terça-feira, 18 de março de 2014

Contraponto 13.549 - "Venezuela: Revolução pelos livros, protestos contra Cuba e o maestro Dudamel"

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18/03/2014

Venezuela: Revolução pelos livros, protestos contra Cuba e o maestro Dudamel

Carta Maior - 17/03/2014 


A ocorrência de três eventos num mesmo domingo ilustra alguns dos principais impasses políticos vividos pela Venezuela nos dias de hoje.

por Pedro Silva Barros

Filven 2014 - Apresentação no estande do Brasil (Foto: Pedro Silva Barros)

Foi inaugurada na última sexta (14), em Caracas, a X Feira Internacional do Livro da Venezuela (Filven). Trata-se do maior evento de difusão cultural de um país que expandiu enormemente o acesso à literatura nos últimos anos.


 No mesmo fim-de-semana que milhares de caraquenhos desfrutavam a Filven, outros tantos marchavam em direção à embaixada de Cuba contra a suposta ingerência do país na Venezuela. Em Nova Iorque, alguns venezuelanos e exilados cubanos se reuniam na antessala do Avery Fisher Hall para protestar contra a posição do jovem maestro Gustavo Dudamel favorável ao governo Maduro e ao processo político em curso na Venezuela. (Foto: BBC)

A coincidência desses três eventos diz muito sobre o que acontece na Venezuela desde que Hugo Chávez chegou ao poder.

Em 1999, primeiro ano do governo Chávez, a Venezuela se refundava por meio de uma Assembleia Constituinte e Dudamel, aos 18 anos, era indicado para ser diretor da orquestra juvenil da Venezuela. O sistema de orquestra juvenil da Venezuela não é obra chavista, mas cresceu enormemente nos últimos quinze anos, conta com mais de 100 orquestras e 300 mil jovens tocando. Completou 39 anos mês passado. Dudamel, que atualmente rege a orquestra filarmônica de Los Angeles, esteve em Caracas para a comemoração, criticou os protestos violentos e realizou um concerto pela paz na sede da chancelaria venezuelana.

O momento decisivo do chavismo foi a reversão do golpe de 2002. Quando a CNN anunciava que os venezuelanos apoiavam a queda de Chávez e as ruas de Caracas estavam tranquilas, quando os golpistas cortavam o sinal do único canal público de televisão, fechavam a assembleia nacional e destituíam a suprema corte, a população das regiões mais pobres de Caracas cercava o palácio do governo para exigir a volta do presidente eleito. Com o retorno ao poder, o presidente Chávez desenhou uma série de programas sociais, que contaram com o apoio decisivo de Cuba, particularmente nas áreas de educação e saúde.

Em 2003, foram lançadas a Missão Bairro Adentro, com milhares de profissionais da área de saúde cubanos atendendo em áreas onde os serviços médicos nunca haviam chegado, e a Missão Robinson, com o objetivo de ensinar a ler e escrever a população analfabeta da Venezuela. Os programas receberam ferozes críticas das tradicionais associações profissionais, mas sempre contaram com grande apoio popular.

Em 2005 o programa já colhia frutos: a Unesco reconheceu a Venezuela como território livre de analfabetismo. No ano em que a maior obra da literatura hispânica completava o seu quarto centenário, o governo distribuiu gratuitamente um milhão de exemplares de Don Quijote de La Mancha. Ainda foram impressos 70 mil exemplares em inglês para serem distribuídos no Caribe e mais 5 mil em francês para o Haiti. Nos valores da época, cada exemplar custou apenas US$ 1,67 ao governo bolivariano, que foram pagos a uma editora espanhola. Para fechar o ano, em novembro, foi realizada a I Feira Internacional do Livro da Venezuela.

Nos últimos dez anos foi fortalecida a educação básica e média, expandido o ensino superior, criada uma rede de editoras e livrarias públicas. Por exemplo, a Editorial El Perro y la Rana, que tem por objetivo a produção massiva de livros a baixo custo, em poucos anos já reúne um catálogo de mais de 4.300 títulos. A rede de livrarias públicas Librerias de Sur tem lojas em todos os estados do país para vender livros subsidiados em locais de grande circulação de pessoas, como estações do metrô. Os jovens que estão no sistema de orquestras, os adultos que participaram da Missão Robinson, seguiram seus estudos e se juntaram os hoje 2 milhões de estudantes universitários da Venezuela; todos agradecem.

A décima edição da Filven tem como país convidado de honra o Brasil e o tema “perspectivas e desafios da edição pública na América Latina”. Para além da região, destacam-se na Filven estandes da China, França, Espanha, Irã, Catar, Palestina e País Basco. Na sessão de abertura, o embaixador do Brasil junto à Venezuela, Ruy Pereira, anunciou que nosso país cooperará para o estabelecimento de uma política de acesso a livros em braile, seguimento ainda carente de políticas públicas, na Venezuela. Na mesma ocasião, o vice presidente do país, Jorge Arreaza, após lembrar de uma das frases mais repetidas por Hugo Chávez, “Como dizia José Martí, um povo culto é um povo livre”, convidou os participantes das manifestações que perdem força, mas perduram a um mês e estão longe de acabarem, a trocarem os “coquetéis molotoves” por livros.


Embora esta manifestação específica dos oposicionistas contra Cuba tenha ocorrido com tranquilidade, sem registros de violência, o país segue polarizado. Na madrugada de segunda-feira (17), um capitão da guarda nacional bolivariana foi assassinado no estado de Aragua com um tiro na cabeça quando aparentemente tentava impedir a construção de uma barricada em uma avenida da capital Maracay. Tanto o estado como a capital são governados pelo chavismo e até agora não havia ocorrido atos de violência na região. Ao mesmo tempo, o mesmo corpo de segurança ocupou a praça de Altamira, principal reduto da oposição, e apreendeu bombas caseiras escondidas nos jardins (foto acima, do site La Patilla). Não surpreende, porém, que a maioria dos que foram alfabetizados pela Missão Robinson preferiram a Filven ao protesto contra Cuba.

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