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02/08/2013

 

Embargos apontam decisões que STF tomou contrariando provas

 

 Maria Inês Nassif

Teoricamente, o ônus da prova cabe ao acusador. No caso do julgamento do Mensalão, a fragilidade das acusações transferiu para os réus este ônus. Aqueles que apresentaram documentação capaz de provar suas inocências ainda tiveram que se deparar com outro problema: essas provas simplesmente ficaram perdidas nos volumes do inquérito e as mais importantes, ignoradas pelo relator. Os embargos de declaração sobre os quais o Supremo Tribunal Federal se debruçará a partir do dia 14 tratam disso: a divergência entre as provas apresentadas e a decisão da Corte, que condenou 25 réus às vésperas das eleições de 2012; e o excessivo rigor das penas, que não têm correspondência em decisões semelhantes do Supremo.

No caso de Henrique Pizzolato – acusado de ser o artífice do esquema de desvio de dinheiro da DNA Propaganda para o PT quando era o Diretor de Marketing do Banco do Brasil – existe uma distorção enorme das informações e provas colhidas junto à instituição financeira. No acórdão do julgamento da AP 470, a ação do chamado Mensalão, está registrado que “o primeiro repasse antecipado [do Banco do Brasil à Agência DNA], de R$ 23,3 milhões, ocorreu em 05 de março de 2003, momento em que o contrato da DNA Propaganda com o Banco do Brasil estava em período de prorrogação assinada exatamente pelo réu Henrique Pizzolato, o qual alegou ter seguido ‘firmemente as determinações superiores’”. E, citando auditoria do BB, afirma que os R$ 23,3 milhões foram um “adiantamento” concedido nesse período de prorrogação. E conclui que “para possibilitar a realização da transferência daquela vultuosa quantia, o acusado (Pizzolato) prorrogou o contrato da agência pouco antes de autorizar a primeira transferência de recursos”.

Em outro trecho do acórdão, Barbosa diz que “foi o acusado Henrique Pizzolato, no exercício de seu cargo, quem escolheu passar recursos milionários para a DNA Propaganda, agência que estava sob a sua supervisão direta, por expressa previsão contratual (cláusula 12.2), e cujo principal representante, Sr. Marcos Valério, o então diretor de Marketing do Banco do Brasil mantinha relações diretas”.

Nos autos do inquérito, dormem documentos que poderiam esclarecer o papel de Pizzolato no caso, no mínimo, deixar dúvidas consistentes sobre a afirmação de Barbosa. Se não pelo conteúdo, ao menos pelas datas. Na prática, o ministro relator da AP 470 considerou o ex-diretor responsável por atribuições que não eram suas, por um contrato que existia muito antes de chegar à diretoria de Marketing do BB – Pizzolato apenas assumiu em 17 de fevereiro de 2003 – e por uma prorrogação que foi assinada por ele, mas em decorrência de uma decisão tomada pela diretoria do banco antes que assumisse o cargo.

Segundo documentos em poder do STF, que constam do inquérito que resultou na AP 470, em 2005, quando Pizzolato foi denunciado como parte de um esquema de desvio de dinheiro público para o PT, três agências trabalhavam para o BB desde 2000, ano em que foi feita uma concorrência: a DNA, a Lowe e a Grottera. Em março de 2003, o BB prorrogou a concorrência pela terceira vez – como já havia feito em março de 2001 e março de 2002.

A tal cláusula 12.2 a qual Barbosa se refere como prova da responsabilidade de Pizzolato sobre a prorrogação do contrato da DNA – ele não toma conhecimento da prorrogação do contrato com as outras duas agências – diz que “a fiscalização dos serviços será realizada diretamente pela Diretoria de Marketing e Comunicação do Banco, ou por preposto devidamente credenciado”. Barbosa tomou a primeira informação – a de que o responsável era o diretor – e desconheceu a segunda, “ou preposto devidamente credenciado”, embora existam documentos suficientes que provam que o “preposto” se manteve o mesmo desde 1999, ou seja, desde o governo Fernando Henrique Cardoso: o gerente executivo Cláudio de Castro Vasconcelos, que simplesmente sumiu no inquérito do Mensalão. Um processo contra Vasconcelos corre na primeira instância, na 12ª. Vara de Brasília, com grandes chances de prescrever antes mesmo da conclusão do inquérito.

Cláudio de Castro Vasconcelos estava no mesmo cargo desde 1999. O processo de licitação que resultou na contratação das três agências ocorreu no ano 2000. Pizzolato assumiu a diretoria de Marketing em 2003.

 Segundo  auditoria interna do BB de 28 de fevereiro de 2007, Cláudio Vasconcelos foi o “responsável pelos fatos (...), como gerente-executivo encarregado do relacionamento com as agências de publicidade (...) e também como proponente e definidor, respectivamente, das Notas Técnicas [principais peças da acusação contra Pizzolato], como detentor de atribuições relacionadas à operacionalização do Fundo de Incentivo Visanet, no âmbito de sua gerência executiva, na Diretoria de Marketing e Comunicação”.  Nem a gestão financeira dos contratos esteve a cargo de Pizzolato, segundo a auditoria. “O funcionário [Cláudio Vasconcelos] , à época dos fatos, centralizava e controlava a recepção de notas fiscais de agências de publicidade envolvidas e com estas negociava as condições e formas de pagamento, às quais apresentava à Diretoria de Varejo para que o Gestor do Fundo as encaminhassem à Visanet para o respectivo pagamento”.

O banco, respondendo a perguntas formuladas pelo Tribunal de Contas da União, reitera: “O gerente-executivo de Publicidade e Propaganda ou seu substituto no cargo é o responsável pelo acompanhamento e fiscalização dos contratos com as agências de propaganda e publicidade” – e informa que, no período que vai a 07 de setembro de 1999 a 15 de julho de 2005, Cláudio de Castro Vasconcelos ocupou esta função.

O calendário segue contra as conclusões de Barbosa. A concorrência das agências de publicidade do BB foi assinada em 22 de marco de 2000 pelo então diretor de Marketing, Luiz Belineti Naegele. A primeira prorrogação dos contratos aconteceu em 22 de março de 2001 e foi assinada também por Naegele. A segunda, tem a assinatura de Vasconcelos e data de 22 de março de 2002. Somente a terceira foi assinada por Pizzolato, em 22 de março de 2003, ou seja, pouco mais de um mês após ter assumido o cargo.

Antes que o único condenado pelos fatos tivesse chegado ao BB, todavia, todos os trâmites burocráticos para prorrogar os contratos – e com isso repassar “vultuosas quantias” à DNA, segundo Barbosa – já haviam acontecido.

Está também nos autos do processo a Nota DIMAC nº 2003/0401, de 4 de fevereiro de 2003 (anterior, portanto, à posse de Pizzolato, que só ocorreu13 dias depois), onde o gerente-executivo Cláudio Vasconcelos propõe “prorrogar por seis meses o contrato de prestação de serviços de propaganda, promoção e comunicação interna  partir de 22 de setembro de 2003”. A proposta é aprovada pelo Comitê DIMAC (e assinada pelo diretor de Marketing anterior a Pizzolato, Renato Naeggele; e por Cláudio) e pelo Conselho Diretor (o presidente do banco do Brasil à época, Cássio Casseb, e sete vice-presidentes da instituição). Nenhuma das pessoas que aprovaram a prorrogação dos contratos por mais seis meses foi citada na ação, exceto Pizzolato, condenado por isso.

Para assinar a prorrogação por mais seis meses – segundo a Nota DIMAC, apenas o tempo para que se fizesse nova licitação – Pizzolato pediu, antes, um parecer do departamento jurídico do BB. A Nota DIJUR-CONJUR 1283 disse que não existiam obstáculos legais a isso.

 Segundo o Livro de Instruções Codificadas (LIC) do BB, que define a situação funcional dos quadros da instituição, nem a competência de nomear ou manter no cargo Cláudio Vasconcelos era da alçada de Pizzolato. Os diretores-executivos eram escolhidos pelo presidente da instituição e estavam diretamente subordinados a ele. Isto é: Cláudio Vasconcelos não era subordinado de Pizzolato e respondia pelos seus atos diretamente ao presidente da instituição. Tinha autonomia funcional no departamento em que atuava. As regras definidas no LIC foram devidamente documentadas no inquérito.