensão. Na classe média incluída, o aparecimento das primeiras gerações de PhDs, poliglotas, muitos com cursos no exterior, que trouxeram um sentimento de classe superior para todos os setores do país, dos jornais ao serviço público, na forma dos concurseiros.

Mudou a natureza de muitas organizações, na medida em que passaram a ser povoadas com essas gerações de vezo internacionalista, tendo a perspectiva de mundo.

Ao mesmo tempo houve uma ampliação das organizações sociais, entendendo a luta política fundamentalmente como disputa de classes.

A maneira escancarada como a atual junta aboletou-se no poder exibiu didaticamente a forma como se dá a disputa pelo bolo do orçamento. A aliança entre sanguessugas políticos, do mercado, das corporações públicas e da mídia, constituíram-se em curso intensivo sobre as disputas de classe em torno do orçamento.

Esse componente será cada vez mais forte nas disputas políticas, trazendo o chamado efeito Orloff: nós seremos a Argentina e a Venezuela de hoje, cada vez mais radicalizados.

A tentação do arbítrio

Dois fatores levarão à tentação do arbítrio.

O primeiro, a enorme dificuldade da direita em apresentar um projeto de país minimamente defensável. Com o discurso do ódio, antissocial, jamais a direita será uma alternativa eleitoral competitiva – incluindo aí seu lado mais depauperado, ]o PSDB. Quem não se sustenta pelos votos, precisa encontrar outros caminhos.

O segundo fator é a dispersão de poder.

O interino Michel Temer tem apostado nesse caminho. Nos últimos dias o general chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen, passou a investigar até a movimentação de Lula. Enquanto o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes tenta fincar pontes com a Lava Jato, em torno da bandeira do "delenda Lula".

Esse tipo de jogo não prosperará, devido à pouca dimensão política de Temer e à composição extraordinariamente corrupta dos condôminos do poder.

Mas certamente estimulará candidaturas bonapartistas nas próximas eleições. O caminho está aplainado para uma candidatura populista autoritária, tipo Ciro Gomes.

O aprofundamento da democracia

 

Paradoxalmente, a ânsia por uma liderança forte será acompanhada também por um aumento na sede de participação. O país já experimentou formas embrionárias de participação, com as Conferências Nacionais, conselhos etc. Esse modelo foi deixado de lado no governo Dilma e sob liquidação no governo interino.

Mas, com o grau atual de diversidade e sofisticação da sociedade brasileira, haverá uma demanda crescente por participação.

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