20/02/2017
Dilma, no Sul 21: porque o capital financeiro enquadrou o Brasil
Do Tijolaço · 20/02/2017
Por Fernando Brito
Publico, na forma de artigo, trecho da longa entrevista de Dilma Rousseff ao Sul 21. Aqui está, a meu ver, o centro da questão do golpe e o cerne da incapacidade do capital financeiro de prover progresso econômico e social ao Brasil.
A dominação financeira é casada com a desigualdade
Dilma Rousseff
O que caracteriza o neoliberalismo hoje não é o fato de que eles tenham elaborado o Consenso de Washington, mas sim a preponderância do setor financeiro sobre o setor produtivo. De certa forma, todos viraram bancos. E quando todos viram bancos, é bom lembrar que, uma parte que não é banco propriamente dito, não está regulada. Uma parte expressiva dos ganhos das empresas passa a decorrer da atividade financeira e não da atividade produtiva. Os Estados Unidos são o que há de mais desenvolvido do ponto de vista do sistema capitalista. Lá, do total do movimento financeiro, 15% vai para o setor produtivo e 85% é compra e recompra de ações, empréstimos e todos os processos de transformar bens em títulos.
Neste contexto, o que explica o aumento brutal da desigualdade nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos? A própria eleição de Trump está relacionada a esse aumento da desigualdade. Esse aumento começou na década de 80, pós-Thatcher e pós-Reagan. O que aconteceu neste período foi a desregulação de todo o setor financeiro. O processo de internacionalização é eminentemente financeiro, tanto para o bem como para o mal. O sistema bancário foi internacionalizado, mas as redes de paraísos fiscais também foram. Tivemos a partir daí um processo gravíssimo de concentração de riqueza. Esse processo explica o Trump e o Brexit (na Inglaterra).
No caso do Trump, não é só o homem branco sem formação universitária que está ganhando o que ganhava há 60 anos. Há uma estagnação de salário, uma dominação da atividade de serviços sobre a indústria e uma ampliação da financeirização em todas as áreas. A tesouraria das empresas passa a se interessar cada vez mais por valorização financeira. No caso do Brasil, agregue-se a isso o fato de que são sócios do giro da dívida, que permite grandes ganhos, principalmente se você tem acesso aos mercados internacionais. Se você toma 1% lá fora e aplica 7% aqui, você ganha 6% sem fazer nada. Essa dominação financeira é casada com o aumento da desigualdade. O nosso negócio não era o aumento da desigualdade, mas sim sua diminuição. É importante que se diga isso porque toda a América Latina está sendo enquadrada. Quando enquadraram o Brasil e a Argentina, enquadraram todo o sul do continente.
Há ainda uma outra explicação importante. Quando o governo não atende as demandas da sociedade a política se torna irrelevante. Junto com isso ocorre um processo de despolitização. A política é substituída pela seguinte orientação: “vamos achar os culpados”. Quando mais concreto for o culpado mais fácil é. No período entre guerras foi assim. O surgimento do nazismo e do fascismo decorre dessa ausência de resposta do Estado. O vazio de propostas é preenchido por coisas do tipo “a culpa é dos imigrantes”. Pensar que a culpa pelo aumento da desigualdade nos Estados Unidos é dos latinos é algo ridículo. Estimula-se a briga dos pobres contra os pobres e não se fala nada sobre onde está concentrada a monstruosa riqueza de 16 trilhões de dólares anuais.O aumento da desigualdade nos países desenvolvidos é fundamental para entender a dinâmica desse processo. Por que deu Trump se o Obama era tão simpático? O que explica o Brexit? Não está claro para ninguém que a raiz da desigualdade é a financeirização. O que dizem para o trabalhador branco americano? Esse bando de latinos está roubando o emprego de vocês. É preciso construir um muro na fronteira com o México. Mas dizem uma segunda coisa interessantíssima sobre o livre comércio. Os acordos como a ALCA, o Transpacífico e o Transatlântico também são responsáveis pelo desemprego, pois levam as empresas americanas para outros países. Ninguém toca no assunto “onde estão os grandes ganhos?”.
Aqui, nós temos um processo de enquadramento do Brasil. Com a eleição de Lula em 2003, nós interrompemos a implementação do neoliberalismo. Não interrompemos tudo, mas bloqueamos uma parte expressiva. Não conseguiram executar, por exemplo, uma pauta de desconstituição dos trabalhadores. Querendo ou não, a política de valorização do salário mínimo levou a um crescimento real de 75% do mínimo. Eles diziam que esse era um dos grandes componentes da inflação. Nós não privatizamos a Petrobras e também não privatizamos três grandes bancos: o Banco do Brasil (que concorre com os grandes bancos privados), a Caixa (único banco imobiliário do país) e o BNDES (único banco de financiamento de longo prazo). Além disso, não retiramos direitos sociais, muito pelo contrário. Foi por isso que decidiram nos enquadrar de novo, como fizeram também com a Argentina.
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