04/12/2015
Instabilidade venezuelana e golpe paraguaio
O ambiente político brasileiro vem sendo tumultuado e polarizado por forças reacionárias representadas por Cunha, Gilmar Mendes, o PSDB e a Mídia.
Carta Maior - 04/12/2015
por Francisco Fonseca (professor da FGV/Eaesp e PUC/SP)
A admissão do processo de impeachment da presidente Dilma, formalmente deflagrado em 03 de dezembro é o desfecho esperado de uma conjunção de fatores:
1) A derrota eleitoral do PSDB – a quarta consecutiva, nunca é demais relembrar – e do rentismo deletério que representa, o que vem implicando toda sorte de revanchismo antidemocrático;
2) ascensão do carbonário deputado Eduardo Cunha, representante do que há de mais escuso na vida “pública”, com seu séquito do “baixo clero” que tem no Congresso um balcão de negócios;
3) Da saída às ruas (e do armário) da direita – com tonalidades protofascistas – proveniente das classes médias superiores, incomodada com a ampliação dos direitos sociais;
4) Do terror apocalíptico promovido pelo Partido da Imprensa Golpista (o conhecido PIG), jamais enfrentado por qualquer governo;
5) Das contradições econômicas do próprio Governo Dilma, notadamente o antissocial e o antidesenvolvimento “ajuste fiscal” levado a cabo por um neoliberal de carteirinha, e, em termos políticos, da tentativa de manutenção da esgarçada “aliança de classes” expressa na lógica da coalizão;
6) Da histórica “lógica privatizante” do Sistema Político brasileiro: financiamento legal e ilegal de campanhas e partidos, igualmente jamais reformado;
7) Da obtusa “Operação Lava Jato” quanto às ilegalidades constitucionais (notadamente prisões sem motivações legais); ao “mercado das delações premiadas”; à ilegalidade de grampos no cárcere de Curitiba com o consequente “mercado” das gravações; à seletividade de julgamentos (e de vazamentos ao PIG); e ao fato de delegar a um juiz de primeira instância tamanho poder; entre outras.
Esse conjunto de fatores torna a conjuntura altamente complexa e fluida, com movimentos e contramovimentos de lado a lado: esquerda, legalistas, progressistas e desenvolvimentista versus direita, golpistas, neoliberais e rentistas. Isso tudo com o apoio ingênuo de um sem-número de “inocentes úteis”, muitos dos quais foram às “manifestações conservadoras” promovidas e apoiadas por imorais em nome da moralidade!
Nesse contexto, o ambiente político brasileiro – institucional e social – vem sendo tumultuado e polarizado por forças conservadoras e reacionárias, tal como na Venezuela. Um sem-número de “Capriles” parece povoar nosso ambiente! Isso tudo sem Chaves, chavismo, bolivarianismo e reformas radicais!
Pois bem, a admissibilidade do processo de impeachment – deve-se considerar que o processo tem um longo caminho entre Câmara e Senado e STF – cada vez mais se assemelha com o que se deu no Paraguai com a derrubada do presidente Lugo. A “peça” produzida pelos “juristas” Reali e Bicudo, encomendada pelo PSDB com a “consultoria” de Gilmar Mendes, lida em plenário pelo “pré-cassado” (quiçá preso) Eduardo Cunha é um “faz-me-rir” jurídico. Os “argumentos” elencados – sem estofo – seriam suficientes para enforcar qualquer um num regime de exceção que nos remete a Kafka.
Diferentemente da opinião majoritária, não se tratou de “chantagem” de Cunha, pois independentemente da posição do PT o presidente da Câmara levaria o processo de impeachment a cabo, uma vez que sintetiza a reação não apenas à presidente Dilma e ao PT, e sim aos direitos sociais, trabalhistas e civis, que implicam varrer a esquerda e a agenda progressista e civilizatória: não foram esses os objetivos do PDS, depois PFL, depois DEM...e agora PSDB?
Trata-se, pois, de forças econômicas e sociais catalisadas por Cunha, isto é, da luta de classes com todas as modulações aí implicadas. Mais ainda, trata-se de redefinição – tal como está ocorrendo na Argentina neste exato momento e de longa data na Venezuela – política, econômica, social e internacional.
Derrotar os golpistas é impedir a “paraguaização política” da sociedade brasileira, consolidar o Estado de Direito Democrático e a democracia política e SOCIAL brasileira, numa perspectiva de inclusão social e internacional. Especificamente quanto à América Latina, o que ocorrer no Brasil terá enorme impacto no subcontinente.
Por tudo isso, nunca a ação de “ir às ruas” e “ocupar democraticamente os espaços públicos” foi tão importante como agora. Trata-se, com a derrota do golpismo – impedindo o impeachment –, do estabelecimento de nova correlação de forças que permitirá ao Governo Dilma de fato governar, e “virar à esquerda” com políticas econômicas progressistas e com reformas político/institucionais que sejam radicalizadoras da democracia, movimento que constrangerá o Congresso conservador a novas pautas. Poderá ser um “novo governo”, tal como o foi, guardadas as realidades distintas, o Governo Lula pós Dirceu/Palocci.
O mote da “crise como parteira da história” nunca foi vigente como nos dias de hoje. A chance de derrotar a direita – social e institucional –, reformar as instituições no sentido de aprofundar sua democratização e combater os poderes tradicionais (agronegócio, rentismo, mídia, entre inúmeros outros), renovando as políticas públicas, nunca esteve, paradoxalmente, possibilitado de maneira tão vigorosa como agora.
Depende, para tanto, dos embates e da articulação dos movimentos sociais, da defesa da legalidade pelas instituições democráticas e do amplo campo democrático. Ao PT e ao Governo Dilma caberão, como não poderia deixar de ser, papeis cruciais nesse processo, superando suas erráticas trajetórias recentes, o que implicará “virar à esquerda” se quiserem continuar relevantes na história brasileira.
A ver!
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