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31/07/2013
IDH é mosca na sopa conservadora
A divulgação de dados sociais e econômicos mais recentes mostra que em 20 anos país progrediu de forma notável
Da IstoÉ Independente - 31/07/2013
Paulo Moreira Leite
No início de junho, quando o MPL foi às ruas pedir a anulação do aumento da passagem de ônibus, eu não poderia deixar de aplaudir. Era mais do que razoável.
Uma semana depois, quando a PM paulistana transformou o protesto
num banho de sangue, as famílias se juntaram a seus filhos e netos para
defender a democracia. Palmas para todos.
O que veio um depois é um processo contrário e confuso, cuja origem e consistência aguardam explicações.
As grandes cidades brasileiras foram ocupadas por multidões que
criaram um novo ambiente político. Prefeitos, governadores e a
presidência da República foram colocados contra a parede. O mesmo
aconteceu com o Congresso. A violência e o vandalismo incluíram ataques
ao Itamaraty, à prefeitura de São Paulo. Semanas mais tarde, o
governador Sérgio Cabral enfrentou situação semelhante – e mais dura.
Protesta-se contra o que e contra quem?
Aplicando uma sociologia automática, a maioria de nossos analistas justifica os protestos a partir de uma analise apocalíptica.
Como se o Brasil fosse a Espanha em desmanche social, ou os Estados
Unidos no pior momento da crise do pós-2008, explicou-se a mobilização,
o “monstro”, “a rua”, como o movimento necessário num país em atraso
insuportável, num momento histórico de tragédia. Só restava ajoelhar e
rezar.
O problema é que a divulgação de dados sociais e econômicos mais
recentes mostra que em 20 anos país progrediu de forma notável.
Num país que protesta, os dados merecem uma festa.
Falando de fatos objetivos: o Índice de Desenvolvimento Humano
avançou 47,5% e saiu do nível "muito baixo" para se acomodar em patamar
considerado "alto". A desigualdade caiu, a expectativa de vida aumentou.
A qualidade de vida tinha nível muito baixo em 85% das cidades. Esse
número é de 0,6% em 2010. Pergunte a um estatístico qual a redução
ocorrida.
Prefiro uma imagem. Se antes ocupava 86 andares de um edifício de 100 pavimentos, o “muito baixo” agora não ocupa um único patamar inteiro. Deu para notar. Então repito: o que era 86 agora é menos do que 1.
Prefiro uma imagem. Se antes ocupava 86 andares de um edifício de 100 pavimentos, o “muito baixo” agora não ocupa um único patamar inteiro. Deu para notar. Então repito: o que era 86 agora é menos do que 1.
O discurso oficial sobre os protestos talvez pudesse ser
inteligível se essas melhoras tivessem ocorrido à margem do Estado, como
obra do empreendedorismo de cidadãos abnegados num país de autoridades
omissas e desonestas.
Errado.
O progresso ocorreu em 20 anos de regime democrático, o mais amplo e
duradouro de nossa história, quando autoridades políticas são eleitas
pelo povo e não escolhidas nos quartéis.
As mudanças para melhor ocorridas nos últimos anos se tornaram
possíveis com a Constituição de 1988, que criou direitos sociais e
definiu o combate à desigualdade e a luta por um sistema de bem-estar
como um dever do Estado.
Dizia-se que isso era paternalismo, populismo. Olha a piada.
As ideias da turma do impostômetro, aquela que vive da denúncia do
Estado, que quer sua redução de qualquer maneira, ficaram longe das
melhorias. Foram inúteis, adereços teóricos à margem do movimento real
do país.
Passamos as últimas décadas ouvindo que um Estado com recursos é um
estímulo ao desperdício, ao desvio, à corrupção – um entrave ao
desenvolvimento.
O grande salto ocorreu quando a receita do Estado subiu, passando
de 24% do PIB para 36% hoje. Ao contrário do que dizia a ladainha
preferida dos nostálgicos da ditadura e seus tecnocratas, para quem o
“Estado não gasta muito nem pouco, gasta mal”, a maior parte dos
recursos foi bem empregada.
Claro que houve a corrupção, o desvio. Também ocorreram falhas de visão, planejamentos estúpidos.
Mas é bom colocar o debate no eixo real, sem perder a noção de proporção das coisas.
Este progresso, que coincide com os governos de FHC e Luiz Inácio Lula da Silva, não merece ser debatido em termos de Fla-Flu.
Fernando Henrique foi capaz, sim, de garantir a estabilidade da
moeda e condições mínimas para o funcionamento do Estado. Ajudou a
consolidar o sistema financeiro, necessário para o desenvolvimento.
Mas o IDH não deu o salto – o que era 86 virou menos que 1 – porque
se gastou pouco. Isso Roberto Campos já fizera em 64, com auxílio das
baionetas militares.
A mudança ocorreu porque o Estado realizou ações em profundidade
para favorecer a distribuição de renda, proteger o salário e os direitos
dos trabalhadores, o financiamento do crescimento, o investimento no
mercado interno. Se for para usar expressões econômicas, se FHC soube
economizar, Lula soube dividir. São missões difíceis e desafiadoras.
Mas o debate não é pura economia.
Quando o mundo veio abaixo, em 2008, o governo brasileiro não
reagiu com receitas clássicas de cortar despesas, encolher investimentos
e jogar a miséria nas costas do povo. Recusou-se a transformar o Brasil
numa Grécia. Rejeitou medidas tradicionais que iriam acelerar a
recessão. Comparando a reação do governo FHC às crises e a reação de
Lula, um estudo da Organização Internacional do Trabalho, OIT, notou a
diferença. No governo do PSDB, tomavam-se medidas que favoreciam o ciclo
da atividade de econômica. Crescer quando o mundo crescia, cair quando o
mundo caia.
No governo Lula, agiu-se no contra-ciclo. Se havia o risco de
recessão, investiu-se no crescimento, para impedir que o país fosse
abaixo
O último ano do IDH é 2010, final do mandato de Lula, quando o país
crescia a 7% e a maioria das políticas sociais do país de hoje
amadureceram.
Falando com clareza: os dados do IDH, que retratam um período que
se encerra em 2010, registram uma colossal derrota do pensamento
antidemocrático brasileiro. Não sobra nada. E é por isso que, mais do
que nunca, este pensamento se volta contra a democracia. Nesse terreno,
da liberdade, do confronto de ideia, ele tem dificuldade para vencer. E
isso é imperdoável.
Querem interromper a história, para tentar que seja reescrita.
E é esta a questão que se coloca agora.
O país vive um ambiente de protesto e mobilizações radicais como há muito não se via.
Até o governo admite que ocorreram omissões importantes e casos
graves de incompetência na definição de políticas públicas. Políticas
urgentes – como a saúde pública – só foram definidas com atraso.
O mesmo se pode dizer para a educação e outras melhorias urgentes.
Mas é bom tomar cuidado com crises artificiais e pensar quem ganha com
isso.
É bonito falar em gestos “simbólicos” que em teoria se destinam a
“denunciar o capitalismo,” como quebrar vidraças de bancos. Mas é muito
mais efetivo, do ponto de vista do povo, reduzir a taxa de juros e
ampliar o crédito popular, por exemplo.
Nós sabemos que a violência policial é uma tragédia que atinge
tantas famílias brasileiras. Deve ser apurada, investigada e punida.
O caso Amarildo é uma vergonha sem tamanho.
Mas vamos combinar que no Rio de Janeiro, Estado onde se constroem
as UPPs, a primeira resposta coerente de autoridades brasileiras ao
crime organizado, o ataque indiscriminado à polícia é uma forma de dar
braço às milícias, aos bandidos, aos grandes traficantes, certo?
Tudo isso em nome do que mesmo?
Não é difícil saber o que é melhor – ou menos ruim – para o povo.
Com a baderna estimulada, glamourisada, estamos falando em ações
que, cedo ou tarde, irão estimular operações repressivas de maior
envergadura. E aí, como aconteceu nos protestos contra o aumento dos
ônibus, nós sabemos muito bem quem serão atingidos e prejudicados pela
falta de liberdade.
Isso porque o clima de baderna ajuda a tumultuar o sistema político.
A eleição de 2014 está aí, quando o eleitor terá a oportunidade de
fazer seu julgamento e suas opções. Os protestos mudaram o jogo e podem
mudar muito mais.
Há um movimento subterrâneo em curso, porém.
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O que se quer é apagar a redução de 86 para menos que 1 e fingir que ela não ocorreu.
O estímulo direto às manifestações mostra até que ponto a turma do
Estado mínimo pode caminhar em seu esforço para barrar um processo que
contraria interesses materiais e convicções ideológicas. Pode até
fingir-se de anarquista.
A presença ambígua de agentes de vários serviços de informação nas
mobilizações ameaça ganhar um caráter perigoso, imprevisível, como
acontecia às vésperas da grande derrota democrática de 1964, quando
marinheiros, cabos, sargentos foram infiltrados para jogar sua energia
contra o governo João Goulart.
Alguns eram reacionários bem treinados, prontos para ajudar a
serpente da ditadura em seu veneno. Impediam acordos, soluções
negociadas e pactos construtivos. Outros eram jovens radicalizados,
estimulados ao confronto direto por uma compreensão errada da conjuntura
e suas armadilhas, como aconteceu com tantas lideranças respeitáveis
ligadas ao movimento operário e popular.
Os números do IDH mostram para onde o país quer andar. Também apontam um caminho. Só não vê quem não quer.
Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".
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