O rabo abanando o cachorro: TCU e a espetacularização da formalidade contábil contra a democracia
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por Roberto Requião
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por Roberto Requião
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Normalmente
não perco meu tempo com assuntos sem importância, como formalidades
contábeis. Mas dessa vez terei que abrir uma exceção por razões óbvias. É
um absurdo a forma como estão levando essa história do julgamento no
Tribunal de Contas sobre contabilidade das transferências sociais feitas
pelo governo através dos bancos públicos. É muito barulho por pouco e
não posso me calar em relação a isso.
Sabemos
que as relações financeiras entre órgãos da administração direta e
indireta foram alvos de “contabilidade criativa” no Governo Dilma. Estão
chamando isso agora de “pedalada”, como forma de degradar um pouco o
assunto dando-lhe uma conotação diferente da sua real importância.
Parte
da imprensa e da oposição tem tratado essa questão como se fosse um
erro grave ou inédito. Sabemos que não é assim. Governo Brasileiro tem
metas programáticas de inflação e metas programáticas fiscais. Fazem
parte da política econômica que ele adota: o famigerado Tripé
Macroeconômico. Não são uma exigência legal. É apenas uma opção de
política macroeconômica. Equivocada, na minha opinião, mas uma opção
legítima e reconhecida por todos. Em especial pela oposição e por quase
todos os candidatos a Presidente nas eleições de 2014, que se ajoelharam
e se penitenciaram no altar do Tripé. O mesmo altar do “Deus Mercado”,
aliás.
Mas
concentremo-nos no nosso assunto principal: a meta fiscal de superávit
primário. Ela foi uma imposição dos credores da dívida brasileira, do
capital financeiro nacional e internacional através do acordo com o FMI,
quando o Brasil quebrou no final de 1998 no governo FHC.
A
lei e a constituição brasileira não possuem nenhuma obrigação e muito
menos nenhuma sanção específica que imponha qualquer meta de superávit
primário. É uma simples opção de política econômica de governo. Uma
opção que eu não concordo. Mas reconheço como legal.
O
governo pensa diferente. Acha que não atingindo a meta, os banqueiros
não vão mais comprar os títulos públicos e vão aumentar esse terrorismo
econômico temos ouvido por aí. Não é verdade. Isso é uma pressão do
capital especulativo contra o país.
O
que fizeram o Ministro Mantega e seu Secretário do Tesouro, Arno
Augustin, em relação a essa pressão? Eles fizeram vários “artifícios”
que em uma empresa privada seriam chamados de forma glamorosa de
“engenharia financeira”.
Foi
uma forma de driblar a meta de superávit primário. Isso é claro. Mas é
uma meta que não decorre de uma exigência legal. Era apenas uma
exigência do capital financeiro. Podemos dizer que o governo queria
burlar o capital financeiro, mascarando o superávit primário segundo os
critérios tradicionais. Mas não a ética ou a lei. Mas não havia sanção
legal contra a isso. O governo poderia aprovar um novo orçamento
mostrando sua dificuldade em atingir a meta. Mas não fez isso. Acharam
que geraria muito terrorismo no mercado. Eles queriam evitar as sanções
do mercado internacional de dinheiro.
Poderiam
ter feito diferente, poderiam ter cortado gastos em educação, saúde,
bolsas de assistência social, investimentos. O mercado ficaria feliz e
agradecido. O governo receberia todos os aplausos e cumprimentos nas
altas esferas. Mas ia faltar o médico para curar a diarreia e a
desidratação grave da filhinha da Dona Maria do Socorro, lá de Catolé da
Rocha, na Paraíba. Poderia ter sido mais uma morte evitável de uma
criança. Um ponto a mais na estatística de mortalidade infantil. Uma
mera estatística, que os analistas financeiros manejam tão bem. Mas,
segundo o mercado, o governo escolheu melhorar a “estatística errada”:
cuidaram da criança primeiro...
Mantega
e Arno queriam continuar mantendo as bolsas e os gastos sociais sem
serem prejudicados pela pressão do capital internacional. Fizeram isso
de diversas formas nos últimos anos, através de receitas
não-recorrentes, ou extraordinárias, antecipação de receitas e
adiamentos de despesas. Nada grave. Nada que fosse antiético ou ilegal.
Mesmo porque, no ano seguinte, essas coisas seriam compensadas.
No
caso em questão, no processo que está no TCU, a Caixa Econômica
Federal, cujo capital é 100% estatal, realizou, como de costume,
transferências sociais que lhe cabe como órgão responsável pelos
repasses desse tipo de despesa. Todavia, uma parte dessas despesas
referentes ao final do ano foram contabilizadas apenas no início do ano
seguinte. Assim, a meta de superávit primário para mostrar para o
mercado financeiro internacional foi formalmente alcançada. Para isso,
fizeram uma engenharia financeira que não tem impacto nenhum na economia
real e no espírito de nenhuma lei. Foi apenas o atraso da
contabilização de uma despesa por alguns dias.
É
tão grave atrasar um mês a contabilização de uma despesa em um órgão?
Não. Isso é apenas uma questão formal de contabilidade, que fazem um
enorme número de estados, municípios e governos. Uma engenharia
financeira. Fernando Henrique fez isso, o Lula fez isso e a própria
Dilma já tinha feito isso antes. Mas ninguém nunca havia considerado
isso um erro grave. Porque não é.
Eu
vou tentar explicar isso de forma mais simples. Imagina uma família que
tivesse uma filha, Wendel casado com a Fernanda. Wendel e a Fernanda
têm dívidas e eles pagam as suas dívidas de forma sempre pontual.
A
filha deles se chama Clélia. Um dia a Clélia quebra a perna. O hospital
coloca uma conta salgada para eles pagarem. Eles percebem que o
dinheiro que possuem no banco é insuficiente para pagar a conta. Mas se
lembram que esse dinheiro é igual ao valor que era necessário para pagar
uma dívida que ia vencer nos próximos dias. O que eles fazem? Ora, eles
sacam o dinheiro e pagam o hospital e atrasam o pagamento da prestação,
para o mês seguinte. Assim protegem o que é mais importante. O banco
não concorda, reclama, ameaça...
Em
nível maior, vemos o mesmo. O capital financeiro internacional quer
coagir países a deixarem de lado as suas obrigações com o povo, de
emprego, de saúde, de previdência e os programas sociais, as bolsas
compensatórias para que os governos reservem seu dinheiro, que façam
superávit, para pagar juros e dívidas. Ainda que com juros
rigorosamente absurdos.
Resumindo,
houve sim uma engenharia financeira, mas não houve crime. Ninguém se
apropriou de recurso público. A economia não foi afetada, nem o
interesse público.
Podemos
questionar o uso dos recursos por parte do governo e o modelo
econômico. Na minha opinião, faltou ao Brasil um projeto nacional, um
projeto de desenvolvimento econômico, de industrialização. Mas eles
mantiveram as políticas sociais, saúde, educação, previdência e bolsas
compensatórias. Ótimo, eu apoio. Mas eu questiono a ausência de um
projeto nacional, de desenvolvimento.
Agora,
esse pessoal do dinheiro não pensa em emprego, educação, vidas, não
pensa em desenvolvimento econômico e nem social. Pensa nos juros e nos
lucros, na ganância e na usura.
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Esse
é o meu relato do que aconteceu. O TCU está julgando uma mera
formalidade. E tem gente, maliciosamente, querendo derrubar uma
Presidenta eleita pela maioria do povo em razão de uma formalidade.
Querem vencer no tapetão, como dizem na gíria esportiva. É isso o que
estamos vendo. Não mais e não menos. Uma estranha “comoção” por uma mera
formalidade, uma formalidade recorrentemente quebrada e que agora virou
“crime gravíssimo”... Não tem mais nada importante para nos ocuparmos
neste país?
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