segunda-feira, 6 de junho de 2016

Nº 19.565 - "Golpistas não sabem conviver com a democracia"


Golpistas não sabem conviver com a democracia

 

Brasil 247 -  5 de Junho de 2016

 

MAC: <p>Presidente Interino Michel Temer durante cerimônia de posse do senhor Torquato Jardim no cargo de Ministro da Transparência, Fiscalização e Controle. (Brasília - DF, 02/06/2016) Foto: Beto Barata/PR</p>

Alex Solnik

 

Alex SolnikSe ainda havia dúvidas acerca do caráter golpista do impeachment versão 2016 os próprios golpistas trataram e tratam de dissipá-lo e a todo momento revelam esse caráter espúrio que os caracteriza, além de golpistas, de traidores e fora-da-lei.
 
   Golpe, traição e fora-da-lei são três substantivos que se complementam. Todo golpe supõe traição e desobediência às leis vigentes – golpistas costumam fazer suas próprias leis para assumirem ares de legalistas, como vimos na ditadura de 64.

   Traidores foram desde o começo, pois todos os partidos, à exceção do PSDB, que se uniram para derrubar a presidente da República apoiaram sua reeleição e votaram contra ela seis meses depois.

   O golpismo ficou evidente quando os golpistas sequer esperaram a consumação do impeachment para cantar e se comportar como vitoriosos. Comparando a um jogo de futebol, terminado o primeiro tempo, o time que venceu já se considerou o vencedor da partida inteira, antes do fim do segundo tempo.

   É a esse espetáculo antidemocrático que assistimos todos os dias desde que o grupo golpista chegou ao Palácio do Planalto provisoriamente, por seis meses. No entanto, comportou-se, desde o início, como se chegasse para ficar seis anos.

   Em vez de respeitar, civilizadamente, o período de transição previsto na constituição lançou-se a, louca e caoticamente, desmontar e fundir ministérios, numa frenética corrida para demolir não só os três governos anteriores, do PT, mas tudo o que foi construído nos 30 anos do período democrático, lançando o país no caos e na desordem.

   Traiu não só a constituição, o PT, o governo Dilma, mas até o povo que saiu às ruas a favor do impeachment, frustrando as bandeiras que levantou. Não foi formado um ministério de notáveis, como se esperava, mas um ministério de réus e quase réus, protagonizado por deputados e senadores que lideraram as votações do impeachment, numa demonstração evidente, e sem pudor, de que se tratou de uma recompensa e não de nomeações por merecimento ou notório saber.

   Sob pretexto de fazer economia, foram eliminados todos os ministérios que defendiam minorias e movimentos sociais de uma penada só, sem dar qualquer satisfação à sociedade e seus respectivos programas.

   Tal como fazem todos os golpistas eles não acham que devam qualquer satisfação à sociedade, apenas fazem o que desejam e esperam não o consentimento, mas a submissão.

   Não deram nenhum sinal, nem tomaram qualquer iniciativa de combate à corrupção, traindo, mais uma vez, as ruas que os “legitimaram”, ao contrário, puseram abaixo o principal órgão de fiscalização dos ministérios, a CGU – Controladoria Geral da União. Não só não criticaram envolvidos em corrupção como os abrigaram no primeiro escalão do governo, sob o olhar de Pilatos do STF.

   Determinaram mudanças abruptas na economia, dobrando o déficit público e cortando direitos da maioria dos trabalhadores, sem nenhuma consulta popular, amparados apenas na maioria de dois terços que garantiu o golpe na Câmara e no Senado.

   O que assistimos nesses dias melancólicos é a continuação do tsunami que foi instaurado desde o primeiro dia.

   O segundo tempo do impeachment começou da mesma forma como ocorreu o primeiro. Corre-se contra o tempo. O direito de defesa é cerceado. O STF está ausente.

   A maioria dos senadores da comissão do impeachment não demonstra qualquer intenção de julgar com base em provas, mas pressa em condenar, pois seus votos já estão definidos, traindo suas próprias declarações do primeiro turno quando afirmaram que concordavam com a “admissibilidade” apenas e esperariam o julgamento para definir suas deliberações.

   Foi o que se viu na primeira e deprimente sessão, nas palavras e atitudes do presidente Raimundo Lira, do relator Antônio Anastasia e de senadores como Ronaldo Caiado, José Medeiros, Ana Amélia, Simone Tebet, todos unidos pela máxima do “quanto mais rápido, melhor” e não do “quanto mais justo, melhor”.

   São atitudes típicas de golpistas, de traidores e de fora-da-lei, não há dúvida. Eles querem diminuir prazos estabelecidos na constituição, consagrados por jurisprudência e impedem o livre exercício da defesa, traindo o juramento que fizeram ao assumir suas cadeiras, de cumprir a constituição.

   Dois membros da comissão se ausentaram. Romário abriu mão de sua vaga para uma substituta, não se sabe se voluntariamente ou pressionado pelo partido, pois tem se posicionado contrário às primeiras medidas e atitudes do governo, sinalizando que poderá mudar seu voto, se na votação em plenário não for obrigado a seguir a orientação partidária, de forma clara ou oculta, já que um dos integrantes do seu partido é ministro desse governo provisório e improvisado.

   Outro que não compareceu, e se mostra desconfortável com o andar da carruagem é Cristóvão Buarque, que migrou do PDT para o PPS para votar a favor da admissibilidade do impeachment, e agora indica que os golpistas não terão seu voto no segundo tempo. A conferir.

   Em outra frente, o governo Temer, cujos protagonistas, além do próprio, são Eduardo Cunha (que foi afastado da Câmara dos Deputados, mas continua mandando na Câmara e no governo) e Romero Jucá (que se afastou, mas não se afastou do ministério do Planejamento) confirma seu caráter fora-da-lei ao cercear os direitos da presidente afastada, garantidos pela constituição.

   Um inexistente ou oculto Ministério das Maldades controla quem entra e quem sai do Palácio da Alvorada, cortou a alimentação dos aproximadamente 30 funcionários e limitou ao mínimo as viagens da presidente que, embora afastada provisoriamente, ainda é a presidente constitucional e não pode viajar senão em aviões oficiais, por determinação da segurança.

   Temos uma situação esdrúxula: uma presidente que deseja ir ao encontro da população, mas é impedida; e um presidente a quem ninguém impede, mas que não pode ir ao encontro da população.

   A pressa do impeachment, o cerceamento da defesa, o cerceamento do direito de ir e vir da presidente revelam não só o caráter autoritário do governo interino, mas também medo.

   Golpistas não sabem conviver com a democracia, nem a democracia sabe conviver com eles.



Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão", "O domador de sonhos" e "Dragonfly" (lançamento setembro 2016).

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