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26/08/2013
Por que cotas nas universidades são vitais
Meritocracia é reconhecer que as oportunidades são extremamente desiguais no Brasil de hoje.
O texto abaixo, de Mara Gomes , foi publicado no site Blogueiras Negras
“O não-racista não é aquele que ‘não tem nada contra negros’. O racista é aquele que não faz nada pra substituir, pra combater o processo de exclusão existente na sociedade. Porque ele está se beneficiando dos privilégios de uma sociedade racista, está se silenciando e se acomodando nesses privilégios, portanto está negando a mim e aos meus filhos a possibilidade de vivermos em uma sociedade justa e igualitária. Esse é o racista.”
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José Carlos Gomes dos Anjos – Dr. em Antropologia da UFRGS
As questões que estão sempre sendo apresentadas quando a discussão é sobre cotas raciais frequentemente são: a meritocracia, a suposta vitimização do negro e, não se escapando também, a questão sobre o nível de qualidade da universidade, se ele mudaria, ou não, devido às cotas.
Então vamos falar um pouquinho sobre essas questões e enegrecê-las, tanto melhor quanto esclarecê-las.
Meritocracia é uma palavra que vem do latim mereo que significa merecer, logo é uma forma de política baseada no mérito.
No dicionário se diz assim: “As posições hierárquicas são conquistadas, em tese, com base no merecimento e há uma predominância de valores associados à educação e à competência.”
Mas para a meritocracia ser válida em uma sociedade essa precisa ser totalmente democrática em seus direitos e deveres com o cidadão, ou seja, devem ser também totais as oportunidades entre todos os indivíduos.
Todavia isso não é o que acontece no Brasil e está bem longe de acontecer um dia. Um crédulo pode dizer: “Não, mas as escolas são para todo mundo! Temos todos os mesmos direitos e blá, blá, blá… “
Todavia essa tese se destrói automaticamente quando sabemos que somos separados por classes sociais, existem pobres e ricos, escolas particulares e escolas públicas, e consequentemente também somos separados entre negros, brancos, índios e etc.
Essas separações limitam, criam e deixam de criar oportunidades diversas. Mais complexo que isso, por sermos fragmentados em diversas categorias cada categoria traz o seu encargo de oportunidades, sua identidade social que não é somente a que eu crio pra mim, mas sim como o outro e o coletivo me vêem.
Acredito que não é preciso explicar as diferenças sociais que se implicam entre ser um negro pobre nascido em uma favela e um branco, classe média criado em um bairro “comum”, não é?
Pois isso já está aí na nossa frente, o racismo é algo institucional o que significa que ele está em todos os modos de vida e estruturas estatais e, isso inclui, com toda a certeza, a escola e a universidade.
Tanto camuflado ou não camuflado, leve ou forte, ele existe e nos atinge de modos parecidos e com frequência constante. O nível da universidade, esse não decai, foi comprovado que os cotistas têm desempenho melhor do que os não cotistas. Não sou eu que falo, são as estatísticas.
Com isso se conclui que não podemos discutir meritocracia em nível de vestibular se esses alunos chegam até o ensino médio passando por diferentes oportunidades de conhecimento: diferentes escolas, professores com melhores ou piores capacitações e por fim, não menos importante, diferentes histórias de vida.
Isso já destrói a tese de vitimização do negro, dizer que o negro se faz de vítima para ganhar melhores oportunidades, como isso é possível?
Se as oportunidades anteriormente nunca foram iguais, o negro não se vitimiza, ele já é feito vitima natural do sistema contra a sua vontade.
Em 2007 as cotas raciais foram implantadas na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), na qual curso Psicologia.
Neste mesmo ano na parede do prédio de Direito foi pixada a frase: “Negro só se for na Cozinha do R.U., cotas não!”
Eu estava no terceiro ano do ensino médio e lembro até hoje do sentimento de inferioridade e de dor que aquelas palavras me fizeram sentir.
Negra, estagiária, completamente desconhecida sobre como iria fazer para entrar na universidade, sem preparo algum, sem dinheiro para pagar um cursinho e, ainda por cima, extremamente atrasada comparada a todos os meus concorrentes.
Já parou para imaginar quantos adolescentes negros não passam pela mesma situação diariamente? Daí você me diz: brancos também passam por isso, existe branco na favela, existe branco em escola pública.
Eu rebato lembrando que não estamos falando de exceção aqui, mas sim de regra. Existem mais 50% de negros no Brasil e mais da metade deles está na favela. Todos, sem exceção alguma, já sofreu ou sofre racismo.
As cotas são ações afirmativas que chegam para melhorar essa situação, dar uma oportunidade para um grande número de pessoas oprimidas e para, de certo modo, pagar uma gigantesca dívida social resultante da escravatura.
Para enegrecer/esclarecer mais a situação, entre em uma faculdade e me diga: quantos negros você vê? Ensinando ou estudando, daí compare esse número com os negros na cozinha do R.U (Restaurante Universitário), negros limpando os banheiros, cuidando da segurança e etc.
Na minha faculdade existem muitos negros, mas só tenho quatro colegas negros na sala de aula, isso em uma turma de mais de quarenta alunos. Onde estão os negros no ambiente acadêmico? Sim, eles estão, em sua maioria, ainda na cozinha, porém esse não é o lugar deles, não é onde devem ficar com dizia a frase no muro da Faculdade de Direito da UFRGS.
Se você é uma das pessoas de classe média vinda de uma escola particular que ainda acredita que as cotas são desnecessárias, sinto muito, mas tenho pena da situação em que você se encontra.
Também tenho quase certeza que você provavelmente está em uma situação de privilégio e de ignorância cega, mas não reconhece.
Logo faça o melhor para todos nós cotistas, não oprima falando de meritocracia ou injustiça e que perdeu a vaga injustamente para um de nós, porque o cotista é alguém que estudou tanto quanto você para passar no vestibular.
Você não é o oprimido nessa história, você é e sempre será o privilegiado.
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