Do Jornal GGN - ter, 01/04/2014 - 08:02
Da Folha
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O cinquentenário de 1964 mostra-se como um brado de 'ditadura nunca mais'. Pode ser. Ou: depende
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Ninguém imaginou que o capitalismo
voltasse a imperar na imensidão que perdera, mais de 70 anos antes, para
o comunismo da União Soviética e seus domínios posteriores.
Os horrores da chamada Primeira Guerra
Mundial, de 1914-18, e as providências para a preservação da paz
disseminaram a crença fervorosa de que as nações e a própria humanidade
entravam em nova era. Os embates de interesses e poderes só se dariam e
se solucionariam em conferências, e nunca mais em campos de batalha.
Passados apenas 20 anos, começava a Segunda Guerra Mundial, a das bombas
atômicas sobre cidades
Os exemplos gritantes do mundo alheio,
citáveis ao infinito, têm ecos por aqui, para confirmar que a história
faz uso de regras universais, não de desarranjos particulares.
O Getúlio ditador foi derrubado em
1945 pelos militares da FEB, lê-se ainda nos livros sobre o período, que
voltaram da guerra impregnados das convicções democráticas, absorvidas
no convívio com os americanos. Em 1954, Getúlio, presidente por legítima
eleição, recusou-se com o suicídio a ser derrubado pelo golpe militar.
Eram os mesmos militares guardiães da democracia. Outra vez inspirados
pelos americanos, sob o comando do embaixador Berle Jr.
Imposta ao golpismo a posse de
Juscelino, eleito com legitimidade, seguiram-se cinco anos em que a
dissolução quase pacífica de dois levantes militares consolidara o
sentimento de estabilidade institucional e democrática. Não havia mais
ambiente para golpes, no país que crescia e se projetava com a pujança
sintetizada em sua nova capital. E assim foi --por oito meses. Em agosto
de 61, na renúncia de Jânio Quadros, o golpismo militar recusa a posse
do vice João Goulart, sendo derrotado pela rebelião gaúcha do governador
Brizola.
O golpe de 64 foi a retomada vitoriosa
do golpe derrotado em 61, que, por sua vez, tentara continuar o golpe
incompleto, em 54, contra o getulismo, suas teses nacionalistas e de
menor desigualdade social. Lá estavam, cabelos brancos e barrigudos por
trás das armas, aqueles militares jovens e de meia-idade que chegaram da
Itália como vanguarda do "Exército pela democracia".
O cinquentenário de 64 mostra-se como
um brado uníssono de "ditadura nunca mais". Talvez seja assim. Mas só
poderá ser se consumadas duas condições.
O ensino das escolas militares
precisaria passar por reformulação total. A do Exército, mais que todas.
Nas escolas militares brasileiras não se ensinam apenas as matérias
técnicas e acadêmicas apropriadas para os diferentes ramos da carreira
militar. Muito acima desse ensino, as escolas militares ocupam-se de
forjar mentalidades. Uniformes, planas, infensas à reflexão, e, por aí
já está claro, ideológica e politicamente direcionadas. São produtos
criados ainda para a Guerra Fria.
É por isso que se vê, há tantos anos,
tão igual solidariedade e defesa dos atos e militares que, para a lei e
para a democracia, são criminosos, muitos de crimes hediondos e de
crimes contra a humanidade.
As escolas militares não preparam militares para a democracia.
Outra condição é que se propague a
noção de soberania, tão escassa nos níveis socioeconômicos que
influenciam a condução do país. Em seu artigo na Folha de ontem, o
embaixador Rubens Ricupero contou de documentos por ele vistos, na
Biblioteca Lyndon Johnson, em que os "reformistas" conduzidos por
Roberto Campos, no governo Castello Branco, sujeitavam aos americanos
até a revisão do currículo escolar. Se a imaginação conseguir projetar a
mesma conduta para o sistema financeiro privado, por exemplo, pode-se
ter uma ideia dos obstáculos que a construção do desenvolvimento
brasileiro enfrenta.
Nunca mais? Pode ser. Ou: depende. O certo é que a história não faz gentilezas.
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