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Prisões de Marcelo Odebrecht e de presidente da empreiteira Andrade Gutierrez ameaçam gerar um efeito destruidor sobre economia brasileira

Com as prisões de hoje, a Operação Lava Jato não entrou em sua 14a. fase, como foi anunciado em Curitiba.

Entrou numa etapa em que uma ação judicial ultrapassa a fronteira do que é legítimo e razoável para assumir a fisionomia de uma operação abertamente política, capaz de destruir parcelas ainda saudáveis da economia, agravando todos os sacrifícios que tem sido feitos — e serão feitos — pela população nos próximos meses. As prisões e mandados criam uma situação desnecessária de incerteza e insegurança num país que quer trabalhar em paz, progredir e construir uma vida melhor. Habituada a justificar as centenas de prisões preventivas com o argumento de que é preciso preservar a “ordem pública,” a partir de hoje a Lava Jato tornou-se definitivamente uma ameaça a ordem pública.

Como décadas atrás explicou Louis Brandeis, um dos mais brilhantes integrantes da Suprema Corte dos Estados Unidos, o que se promove com esse comportamento é a baderna:
— Nosso governo é o mestre poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal ensina todo povo pelo seu exemplo. Se o governo torna-se infrator da lei, cria ele próprio o desrespeito a mesma, incita cada um a tornar-se a própria lei e portando, à anarquia.

Marcelo Odebrecht, herdeiro e principal executivo do grupo do mesmo nome, e Octavio Azevedo, principal executivo da Andrade Gutierrez, não têm importância apenas como pessoas físicas, que devem ser respeitadas em seus direitos e garantias. Também tem importância como pessoas jurídicas. Por mais que executivos que dirigem grandes empresas possam ser acusadas de cometer toda série de atos ilícitos que marcam a política brasileira — atos que devem ser investigados e punidos de forma responsável e isenta — as companhias fazem parte da história do país. Ajudaram a construir a sétima economia do mundo. Respondem por centenas de milhares de empregos. Estão presentes em mercados importantes da economia global. Sua prisão é um péssimo sinal interno e externo. Ajuda a enfraquecer o país e pode contribuir, especialmente, para piorar as condições de vida da população.

As prisões ocorrem dias depois que, num recorde de descontração, um delegado da Polícia Federal afirmou que “muito provavelmente” o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será submetido a uma investigação. Assim, como hipótese.

Impossível deixar de associar as prisões desta manhã à campanha da força tarefa do Ministério Público, com o indispensável respaldo do juiz Sergio Moro, para impedir que o país encontre uma saída racional para a crise aberta pelas denúncias da Lava Jato.

Estamos falando dos acordos de leniência,que representam uma solução lúcida para a situação de ruína em que várias empresas se encontram. O que se pretende, basicamente, é assegurar a punição de quem for considerado culpado de crimes de corrupção, mas preservar o patrimônio das empresas. 

Não é uma invenção brasileira. Foi empregada na Alemanha, quando se investigaram as denuncias recentes contra a Siemens — que só não foram investigadas no Brasil, embora não faltassem indícios imensos em vários governos estaduais. Também foi empregado nos Estados Unidos. Na reconstrução alemã, após o pesadelo nazista, os dirigentes de empresas foram julgados e condenados. As companhias foram poupadas. Isso explica, por exemplo, por que a Volkswagen, nascida de uma campanha de Adolf Hitler para construção de um carro popular, pode ser preservada.

O problema é que os procuradores condenam os acordos de leniência, que podem — ou não — ser celebrados pela advocacia geral da União.

É didático observar seus argumentos, que denunciam um projeto político, digno de ser disputado em urna, com base no voto popular — e não pelo braço da judicialização. Em entrevista ao Estado de São Paulo de hoje, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima explica o que está acontecendo no país — e o que se pretende fazer diante daquilo que chama de “falsa República.”

Um dos mais politizados integrantes do MP, Lima mostra diagnóstico que mistura afirmações verdadeiras com observações absurdas, que só ajudam a reforçar uma visão sombria e distorcida da realidade. Afirma que no Brasil vigora um “capitalismo de compadres”, conceito que tem uma matriz ideologica inegável — onde funciona um capitalismo “puro”, sem compadres ou equivalentes? — ainda que possa ter uma ter uma base na realidade. Numa visão que encobre progressos sociais recentes na distribuição de renda e combate a miséria, assegura que na política brasileira “o interesse privado é a real motivação dos atos públicos. Qualquer um pode trabalhar duro, pode tentar alcançar o sucesso, mas isso somente será permitido a uma minoria que se apropriou dos mecanismos políticos e que pretende impedir a entrada de novos competidores em seus ‘mercados.'” Procurando esclarecer a verdadeira função política da Lava Jato, o procurador declarou ao Estado de S. Paulo (em 18/6/2015):

— O que nos preocupa é não conseguirmos montar para a população um quadro completo da corrupção, da cartelização, das mais diversas fraudes, enfim, da extensa criminalidade que permeia as relações público-privadas em nosso país. Cada acusação é como uma pequena peça de um imenso quebra-cabeça, e precisamos encaixar um número suficiente de peças desse puzzle para que todos que olharem esse conjunto possam saber como ele ficaria se completo. Só assim a população poderá separar o joio do trigo e poderemos enfim refundar nossa República.”

Então ficamos combinados: enquanto o MP tenta impedir os acordos que poderiam trazer um alívio ao ambiente político e econômico do país, as prisões de hoje se destinam a montar “um quadro completo da corrupção” e assim por diante. O espetáculo precisa continuar porque os procuradores acham que “só assim a população poderá separar o joio do trigo” e “refundar nossa República.” Não são guardiões da Constituição. Tornaram-se ideológos, doutrinadores, reformadores sociais sem mandato. E maus professores, além de tudo.

No espetáculo da Lava Jato não há lugar para apurar nem esclarecer, quem sabe por curiosidade, o jantar de R$ 7 milhões em donativos de empresários — tanto representantes da Odebrecht como da Andrade Gutierrez se encontravam no Alvorada naquela noite — para o Instituto Fernando Henrique Cardoso, quando ele ainda ocupava a presidência da República.

Advogados experimentados não deixaram de notar um detalhe. As prisões desta manhã ocorrem quando faltam poucos dias para o recesso do Judiciário, o que sempre dificulta o trâmite de recursos para a soltura de prisioneiros. Embora seus advogados possam entrar com recursos e pedidos de habeas corpus, os pedidos terão um longo caminho a percorrer entre tribunais intermediários antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal. É claro que o ministro Teori Zavaski, relator do caso no STF, tem o direito de intervir a qualquer momento, atravessando o percurso no meio. Tem poderes para isso. Até agora, não agiu dessa forma. Aguardou pacientemente que o caso chegasse a sua mesa para só então se manifestar.

Nós já sabíamos que o modelo de trabalho de Sergio Moro, o juiz que comanda a Operação Lava Jato, é a Operação Mãos Limpas — aquela que entregou o país ao bunga-bunga Sylvio Berlusconi e transformou uma das glórias culturais e políticas da humanidade num reino de segunda classe, dependente e subordinado às potências vizinhas, a começar pela Alemanha de Angela Merkel.

Também sabíamos que, para Daltan Dallagnol, no necessário combate à corrupção o Brasil deveria mirar-se no espelho de Hong Kong — uma cidade-estado onde vivem 7 milhões de pessoas, que não têm sequer direito de escolher seus governantes pelo voto direto, em urna. O Brasil estava neste estágio pré-democrático até 1989. É bom não esquecer.

Sabemos agora, através do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, uma das vozes principais da Lava Jato, que o plano é “refundar a República.”

A partir dessa manhã, será possível enxergar melhor o que pretendem com isso.

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