15/06/2015
Surto de imbecilidade: colunista da Folha sai em “defesa da desigualdade”
Eduardo Guimarães

Antes de entrar nos detalhes desse caso, porém, façamos algumas reflexões sobre como chegamos a isso.
Ao longo dos últimos dois anos, o país assistiu a uma ascensão do “pensamento” de ultradireita que não encontra paralelo nos 125 anos de vida republicana do país. Mesmo a ascensão nazifascista que levou à ditadura militar (1964-1985) não se compara ao que está acontecendo, pois, naquele momento, a ultradireita encontrou forte resistência à esquerda, enquanto que, hoje, a resistência vai de pífia a inexistente.
Os fatores que reduziram tanto a resistência ao surto nazifascista envolvem erros de avaliação política tanto do governo quanto de sua base de apoio à esquerda. E, claro, o mau desempenho da economia.
A história mostra que a ultradireita é oportunista; costuma se erguer em momentos de insatisfação das massas como o que vive hoje o país. E o melhor exemplo desse fenômeno é, sem dúvida, a ascensão nazista na Alemanha dos anos 1920, mergulhada em um caos econômico profundo, o que permitiu a um psicopata catalisar o apoio de multidões ao prometer o que todos queriam ouvir: uma saída para a crise.
Tanto na Alemanha pré-nazista como em movimentos análogos de exploração do desespero das massas, sempre há que apontar um culpado e sua destruição como panaceia para todos os males. Porém, esse culpado não pode ser um indivíduo, pois concentrar as forças políticas, econômicas e de Estado contra uma só pessoa permite que seja destruída rapidamente e, então, fica-se sem ter a quem responsabilizar.
Nesse aspecto, há que eleger grupos étnicos, religiosos (ou não-religiosos) ou políticos como os responsáveis por todos os males. Na Alemanha pré-nazista, elegeram os judeus e os comunistas como alvos; no Brasil contemporâneo, foram eleitos o PT e, para quem presta atenção, “os comunistas”, que os fascistas mais dissimulados preferem chamar de “a esquerda” para não dar muito na cara.
Após a longa digressão, vamos ao novo episódio assustador. Quem fez essa defesa da desigualdade foi o colunista da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman. Como, provavelmente, o jornal receberá uma enxurrada de manifestações de espanto e de inconformismo, o mais provável é que esse colunista emule aquele da revista Veja que se escudou em um recurso estilístico de escrever conhecido como “hipérbole” – exageração de uma ideia destinada a conferir-lhe dramaticidade.
O texto de Shwartsman foi publicado sob o título repugnante “Uma defesa da desigualdade”. O conteúdo da coluna até admite que reduzir a escandalosa desigualdade de renda e de oportunidades no país poderia ter alguns efeitos benéficos que o autor daquilo identifica mal. Confira, abaixo, o primeiro parágrafo:
“Um pouco mais de igualdade
na distribuição de riquezas faria bem a nosso senso de justiça. É
bastante provável também que a redução da desigualdade tonasse as
sociedades mais funcionais. Um mercado interno robusto e mobilidade
social são ingredientes importantes da democracia (…)”.
O texto de Shwartsman não endossa cem por cento a ideia-força disseminada a partir de seu título como aconteceu com o texto do colunista da revista Veja que pediu “menos escolas, mais prisões”, mas, tanto quanto aquele, tratou de conferir mérito a uma ideia que jamais poderia ser vista como algo além de uma absoluta excrescência.
Ainda assim, o texto de Schwartsman vende a desigualdade de riquezas como sendo útil de alguma forma à humanidade. Ou seja, o resto do texto desmente o primeiro parágrafo e endossa o título. Confira, abaixo, o terceiro parágrafo:
“(…) Os mesmos mecanismos de
mercado que promovem a disparidade –eles exigem certo nível de
desigualdade estrutural para funcionar– são também os responsáveis pelo
mais extraordinário processo de melhora das condições materiais de vida
que a humanidade já experimentou (…)”.
É óbvio que a desigualdade não acelerou o progresso tecnológico ou qualquer outro a que essa… pessoa se refere. Ao contrário, a desigualdade impede que a humanidade avance mais rapidamente, gera convulsão social, gera criminalidade e violência, gera ignorância, doenças e faz com que sociedades praticamente medievais convivam no mesmo planeta com sociedades que obtiveram avanços extraordinários, tanto culturais quanto científicos e tecnológicos.
É indefensável a ideia de qualquer tipo de mérito da desigualdade. É como conceder mérito ao estupro, à pedofilia, ao sadismo, ao egoísmo, à ignorância, à violência e a tudo mais de nefasto que flagela a humanidade.
Mas como chegamos a isso? Como foi que energúmenos como Rodrigo Constantino, da Veja, ou Hélio Schwartsman, da Folha de São Paulo, ou o psicopata que agrediu o frentista haitiano sentirem-se livres para dizer todas essas barbaridades?
Recorro a trecho de entrevista recente do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, concedida recentemente à Rede Brasil Atual. O entrevistador perguntou qual foi o “legado” das manifestações de rua de junho de 2013. Confira, abaixo a resposta.
“(…) Tivemos dois principais
legados. Um deles, perverso, pela direita. Foi aí que ela começou a se
encorajar para ir às ruas e defender as opiniões que antes tinham
vergonha – e que deveriam continuar tendo, porque são posições que
beiram o fascismo. Houve um fortalecimento e uma rearticulação do
pensamento de direita no Brasil e isso se expressou no período eleitoral
do ano passado e sobretudo na manifestação de 15 de março deste ano (…)”
Boulos é o primeiro dos entusiastas daquele processo nefasto – que cumpre dois anos neste mês de junho – a reconhecer que todo esse horror que estamos vendo se deve àquelas manifestações desmioladas. Esse é um passo positivo da esquerda, pois só entendendo como o país entrou nessa enrascada será possível sair dela e, sobretudo, talvez evitar que essa mesma esquerda volte a cometer erros tão dramáticos.
Mas, acima da tese de Boulos, há uma outra que explica ainda melhor por que a direita perdeu totalmente a vergonha na cara, ao ponto de sair por aí defendendo “menos escolas, mais prisões” ou a chaga secular da desigualdade.
No primeiro domingo de junho, a mesma Folha de São Paulo publicou entrevista da cientista política Marta Arretche, professora Livre-docente do Departamento de Ciência Política da USP e Diretora do Centro de Estudos da Metrópole. Nessa entrevista, ela explica como e por que os ataques furibundos da ultradireita e da ultraesquerda ao PT fizeram o fascismo pôr sua cabeçorra disforme para fora do buraco fétido a que estava confinada.
Marta Arretche acredita que a profunda crise do PT põe em risco a tendência de queda da desigualdade que vinha ocorrendo no país. Para ela, a “ameaça eleitoral da esquerda sempre funcionou como incentivo para que conservadores incluíssem a questão social em suas agendas” e que “Sem a ameaça, que nos últimos 25 anos foi personificada pelo ex-presidente Lula e pelo PT, toda a agenda social está sendo afetada”.
Ou seja: excrescências como a terceirização ou a redução da maioridade penal ou o avanço da homofobia se devem ao fato de que, como o PT e Lula teriam se enfraquecido politicamente, a direita sentiu-se forte para propor todo tipo de perversão política e econômica que acalenta.
Ninguém ousaria dizer que o governo Dilma e o próprio PT não contribuíram com essa situação. Como este blogueiro disse, ao vivo, em reunião recente de blogueiros com o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Edinho Silva, talvez o maior erro do PT tenha sido descuidar de sua base política, sobretudo dos movimentos sociais. Se não o tivesse feito, talvez não tivessem existido as fatídicas “jornadas de junho”.
No entanto, com tudo que está acontecendo no país é impressionante que a esquerda ainda não tenha se unido em um bloco sólido e emergencial destinado a barrar um avanço da ultradireita que, se não for contido, promoverá um desastre social neste país, o que irá desembocar em um agravamento da violência e da criminalidade, em forte concentração de renda e, no limite, em uma virtual ditadura “religiosa” e midiática”.
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