quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Nº 20.859 - "A privatização é boa ou ruim?"


08/02/2017

A privatização é boa ou ruim?


Carta Capital  — publicado 08/02/2017 00h12, última modificação 07/02/2017 15h27


O governo federal, estados e municípios anunciam programas de vendas de ativos públicos. Entenda os resultados do processo no Brasil e no mundo


Moreira Franco na Fiesp
Moreira Franco na Fiesp O ministro Moreira Franco discute concessões com empresários em São Paulo

por Carlos Drummond


O ano mal começou, mas o governo federal, estados e municípios mostram raro entrosamento na aposta nas  privatizações. O prefeito de São Paulo, João Dória, anunciou na segunda-feira 6 a intenção de fazer “o maior programa de privatização de um município no Brasil”. O plano inclui a venda do Anhembi e de Interlagos e a concessão do Pacaembu. 

No mês passado o  governo Temer condicionou o apoio financeiro ao Rio Grande do Sul à venda do Banrisul, banco estadual público, e revelou sua intenção de repassar à iniciativa privada da operação da transposição do Rio São Francisco.  O governo do Rio de Janeiro confirma a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos, a Cedae, contestada pela população com intensas manifestações de rua.

Entenda a seguir as implicações do processo de privatização:

 A queda de arrecadação nos estados e municípios justifica privatizar para melhorar o caixa?

A penúria dos estados é resultado direto das políticas de austeridade adotadas pelos governos federal e estaduais, na contramão do mundo avançado e mesmo de outros países emergentes. O efeito é a queda vertical da atividade econômica e a redução da arrecadação de impostos, fonte da receita para obras de interesse público na saúde, educação, saneamento e outras áreas vitais ao funcionamento do País. A diminuição do recolhimento de impostos explica, portanto, mas não justifica o frenesi privatizante. Vale a pena refletir sobre o questionamento de um analista do insuspeito banco norte-americano JP Morgan, feito com o uso de uma metáfora, durante o ciclo de privatizações dos anos FHC: “Quando toda a prataria da família for vendida, o que restará fazer”? O alerta sugere que em hipótese alguma a privatização deve ser política econômica.

 A privatização de FHC funcionou?

A onda anterior de liquidação de ativos públicos, comandada por Fernando Henrique Cardoso, não trouxe resultados positivos e duradouros, ao contrário do prometido. Um exemplo é esclarecedor. A privatização do período considerada a mais bem sucedida pelos tucanos, aquela do setor de telecomunicações, entrega hoje um dos serviços piores e mais caros do mundo, segundo indicadores internacionais e reputados especialistas do País. As teles são campeãs em falhas e medalhistas nos rankings das reclamações dos serviços de proteção ao consumidor.

 Ao menos a privatização de FHC melhorou a situação das contas públicas?

Pelo visto, não melhorou, apesar de ser essa a principal justificativa para a venda do patrimônio público. “As receitas das vendas de estatais no auge do processo, entre 1997 e 1998, corresponderam em média a 3% do PIB e contrastam com os resultados da dívida pública e do desequilíbrio fiscal, que prosseguiram como se uma privatização de tal envergadura não estivesse em curso”, escreveram Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida no livro Depois da Queda.

O que privatização tem a ver com desnacionalização?

Privatizações são ofertas de bens públicos ao mercado mundial e quem oferecer mais, leva. Na competição entre candidatos à compra, prevalecem quase sempre os investidores estrangeiros, por terem maior poder financeiro. Privatizações significam quase sempre desnacionalizações.

 Mas é importante ter indústrias e outras empresas nacionais?

É preciso analisar o exemplo dos países bem sucedidos, de renda média alta, que garantem proteção aos jovens e aos aposentados e tem alto nível educacional e cultural. Na Alemanha, ao contrário do Brasil, as marcas nacionais imperam e a quantidade de carros importados nas ruas é mínima. Nos supermercados, a predominância dos produtos nacionais é quase absoluta. Há várias indústrias em cada ramo, a competição é acirrada, mas a manufatura nacional manda no mercado. Não é fácil um produto final estrangeiro ultrapassar a fronteira e disputar o mercado nacional. Na França, Inglaterra, Japão, Estados Unidos, Suécia e outros ocorre o mesmo.

Se esse grupo, acompanhado de China e Coreia, mantiveram e aperfeiçoaram as suas indústrias, como concluir que o descaso com o setor e o apreço pela desnacionalização levariam o Brasil ao bom caminho? Nenhum país avançado atingiu esta condição sem ter ao menos 25% do PIB composto pelo produto industrial. O Brasil esteve próximo disso no auge do setor, décadas atrás, mas hoje o indicador beira 10%.

 A quem interessam as privatizações?

As sociedades descobriram tarde que o tsunami de privatizações no mundo, na década de 1990, não correspondia às suas necessidades, ao contrário do alardeado pelos meios de comunicação, mas aos interesses de banqueiros e grandes investidores, beneficiados por ganhos gigantescos na intermediação e nas transações proporcionadas por operações gigantes celebradas nas Bolsas, de Nova York a Frankfurt, de São Paulo a Buenos Aires.  

 A privatização é necessariamente negativa?

Não. O tipo de privatização praticado nos governos FHC e Temer não é o único existente. Como observa o economista Carlos Aguiar de Medeiros, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "em muitos países a privatização foi apenas um processo de capitalização com a venda de ações de empresas estatais no mercado, com o governo retendo as golden shares (ações de classe especial mantidas pelo poder público quando ele se desfaz do controle acionário de empresas por conta de privatizações), de forma a evitar que a companhia, antes considerada estratégica, caísse em mãos inábeis.

Em outros, a privatização adquiriu principalmente a forma de joint-ventures, ou, em países como a China e a Índia, houve uma privatização do investimento industrial ou de setores produtivos simplesmente pela maior expansão do setor privado sem que o estado abrisse mão do comando da economia".

No ensaio “A Economia Política da Integração Financeira e da Privatização na América Latina”, Medeiros explica que, nesses casos, o processo de privatização constituiu uma nova forma de coordenação do processo de desenvolvimento, sem alterar na essência a importância das empresas públicas no que diz respeito a políticas industriais, tecnológicas e de modernização da infraestrutura necessárias ao fortalecimento dos capitais nacionais diante da concorrência global.

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