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14/07/2013
Hipócrates e os hipócritas
Rodolpho Motta Lima
Creio que já era hora de atualizar os termos do juramento de
Hipócrates, proferido pelos médicos nas solenidades de formatura. Tendo
cumprido a sua missão em tempos idos, esse juramento, que pedia o
testemunho dos deuses gregos, pode e deve enfeixar outras “cláusulas”,
que não aquelas que compõem os seus termos tradicionais.
A presidenta Dilma comprou uma briga séria e relevante com a classe
médica do país, ao editar a medida provisória que, se aprovada, fará com
que, a partir de 2015, os estudantes que ingressem nos curso de
Medicina tenham que trabalhar, depois dos 6 anos regulamentares do
curso, mais dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS).
No mesmo conjunto de medidas voltadas para a área da saúde, a
presidenta também pretende a contratação de médicos estrangeiros para
cidades desprovidas de serviços adequados, depois de respeitada, nesse
caso, a prioridade para os profissionais brasileiros.
Quanto mais nos aproximarmos da época das eleições, mais a política e
os políticos, com sua feição maniqueísta, tenderão a analisar, segundo o
viés eleitoral, qualquer proposta que venha do Governo. Isso vale para
a oposição e também para os apoiadores. Qualquer medida sugerida por
Dilma – candidata natural à reeleição - terá que enfrentar, portanto, os
reacionários de plantão, os falsos defensores do povo, as raposas e
urubus de sempre. Até 2014, mais do que nunca, haverá confrontos entre
posicionamentos que privilegiam a busca da redução de desigualdades e os
que ainda anseiam pela manutenção de privilégios ancestrais. Sei que
muitos não gostam, trincam os dentes e enrugam a testa com a
classificação, mas é esse embate que caracteriza a esquerda e a
direita.
No caso dos médicos – que, no geral, compõem um segmento socialmente
privilegiado - é conhecida a sua tendência ao corporativismo. Essa
postura não é exclusiva da categoria e é claro que há figuras admiráveis
na Medicina, profissionais de competência inquestionável , ética
indiscutível e forte comprometimento social. Mas, no caso presente, não
me parecem aceitáveis muitas posturas dos órgãos representativos da
classe, de feição reacionária e egocêntrica, que, ás vezes, parecem
esquecer que, mais que os seus interesses particulares, estão em jogo
aspectos vinculados à saúde e à própria vida de vastos segmentos de
cidadãos desassistidos pelo Brasil afora.
O modelo defendido pelo Governo para os futuros formandos de Medicina
tem precedentes, por exemplo, na Inglaterra e na Suécia. E se é válido
naqueles países, de desníveis sociais bem menos significativos, muito
mais será no nosso, cuja população de baixa renda reclama por uma
atenção minimamente digna. Os dois anos de trabalho junto ao SUS
constituirão um oportuno reforço ao atendimento de que se necessita e,
mais do que isso, permitirão aos novos médicos um contato direto com os
problemas do segmento mais sofrido do povo. Um povo que, aliás, com seu
trabalho, também ajuda o Governo a patrocinar os nossos custosos cursos
de medicina, de que grande número de estudantes desfruta gratuitamente,
embora muitos pudessem até dispensar tal gratuidade... Penso que essa
será uma forma de retribuírem ao país e aos seus cidadãos os esforços
feitos para que possam se tornar médicos.
Por outro lado, é também dever do Governo tentar equilibrar essa
espantosa situação em que, só no município do Rio de Janeiro, o número
de médicos com consultórios em uma dezena de ruas da zona Sul é superior
ao número de localidades que, em nossa terra, não possuem um único
médico. O Brasil possui 700 cidades que não têm um médico sequer
residindo no município. Como não pode, infelizmente, obrigar os
profissionais a se deslocarem de suas zonas de conforto, Dilma acena com
um salário razoável e dá prioridade aos brasileiros para ocupar essas
lacunas. E, sabiamente, oferece a profissionais estrangeiros os lugares
não preenchidos.
Argumentam as entidades médicas com a ausência de estrutura nesses
locais que permitam ao médico fazer um bom trabalho. E , com relação aos
estrangeiros, questionam a sua capacidade e querem submetê-los ao
“Revalida” , um teste no qual, segundo dizem alguns, muitos médicos
brasileiros não passariam...
Tudo isso vale ser discutido, mas sem hipocrisia. Se uma comunidade
não tem sequer um médico, é melhor que tenha pelo menos um... E que, com
ele, venham também os suportes, que, aliás, o Governo admite suprir com
o programa proposto. O que não se pode é conviver com a precariedade
atual, questionada nas ruas do país. Outra alegação hipócrita tem a ver
com a capacidade dos médicos estrangeiros, particularmente os cubanos,
na alça de mira da turma da direita. Enquanto no Brasil a relação entre
médicos e 1000 habitantes é de 1,83, em Cuba ela chega a 6,72. Com
todas as dificuldades estruturais, a medicina cubana dá conta do recado
na ilha e é, realmente, referência planetária em algumas especialidades.
Entre as razões que justificam o sucesso cubano nesse aspecto está,
seguramente, a filosofia que privilegia a medicina preventiva, que faz
com que as famílias sejam permanentemente visitadas e assistidas por
profissionais integrados àquela comunidade. Um jeito humanizado de
reduzir custos com a saúde.
Rodolpho Motta Lima. Advogado
formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil)
e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado
pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de
Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente
no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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PITACO DO Contraponto PIG
Nenhum argumento pode ser maior do que a necessidade de pelo menos 1 médico em mais de duas mil cidades do Brasil.
Nada justifica a crítica contra a vontade verdadeirade se prover saúde básica a milhões de brasileiros que nunca na vida sequer tiveram a oportunidade de uma consulta médica.
Corporativismo e aversões ideológicas numa situação destas denotam mesquinhez e egoísmo.
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