sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Contraponto 11.987 - "Muito Barulho por Nada?"

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16/08/2016

  "Muito Barulho por Nada?" 

 

Do Facebook - 16/08/2013

 

   "Muito Barulho por Nada? Agora é oficial: houve pelo menos um erro judicial na primeira fase do julgamento da AP 470 - este é o pano de fundo da lamentável discussão de ontem"


por Maurício Muriack de Fernandes e Peixoto

 
 Lendo hoje os jornais começo a entender porque ocorreu a aparente desproporção da atitude de Joaquim Barbosa ontem.

    No fundo, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski já estavam discutindo o destino de José Dirceu.


    Concordo com o analista abaixo (Paulo Moreira Leite) quando fala sobre o comportamento irascível de Joaquim Barbosa: o problema vai além de educação, cerceia o próprio debate jurídico, inclusive, de temas relevantes como a anterioridade penal (não há pena sem prévia cominação legal) e o momento de ocorrência dos tipos penais corrupção passiva e corrupção ativa - artigos 316 e 317 do Código Penal em vigor.

    Transcrevo este trecho do epigrafado jornalista:

    "Em qualquer caso, não é uma questão de boas maneiras, vamos esclarecer.
    O problema não é pessoal, não é de boa educação, de reverências nem de mesuras.


    É um problema jurídico. Qualquer que seja sua motivação, as reações de Joaquim têm um componente autoritário que atrapalha o debate. Passou a hora de dizer que o presidente errava na forma mas acertava no conteúdo, como procuravam argumentar, em tom compreensivo, sem disfarçar um certo paternalismo, determinados comentaristas.


    Suas atitudes mudam o conteúdo do julgamento. Sufocam argumentos divergentes. Impedem o contraditório. Não permitem o exame sereno de argumentos, de provas e alegações. Distorcem aquilo que se diz e aquilo que se ouve. Intimidam." (ver o primeiro link abaixo).

    Logo, o texto abaixo afirma que a específica verborragia (de ontem) iniciada por Joaquim Barbosa está relacionada também a outros réus, inclusive José Dirceu.

    Ora, na discussão de ontem sobre o Bispo Rodrigues, o argumento é de que o tipo penal "corrupção passiva" é múltiplo (tem vários núvleos autônomos e suficientes para caracterizar a infração, como "solicitar" e receber"), e o Bispo Rodrigues não teria feito acordo mas "recebido" propina depois da nova lei que aumentou a pena, lei esta "ironicamente" de 2003, já no governo do Ex-Presidente Lula, cujo mérito de aumentar a pena deste crime é inegável.

    Por isso, os Ministros Celso de Mello e Luís Fux insistiram que sua pena deveria ser mantida tal como julgado na primeira fase do julgamento, pois o Bispo Rodrigues não teria participado dos acordos, e, neste caso, doutrina e jurisprudência, inclusive do STF, seriam uníssonas: o recebimento do pagamento não seria mero exaurimento do crime, que não se aperfeiçoaria com o acordo, anterior, no caso específico de Rodrigues, sendo autônomo o tipo penal "recebimento" do tipo penal "solicitar".

    Ainda, outra dúvida fático-jurídica no caso específico de Rodrigues é se o recebimento teria sido antes ou depois da nova lei, de novembro de 2003, e ainda, se houve um ou dois pagamentos, e quando ocorreu o primeiro pagamento, que corresponderia a uma primeira parcela, sendo a eventual segunda parcela mero "exaurimento" do primeiro pagamento, e se o eventual primeiro pagamento ocorreu antes da nova lei, deveria ser aplicada a antiga lei, de penas mais brandas, porque a lei penal não poderia retroagir para prejudicar o réu.

    Observem que a discussão era técnico-jurídica e relevante sim.

    Sublinhe-se, ainda, que a decisão do STF sobre este ponto criará "precedente judicial" sobre o assunto e orientará o Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e juízes estaduais e federais que atuam no campo penal e têm decerto dezenas ou centenas de processos judiciais nos quais o momento de ocorrência da corrupção ativa ou passiva levaria ou não à aplicação da nova lei de novembro de 2003, com penas mais exacerbadas.

    Nesse sentido, as intervenções do Ministro Ricardo Lewandowski não me pareceu uma "chicana", tanto que o Ministro Celso de Mello, o respeitável decano do STF, que votou quase sempre acompanhando o Ministro Relator no primeiro julgamento, disse que era sim um tema que merecia "ponderação", pois era um tema importante.

    Neste ponto que Joaquim Barbosa estrilou, e, na mina singela opinião, tratou de forma descortês o Ministro Celso de Mello e de maneira quase-injuriosa o Ministro Ricardo Lewandowski.

    Acho que ele está sendo coerente com sua postura de julgador "implacável": ele não quer de jeito nenhum ver qualquer tipo de "benefício" para nenhum réu da ação, mormente, em um tema cuja rediscussão levaria a mudanças para baixo na dosimetria de vários réus, inclusive, de José Dirceu, evidentemente, o réu que tinha o cargo mais alto no Poder Executivo de todos os réus do mensalão, pois era o Ministro Chefe da Casa Civil até 2005.

    Aqui, um parênteses que não se aplica a princípio ao Ministro Joaquim Barbosa: uma prisão efetiva de Dirceu, com fotos algemados, etc, teria evidente repercussão midiática e política, é óbvio.

    Por isso, manter o "regime fechado" de sua pena é primordial para alguns setores políticos, que obviamente estão torcendo por isso. È legítimo que o façam, pois não são julgadores e não têm dever legal e ético de uma postura imparcial para aplicar a justiça, que é diferente de "justiçamento".

    Para alguns, não bastaria condenar penalmente José Dirceu, ter-se-ia que algemá-lo e trancafiá-lo para abafar o "rumor de algumas ruas" à direita do país. Só condená-lo talvez seja "pouco" para alguns, esta é a verdade. Haveria um "clamor popular" por um certo tipo de "justiça" sob a luz dos holofotes da batalha nacional contra a corrupção, este mal tão antigo do país, como muito bem nos lembrou esta semana o Ministro Roberto Barroso. Fecha parênteses.

    Especificamente, no caso de Dirceu, que não responde por corrupção passiva (não foi sequer acusado de ter recebido dinheiro do mensalão e nem teve saques em seu nome ou a si direcionados), mas foi condenado por corrupção "ativa", pois teria sido o chefe da "quadrilha de mensaleiros" - para usar a expressão mais utilizada pela parte da imprensa menos simpatizante a ele -, se o acordo foi feito antes da alteração da lei, em novembro de 2003, sua dosimetria deveria ter se dado com a lei anterior, cujas penas mínimas e máximas são bem menores, e, independente da acusação do crime de quadrilha (no qual foi condenado por maioria de seis a quatro e pode ser objeto de embargos infringentes, cuja admissibilidade ainda será decidida pelo STF em breve), que é objeto de outro recurso, sua pena poderia ser diminuída ao ponto de se livrar do regime fechado inicial.

    Neste ponto, portanto, reside a grande comoção do "bate boca" de ontem.

    Ora, com efeito, se o STF decidir que a pena do Bispo Rodrigues deve ser revista por erro no uso do tipo penal que estava em vigor na época da ocorrência do núcleo típico, a conduta normal seria estender o mesmo tratamento a todos os demais acusados de corrupção que responderam pela lei mais nova e teriam suposto direito a responder pela lei velha.

    Essa questão toda é um debate jurídico, tenho de sublinhar, mas que tem evidentes repercussões políticas.

    Esta ação é penal, mas seu teor político é curial.

    Antes do mensalão, o entendimento do STF sempre foi o de que o aperfeiçoamento do núcleo típico não se estenderia por posteriores atos de execução criminosa que apenas "exaurissem" a conduta típica já realizada.


    Por exemplo: no HC 82965/RN - RIO GRANDE DO NORTE, o STF decidiu que "É crime instantâneo de efeitos permanentes o chamado estelionato contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal) e, como tal, consuma-se ao recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva" (ou seja, recebimentos posteriores de outras parcelas produtos do crime apenas seriam exaurimento da conduta anterior de fraudar, que já ocorrera).

    Em suma, ontem, em seu voto, o Ministro Revisor chegou a citar Bitencourt e outros insignes doutrinadores para sedimentar que o recebimento a posteriori de um acordo anterior nos crimes de corrupção ativa e passiva não renova o momento do crime, apenas o exaure, pois o crime já fora perpetrado. E no caso específico de José Dirceu, esta discussão nem altera sua situação, pois curialmente não há prova de que tenha recebido recursos do mensalão depois de novembro de 2003, tanto que está respondendo por corrupção ativa, e não passiva, e, sendo o "acordo" de recebimento o momento do crime, para Dirceu, a lei penal aplicável seria a anterior a novembro de 2003. Tudo isso estou escrevendo com os dados do primeiro julgamento e que têm sido publicados na imprensa, desconheço se há outros aspectos fáticos ou documentais que levassem a ter outra conclusão jurídica. Em tese, poderia haver outros dados e documentos que comprovassem que a conduta típica de José Dirceu foi posterior a novembro de 2003.

    Acho que no fundo Joaquim Barbosa não gostaria nem mesmo de ter de rediscutir isso, nem para Bispo Rodrigues e nem para José Dirceu e nem para nenhum réu.

    No entanto, o STF não é apenas Joaquim Barbosa, e se realmente existem dúvidas sobre o momento de ocorrência dos crimes, isso deve ser re-avaliado.

    Observem que esta discussão em nada altera a seguinte conclusão já adotada pelo STF no primeiro julgamento, relativa ao item VI da denúncia do Procurador-Geral da República:

    "1. Conjunto probatório harmonioso que, evidenciando a sincronia das ações de corruptos e corruptores no mesmo sentido da prática criminosa comum, conduz à comprovação do amplo esquema de distribuição de dinheiro a parlamentares, os quais, em troca, ofereceram seu apoio e o de seus correligionários aos projetos de interesse do Governo Federal na Câmara dos Deputados. 

2. A alegação de que os milionários recursos distribuídos a parlamentares teriam relação com dívidas de campanha é inócua, pois a eventual destinação dada ao dinheiro não tem relevância para a caracterização da conduta típica nos crimes de corrupção passiva e ativa. Os parlamentares receberam o dinheiro em razão da função, em esquema que viabilizou o pagamento e o recebimento de vantagem indevida, tendo em vista a prática de atos de ofício. 
3. Dentre as provas e indícios que, em conjunto, conduziram ao juízo condenatório, destacam-se as várias reuniões mantidas entre os corréus no período dos fatos criminosos, associadas a datas de tomadas de empréstimos fraudulentos junto a instituições financeiras cujos dirigentes, a seu turno, reuniram-se com o organizador do esquema; a participação, nessas reuniões, do então Ministro-Chefe da Casa Civil, do publicitário encarregado de proceder à distribuição dos recursos e do tesoureiro do partido político executor das ordens de pagamento aos parlamentares corrompidos; os concomitantes repasses de dinheiro em espécie para esses parlamentares corrompidos, mediante atuação direta do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e dos publicitários que, à época, foram contratados por órgãos e entidades públicas federais, dali desviando recursos que permitiram o abastecimento do esquema; existência de dezenas de “recibos”, meramente informais e destinados ao uso interno da quadrilha, por meio dos quais se logrou verificar a verdadeira destinação (pagamento de propina a parlamentares) do dinheiro sacado em espécie das contas bancárias das agências de publicidade envolvidas; declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso da ação penal, do inquérito e da chamada “CPMI dos Correios”; tudo isso, ao formar um sólido contexto fático-probatório, descrito no voto condutor, compõe o acervo de provas e indícios que, somados, revelaram, além de qualquer dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva. Ficaram, ainda, devidamente evidenciadas e individualizadas as funções desempenhadas por cada corréu na divisão de tarefas estabelecida pelo esquema criminoso, o que permitiu que se apontasse a responsabilidade de cada um. 
4. A organização e o controle das atividades criminosas foram exercidos pelo então Ministro-Chefe da Casa Civil, responsável pela articulação política e pelas relações do Governo com os parlamentares. Conluio entre o organizador do esquema criminoso e o então Tesoureiro de seu partido; os três publicitários que ofereceram a estrutura empresarial por eles controlada para servir de central de distribuição de dinheiro aos parlamentares corrompidos, inclusive com a participação intensa da Diretora Financeira de uma das agências de publicidade. Atuação, nas negociações dos repasses de dinheiro para parte dos parlamentares corrompidos, do então Presidente do partido político que ocupava a chefia do Poder Executivo Federal (subitens VI.1 e VI.3). Atuação, ainda, do advogado das empresas de publicidade, que também pagou vantagens indevidas para parte dos parlamentares corrompidos (subitem VI.1)".

    Observem que a alteração de momento de ocorrência do crime não altera a conclusão anterior do STF, acima exposta, de que o crime "existiu" e estaria bastantemente "comprovado".

    Por tudo isso, causa espécie que o Ministro Joaquim Barbosa e alguns setores da mídia tradicional estejam fazendo tanto barulho, como se o regime fechado para alguns réus devesse ocorrer mesmo ao pálio da eventual manutenção de supostos erros procedimentais do primeiro julgamento, que estaria a ser transformado em "cláusula pétrea".

    Parece muito barulho por nada, a não ser que o componente "justiçamento político" seja mais relevante que a aplicação serena da ordem jurídica em vigor.

    Na quarta-feira, dia 14 de agosto de 2013, por iniciativa do novo Ministro Roberto Barroso e contra a opinião inicial de Joaquim Barbosa, o STF não conheceu embargos de declaração, mas concedeu habeas corpus de ofício para um outro réu, ao reconhecer que houvera erro no julgamento anterior, simplesmente o absolvendo da imputação de crime de quadrilha que havia sido mantida erradamente no primeiro julgamento.

    A muitos escapou que foi aberto um precedente importante no julgamento da AP 470: agora "é oficial", houve pelo menos um erro judicial no primeiro julgamento, e a correção de eventuais outros erros é relevante para o Estado Democrático de Direito, negar isso é transformar justiça em "justiçamento" e pressa condenatória em erro judicial, algo tão lamentável como a corrupção que está sendo julgada tão detalhadamente neste caso.

    No fundo, esse era o pano de fundo da discussão ontem que envolveu principalmente Joaquim Barbosa, Celso de Mello (este estranhamente omitido pela maioria dos analistas da mídia tradicional) e Lewandowski, o qual, diga-se de passagem, não alterou sua voz e nem agrediu verbalmente o Ministro Presidente e relator da AP 470, se cingindo a se defender de suas imputações oras, ao vivo e em público.

    Razão tem o Ministro Marco Aurélio: a altercação de Barbosa com Lewandovisck arranha a credibilidade do STF, mas se sublinhe algo: ficou claro quem perdeu a esportiva e a urbanidade, justamente o Ministro que deveria estar conduzindo os trabalhos com serenidade, na condição de Presidente do Sodalício Maior de nosso país.

    Talvez o correto seria Barbosa passar a Presidência do STF ao Ministro Decano no julgamento específico dos demais embargos de declaração e infringentes da AP 470, até porque não pegaria bem passar a condução dos trabalhos a seu vice-presidente depois desta primeira contenda, tão desproporcional em sua aparência mais externa.

    È comum o Presidente de um órgão judicial repassar a presidência momentaneamente a algum de seus pares, quando vai relatar um julgamento. Isso já ocorreu no STF, no STJ, etc.

    Aí ele poderia ser apenas o Ministro Joaquim Barbosa, o Ministro Relator, com o seu estilo já conhecido por todos e admirado por alguns, não por todos.

    E o STF poderia concluir o julgamento em clima decerto mais ameno, conduzido por um Ministro, Celso de Mello, que está acima de qualquer acusação de pendores de rigor ou lassidão, face seu histórico de quase 25 anos na Suprema Corte.

    Será lamentável se o Ministro Barbosa voltar a repetir sua conduta de ontem, que surpreendeu a todos, pois no dia anterior e anteriormente à sua explosão, durante o julgamento dos embargos na AP 470, se comportara dignamente na função de presidente da Suprema Corte.

    È hora de esfriar os ânimos e de se aplicar as normas do ordenamento jurídico em vigor, apenas e tão-somente isso.

    È isso que se espera legitimamente de todos os nossos Ministros da Suprema Corte, que é um espelho do país e para os brasileiros.

    PS: Abaixo, o link das bem lançadas críticas do Jornalista Paulo Moreira Leite sobre o tema e outros links interessantes sobre o assunto, de jornalistas que têm opinião diferente de Paulo Moreira Leite. 

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/319407_A+VERDADEIRA+CHICANA
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/111825/Erro-crasso-motivou-acesso-de-f%C3%BAria-de-Barbosa.htm

 
Maurício Muriack de Fernandes e Peixoto - Professor licenciado de Direito Constitucional da Unesc- Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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