Os médicos cubanos na visão de um inglês que vive no Brasil
Do Tijolaço - 03/12/2013
Médica cubana Dania Rosa Alvero Pez posa para uma foto na rua, perto do centro de saúde onde trabalha, na cidade de Jiquitaia, Bahia (Reuters / Ueslei Marcelino)
Fernando Brito
Correspondente da Agência Reuters no Brasil dá “um banho” em muitos repórteres brasileiros que cobrem a atuação dos médicos cubanos no país
Médica cubana Dania Rosa Alvero Pez posa para
uma foto na rua, perto do centro de saúde onde trabalha, na cidade de
Jiquitaia, Bahia (Reuters / Ueslei Marcelino)
Boadle, simplesmente, ouve o que as pessoas têm a dizer, em lugar de procurar dirigir o que dizem.
Ouve as pessoas simples e consegue transmitir o que elas sentem. Não confunde ser imparcial com ser ranzinza ou advogado do diabo. Está ali para ver e descrever situações, não para arranjar defeitos ou fazer propaganda.
Ouve quem é contra, ouve quem se beneficia.
Fala, é claro, dos efeitos políticos que o programa traz para Dilma, mas isso é mostrado como uma consequência, não um objetivo sórdido.
Vale a pena ler. Quem quiser, tem aqui o texto em inglês.
É bom trabalho profissional, é bom conhecer a realidade.
Confira a íntegra da reportagem abaixo.
Médicos cubanos atendem aos pobres do Brasil e dão impulso a Dilma
Anthony Boadle
JIQUITAIA, Bahia, 2 Dez (Reuters) – Eles
foram vaiados e chamados de escravos de um Estado comunista assim que
desembarcaram no Brasil, mas nos cantos mais pobres do país a chegada de
5.400 médicos cubanos está sendo saudada como uma benção.
O programa para preencher lacunas no
sistema nacional de saúde com médicos estrangeiros, principalmente de
Cuba, pode se tornar um grande catalisador de votos para a presidente
Dilma Rousseff agora que ela se prepara para disputar um segundo mandato
na eleição do ano que vem, apesar da feroz oposição da classe médica
nacional.
A decisão de usar o programa cubano
de exportação de médicos, iniciado pelo ex-líder Fidel Castro, se tornou
uma prioridade depois que protestos de massa contra a corrupção e a má
qualidade dos serviços públicos de transporte, educação e saúde tomaram
as ruas de várias cidades do país em junho.
Poucas semanas depois, Dilma lançou o
“Mais Médicos”, programa de contratação de médicos brasileiros e
estrangeiros para regiões remotas do país e periferias de áreas
metropolitanas.
O governo federal assinou um contrato
de três anos para trazer milhares de médicos cubanos para trabalhar
nessas áreas onde os profissionais brasileiros preferem não atuar.
Com base em um acordo que renderá
cerca de 225 milhões de dólares por ano a Cuba, onde o governo precisa
de dinheiro, médicos cubanos estão sendo enviados a postos de saúde em
comunidades de várias cidades brasileiras e em vilarejos do Nordeste
castigados pelas secas, áreas que carecem de médicos residentes.
O Estado da Bahia está reabrindo centros de saúde em áreas rurais, fechados por falta de funcionários.
Moradores de Jiquitaia, um povoado do
interior cercado por cactos, bodes e gado esfomeado, não precisam mais
viajar 46 quilômetros em estrada de chão para consultar um médico.
“Foi uma benção de Deus”, disse o
agricultor Deusdete Bispo Pereira, depois de ser examinado por dores no
peito pela médica Dania Alvero, de Santa Clara, Cuba. “Mudou 100 por
cento. Todo mundo está gostando. A gente tem medo que vão embora”, disse
ele.
Idosos e mulheres grávidas lotavam o
centro de saúde da família esperando ser examinados por Dania, que é
especializada em medicina preventiva, como a maioria dos médicos
cubanos.
“Há doenças aqui das quais eu só lia
em livros, como a lepra (hanseníase), que já não existe mais em Cuba”,
disse ela, mesclando palavras em espanhol e português.
MÉDICOS DE ALUGUEL
Há décadas, Cuba começou a enviar
médicos ao exterior para ajudar países em desenvolvimento por motivos
ideológicos, como disciplinados soldados revolucionários mandados por
Fidel ao tabuleiro de xadrez da Guerra Fria, da Argélia e Etiópia a
Angola e Nicarágua.
Com o país mergulhado em uma crise
econômica depois do colapso da União Soviética, Fidel concebeu um
esquema de médicos-por-petróleo com o falecido presidente venezuelano
Hugo Chávez, em 2000.
Mesmo com a maior parte da renda indo
para o governo de Cuba, os médicos cubanos adoram ir para fora porque
podem ganhar muito mais do que recebem em casa, onde o salário máximo de
um médico equivale a 50 dólares por mês.
“Nós não ganhamos muito, mas não
estamos aqui pelo dinheiro. Estamos aqui para ajudar nosso país, que é
pobre”, disse Lisset Brown, que trabalha em um posto de saúde da
localidade de Ceilândia, o maior bairro na periferia de Brasília.
A chegada de 12 médicos cubanos
aliviou o trabalho do sobrecarregado hospital de Ceilândia e melhorou a
credibilidade do sistema público de saúde, disse a enfermeira brasileira
Tânia Ribeiro Mendonça. “A população vê com bons olhos que o governo
está tentando uma melhoria na atenção médica.”
INSATISFAÇÃO DOS MÉDICOS
Inicialmente, os médicos brasileiros
tentaram impedir a chegada dos colegas estrangeiros, vistos como uma
tentativa de minar seus interesses profissionais e padrões médicos.
Quando um primeiro contingente de
cubanos desembarcou no aeroporto de Fortaleza, em agosto, médicos
brasileiros revoltados gritaram “Escravos!” para eles.
Mas eles tiveram de abaixar o tom de
suas críticas porque as pesquisas de opinião mostram que a vasta maioria
dos brasileiros é a favor da contratação de estrangeiros quando não
houver médicos locais disponíveis, mesmo que permaneçam dúvidas sobre as
qualificações dos cubanos.
“Nós não somos contra a vinda de
médicos de fora para trabalhar aqui. Podem vir da Rússia, Inglaterra,
Cuba ou Bolívia. O que nós defendemos é que médicos formados fora devem
ser avaliados para trabalhar no Brasil. O governo não está fazendo
isso”, disse o presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino
Cardoso.
Cirurgião oncológico, Cardoso se
queixa de que Dilma “procurou demonizar” os médicos brasileiros ao
associá-los com as muitas deficiências do sistema nacional de saúde.
Levar mais médicos para áreas periféricas, disse ele, não vai acabar com
as filas nos serviços médicos deficitários nas cidades.
ELEIÇÕES DE 2014
Com pouco mais de quatro meses de
lançamento, o Mais Médicos está ganhando oportunos elogios políticos
para Dilma, que pode apontar o programa como um exemplo de sua rápida
resposta aos protestos populares de junho.
“Este é um grande plus para a
reeleição dela. As pesquisas mostram que há uma elevada taxa de
aprovação ao programa”, disse o professor de Política David Fleischer,
da Universidade de Brasília.
No Nordeste, médicos cubanos estão de fato ganhando os corações e votos para Dilma.
“Eles têm carisma e humildade e olham
nos olhos da gente na consulta, o médico brasileiro não”, disse Angelo
Ricardo, que levava o pai idoso a um centro de saúde na cidade baiana de
Remanso. “A população carente no Brasil está precisando disto,
preocupação na vida do paciente. Eu voto nela, sem dúvida.”
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