27/06/2016
Dilma à Pública : “não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese alguma”
Por Fernando Brito
Separei alguns trechos da longa entrevista de Dilma Rousseff a Vera Durão, Natália Viana, Andre Dip e Marina Amaral, da Agência Pública.
Neles, Dilma coloca o ponto de virada do golpismo na tomada de controle de Eduardo Cunha sobre o PMDB, fala das investigações da Lava Jato, da entrega do pré-sal e da discussão sobre a convocação de um plebiscito, no caso de ser reempossada na Presidência.
A seleção, claro, prejudica o todo da entrevista, que trata de diversos outros temas. Mas pode ajudar a uma leitura mais rápida.
Se não puder ir ao site da Pública de imediato, não deixe de ir. É trabalho de primeira linha, que orgulha o jornalismo e, particularmente, às jornalistas que o fizeram e à própria Dilma. Nem elas deixaram de ousar nas perguntas em temas espinhosos como o aborto, nem ela deixou de responder, mostrando que fala como presidenta, não como uma pessoa privada, que tem o direito de expor tudo o que pensa, o que as responsabilidades do cargo não permitem.
Leia trechos da entrevista:
(…) o que eu quero dizer é que, nesse
processo e nessas manifestações pró-impeachment, pra mim, o setor que
mais perdeu foi o setor da oposição que tradicionalmente tinha um
projeto, que é o PSDB. Acho que o PSDB cometeu um gravíssimo equívoco
político. Primeiro perdeu a cara porque endireitou. Mas endireitou não
só do ponto de vista dos projetos econômicos ou políticos. Endireitou do
ponto de vista dos valores. Se misturou no movimento e deu força a ele.
E estimulou, organizou e propôs um movimento que era baseado em algumas
questões inadmissíveis. Como é que [o PSDB] se mistura com um
[movimento] que defende o golpe militar? Como é que é possível tratar de
uma situação em que os direitos individuais e coletivos mais básicos
são desrespeitados? Então eu acho que criou naquele momento, nessa
transação do impeachment, uma situação muito ruim. Por quê? Porque isso
foi orquestrado, querida. Como foi orquestrado? Foi orquestrado logo
depois da minha eleição. Não é lá em 2013. A minha eleição é uma eleição
extremamente conflitiva. Ultraconflituada. Nunca houve uma eleição no
Brasil com aquele perfil. Acaba a eleição, eles pedem recontagem de
voto, coisa que no Brasil não se via há séculos. Pedem auditoria na urna
eletrônica. As duas coisas não se verificando, eles começam a tentar
impedir a minha diplomação. Depois disso, apoiam a ida para a
presidência da Câmara do senhor Eduardo Cunha, que tem uma pauta
eminentemente de direita. E que faz, talvez, o processo mais grave no
Brasil, que foi tornar o centro hegemonizado pela direita, rompendo com
uma tradição centro-democrática que vem desde a redemocratização, com
Ulysses Guimarães, a Constituinte, em que um dos protagonistas
importantes foi o centro democrático no Brasil. O PMDB, o velho MDB, né?
Marina Amaral: Mas o PMDB, na
visão da senhora, deu essa guinada quando o Cunha passou a liderá-lo,
ou isso já vinha acontecendo?
Dilma: Ele dá essa
guinada quando o Cunha assume a hegemonia dele. Porque ele teve a
hegemonia. E essa hegemonia está expressa no governo do Michel Temer.
Ele é Cunha. O Jucá não mente quando diz que Michel é Cunha. Um dos
grandes problemas desse governo é esconder o Cunha. Porque o Cunha não é
uma pessoa lateral deles. Ele é o líder deles. Líder em todos os
sentidos.
Não é só típico do Brasil, esse mal-estar com a representação política se dá em relação ao mundo todo
Marina Amaral: Do PMDB inteiro ou líder da direita?
Dilma: Estou falando
deste grupo que está no poder, este grupo que está no poder não é todo o
PMDB, não é. Você tem gente no PMDB… Você tem o Requião no PMDB, o
próprio Renan. Você tem pessoas das mais diferentes. Agora, este grupo
que hoje é do governo Temer é o grupo hegemonizado pelo Cunha. A
proposta dele não é surpresa. O Cunha, vocês sabem – vocês são da
imprensa, vocês acompanham –, qual é a pauta do Cunha. E as pautas-bomba
que eles nos impunham é pra criar o caldo para o golpe. Qual é a
pauta-bomba? Bloqueia o governo. Nós não só não conseguimos aprovar as
nossas pautas, como eles apelam para a mais lamentável demagogia,
passando pautas que inviabilizam o país. Teve um momento em que, caso
aprovasse, seriam 200 bilhões. Depois, mais recentemente, chegou a 400
bilhões. Então, não só não aprova o que você manda, como também cria um
nível de obstáculo para o exercício da atividade governamental. E é
engraçado, que tem, pra mim, uma característica muito interessante nas
críticas desse governo, que são assim, ó: o que esse governo faz?
Primeiro, ele denuncia projetos que não existem.
Repórteres: Como assim?
Dilma: Na política
externa: “Vou impedir a ideologização que o Brasil faz”. Então denuncia
coisa que não existe. E a imprensa apoia. Segundo: critica medidas que
nunca estiveram na pauta. Quando é que eles são óbvios? Quando, você
pode olhar, toda vez que eles falam o que pensam, são obrigados a voltar
atrás. Porque não está no tempo ainda de mostrar todas as garras.
Esperemos passar a discussão do impeachment e eleição, aí mostraremos
todas as garras. Agora, uma garra feíssima já foi mostrada, né? É essa
do teto de gastos. Pra gente ter uma ideia, no caso da educação, eu
estou falando dos valores, na educação se gastou mais ou menos 101
bilhões [no ano], se não me engano. A viger esse pacto, nós teríamos
gasto este ano 35 [bilhões] só. Então vejam o que vai significar isso
para o futuro. Porque o raciocínio é simples: você corrige o gasto de
educação pela inflação; aí aumentam as pessoas [estudando], e o gasto
está só corrigido pela inflação, o que acontece? Do ponto de vista real,
diminui o gasto por pessoa! Óbvio! Além disso, faz isso mais quatro
governos e mais esses dois anos, ou seja, quatro governos estarão
impedidos de exercer o direito político do orçamento.
Natalia Viana: Mas aquela modificação proposta pela senhora…
Dilma: Não, mas aí o
que é o problema? Não é a presença [dos estrangeiros]. O problema é o
seguinte: são dois regimes, o de concessão e o de partilha. O regime de
concessão se caracteriza pelo fato de que quem achar o petróleo é dono
do petróleo. Se achou o petróleo, qualquer empresa – da Petrobras a
qualquer uma – achou, no Brasil, ele é dono da jazida. Por que isso? O
risco de não achar é muito alto. Muitas empresas, inclusive pequenas,
quebram porque não acham. E aí, gastou 20 milhões, 30 milhões, até 100
milhões de dólares para prospectar. Bom, o que acontece no Brasil? No
pós-sal, o nosso petróleo era difícil de achar, implicava riscos, era
com grande teor de enxofre, com uma coisa que chama API – uma forma de
medir a qualidade do petróleo – muito baixo, 14, 15 graus API. E, além
disso, em muitos lugares [encontrava-se] pouco petróleo. Não eram
grandes campos. Então não era muito petróleo, a qualidade não era muito
boa e com um risco elevado. Modelo de concessão correto porque quem
achou leva a parte do leão, o petróleo. Que faz com que você tenha um
lucro bastante razoável.
Como é o pré-sal? O pré-sal foi
descoberto por prospecção, exploração e pesquisa da Petrobras. Foi
demarcada uma poligonal e nós sabemos que o grosso está lá dentro dessa
poligonal. Nós sabemos que é de muito boa qualidade e que é muito. Então
o petróleo do pré-sal é completamente diferente do pós-sal. Então o
modelo do pré-sal é de partilha por quê? Pra quem fica a parte do leão,
ou seja, o petróleo? Fica pro dono dele. Quem é o dono? A União. E as
empresas privadas ficam com uma parte. Pra você ter uma ideia, mais ou
menos, eu vou falar entre 75% a 80% para a União e o restante…
Vera Durão: Para as privadas?
Dilma: Não é para as
privadas, não, para a dona, Petrobras inclusa. Por isso que eu falo 70%
a 75%, porque, se você botar a Petrobras junto com a União, aí dá uns
80% para o país. Agora, pergunto a você, o que leva quatro grandes
empresas internacionais a virem aqui e pagarem 20 bilhões sabendo que a
regra é essa? Muito petróleo, a certeza de que vai achar, da qualidade e
do lucro, portanto. Então, o que estão querendo fazer é um absurdo.
Alterar o regime de partilha é, de fato, um absurdo. Esse pode ser um
dos elementos que eles jamais conseguiriam num processo eleitoral com
discussão com a população – convencer a população de que isso era bom
para o país. Portanto, através da eleição, eles não iriam conseguir a
aprovação disso. Agora, acho que essa é uma questão. Eles também vão
reduzir a saúde, acabar com o Minha Casa, Minha Vida. Já acabaram!
Porque acabaram já com a faixa 1. A faixa 1 é a faixa pobre do Oiapoque
ao Chuí.
Vera Durão: Dilma, você acha que a maldição do petróleo também passou aí pelo processo que levou ao seu afastamento?
Dilma: O que eu acho
grave no Brasil nessa área é… Eu sou a favor – inclusive tenho sido
acusada, uma das causas do meu impeachment é o fato de que o meu governo
foi favorável, o meu governo não impediu investigação de corrupção. Nós
somos completamente favoráveis a isso. Agora, também sempre deixamos
claro que, quando você combate a corrupção, você não pode destruir nem
as empresas nem os empregos. Assim como se faz no resto do mundo. Os
Estados Unidos tiveram recentemente, junto com o resto do mundo, talvez o
maior processo de corrupção que foi os bancos, os seus derivativos, e
todos os processos que levaram a perdas astronômicas.
Dilma: Isso, a crise
de 2008. Eles não destruíram os bancos. O que eles fizeram? Cobraram
multas elevadas, puniram os executivos e não destruíram os bancos. O que
no Brasil poderia se fazer também: multa, prende os executivos, mas não
destrói as empresas. Não impeça que elas tenham crédito. Não faça com
que elas destruam seus empregos. Por que eu estou falando nisso nessa
altura? Porque a cadeia de petróleo e gás é muito importante para o
crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil. Ela gera emprego, se
calcula que ela responda entre 1 e 2 pontos percentuais do PIB. Então
atirar na cadeia de petróleo e gás é atirar no PIB do país.
Vera Durão: Tem um efeito cascata gigante.
Dilma: Violento. Que é outra explicação da crise também.
Marina Amaral: A esquerda
citou muito o pré-sal durante a articulação do impeachment. Falou-se que
havia influências estrangeiras nessa tentativa de derrubar a senhora do
poder e que isso estaria associado ao pré-sal. A gente vê que o projeto
de alteração do pré-sal é do senador José Serra, que assumiu o
Ministério das Relações Exteriores. A senhora vê alguma relação nisso ou
a senhora acha que é pura especulação?
Dilma: Eu repito
para você: eu acho que eles jamais conseguiriam fazer com o pré-sal o
que pretendem sem ser através de métodos absolutamente fraudulentos e
golpistas. Por eleição direta não fariam. E eles não ganham eleição
direta há muitos anos. Então, eu acho que tentaram encurtar o caminho.
(…)
Natalia Viana: Presidente,
ontem foi preso, em um desdobramento da Lava Jato, o Paulo Bernardo, que
foi ministro no seu governo, acusado de um superfaturamento de 100
milhões pela empresa de tecnologia que geria sistema de crédito
consignado a funcionários. Diz a PF que o dinheiro seria usado para
caixa 2 do PT. Por outro lado, o Marcelo Odebrecht assinalou que…
Dilma: Querida,
posso te falar uma coisa? Eu não sei no que vai dar. E nem o que está em
processo na prisão do Paulo Bernardo. Então, você vai me desculpar, mas
você não vai querer que eu faça uma avaliação sobre coisas que estão
sob investigação da Justiça. Agora, acho estarrecedor me perguntar sobre
o Marcelo Odebrecht, que nem concluiu a sua delação premiada. Tirante a
hipótese de que o seu jornal – e aqui eu vou engrossar – tenha uma
escuta dentro da cela, ou do lugar onde ele está fazendo a delação,
vocês não têm o direito de me perguntar nada.
Natalia Viana: Na verdade, a pergunta não era em relação a isso.
Dilma: Eu tenho imensa indignação com esse tipo de uso político das investigações da Lava Jato. Uso político.
Natalia Viana: A pergunta era se a senhora acredita que essas revelações afetam suas chances no impeachment.
Dilma: Não, minha
querida. Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta contra
isso. Isso tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente.
A última que arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha
cabeça porque eu liguei para o Lula e falei: “Vou mandar aí o Bessias”.
Agora foi arquivado. Agora, o pato que eu pago enquanto não está
arquivado é imenso. E eu me recuso a discutir Marcelo Odebrecht numa
delação que nem acabou. Tem vazamento daquilo que não foi feito, tem
vazamento… e tudo seletivo. Primeiro vaza eu e fazem um escândalo com
isso. E depois aparece o resto. Como que fica? Não sei o que que é o
Paulo Bernardo, tem um ano essa investigação, não sei por que prenderam
hoje, não tenho a menor ideia… Ele estava fugindo? Preventiva tem de ter
motivo. Eu me recuso a dar elementos para um tipo de praxe que a
imprensa brasileira está tendo de uso seletivo. Porque a tese era a
seguinte: tinha um único partido no Brasil que tinha corrupção. O que se
vê é que não é isso que está acontecendo.
Vera Durão: Sérgio Machado disse que é desde 1946.
Dilma: É. O Sérgio
Machado deve ser um experiente conhecedor disso. Bom, o que estou
dizendo é que não vou compactuar com isso. E comigo é sistemático. Até o
ponto do meu cabelo. Eu perdi a paciência no dia do meu cabelo [Merval
Pereira, do Jornal O Globo, veiculou em sua coluna que Dilma teria usado
dinheiro da refinaria de Pasadena para pagar itens pessoais. Saiba mais].
Dilma: Todas. Eu vou processar criminalmente. O dia em que eu processar vai sair na imprensa. Mas eu vou.
(…)
Vera Durão: Se você reassumir, você vai mudar isso, esse presidencialismo de coalizão?
Dilma: Eu farei
basicamente um governo de transição. Porque é um governo que vai ter
dois anos, e o que nós temos de garantir neste momento é a qualidade da
democracia no Brasil, o que vai ocorrer em 2018. Eu farei isso,
sobretudo. Acho que cabe a discussão de uma reforma política no Brasil,
sem dúvidas. Nós tentamos isso depois de 2013 e perdemos fragorosamente.
Tentamos Constituinte, tentamos reforma política, tentamos…
Natalia Viana: Teria força para um plebiscito?
Dilma: Não sei. Não tenho ideia.
Marina Amaral: Mas há esse compromisso da senhora, chamar um plebiscito?
Dilma: Não, não.
Está em discussão isso. Não há um consenso. É uma das coisas. Uma das
propostas colocadas na mesa. Agora, há de todo mundo uma opção por
eleição direta, né? Sempre.
Vera Durão: Agora, Dilma,
você não pode escapar dessa prisão desse presidencialismo de coalizão
apelando para os seus eleitores, para o povo? Como você está fazendo
agora?
Dilma: É que nós
vamos continuar isso. Vou continuar fazendo. Não tem mais como recompor.
Vou te falar, eu não recomponho governo nos termos anteriores em
hipótese alguma.
.
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