terça-feira, 25 de outubro de 2016

Nº 20.150 - "Sete pecados capitais da PEC 241"

 

25/10/2016 

Sete pecados capitais da PEC 241

 

O Brasil precisa de ajuste e regra fiscal. mas as normas são rigorosas e criam novos problemas


Carta Capital publicado 25/10/2016 07h37, última modificação 25/10/2016 10h37

Roberto Parizotti / CUT
PEC 241
Ato contra a PEC 241 em São Paulo: a medida não resolve os problemas existentes e cria novos

por Fábio Terra 
 


Para não dizer que não falei de flores, começarei com elas. O único mérito da PEC 241 é colocar no horizonte o debate, absolutamente preciso, sobre regras de condução dos gastos públicos. Regimes fiscais são necessários; muito menos para se fazer ajuste fiscal e muito mais para se evitar que exista a necessidade de se fazê-los, entra ano, sai ano. 

É importante de partida lembrar, aliás, que no Brasil só acontecerá uma verdadeira reestruturação fiscal com as reformas tributária e do mercado de dívida pública (Selic) além do regramento dos gastos. Os problemas fiscais que enfrentamos não são apenas das despesas públicas, como querem (fazer) crer os propositores da PEC, mas perpassam os dois outros âmbitos mencionados. No mercado de dívida, inclusive, encontra-se boa parte do porquê as despesas públicas com juros serem tão elevadas no Brasil.
Contudo, a proposta de um novo regime fiscal via PEC 241 centra-se apenas no regramento dos gastos públicos. Ademais, ainda que um ajuste fiscal efetivo seja necessário, a PEC está bastante longe de ser uma boa solução. Listo abaixo sete pecados que ela cometerá.


1) Como a PEC estabelece que os gastos cresçam ao ritmo da inflação, para que um órgão da administração pública federal e seu funcionalismo tenha ganho real de dotação orçamentária, outro terá que perder. Isto é, em uma metáfora que usarei daqui em diante, o pé (necessidade) será maior do que o sapato (orçamento).

Inclusive, em tese, saúde e educação podem ter ganhos reais ao longo dos próximos 20 anos, mas com outras áreas perdendo recursos ou até mesmo se extinguindo. Logo, a PEC estabelece um conflito pela distribuição de recursos na União. Ademais, a PEC cria um irrealismo da relação entre o que a União pode gastar e o custo que ele terá para ofertar serviços públicos. Ou seja, o sapato será pequeno não apenas para dentro do serviço público, mas também dele para com os produtos que ele adquire do setor privado.

2) Não obstante, o sapato menor do que o pé fará com que, em médio prazo, a nossa escolha de candidaturas presidenciais se dê entre plataformas que disputem quais áreas sofrerão menos cortes para que outras tenham ganho real.

Por mais estranho que pareça, a PEC 241 estabelecerá, inclusive por ser gravada na Constituição Federal, uma certa independência orçamentária em relação aos governos democraticamente eleitos. Não contando com possibilidade de aumento real de gastos mesmo que as receitas cresçam, os projetos de quaisquer partidos somente dirão quais áreas priorizar em detrimento de outras.

3) A PEC 241 limita a expansão dos gastos à inflação por 20 anos. Pensemos retroativamente. Nas últimas duas décadas ocorreram as crises asiática de 1997, russa de 1998, brasileira de 1999, argentina de 2001, energética brasileira de 2001, americana pós-11/9, mundial de 2007/8, europeia de 2012... Imaginemos se tais eventos se passam nos próximos 20 anos, o pecado seria o orçamento público não poder ajudar a enfrentá-los limitado como estará.

4) A PEC, pela sua lógica de funcionamento, será de impacto gradual no curto prazo, quando há necessidade de ajuste intenso, e incisivo no longo prazo, em que talvez se tenha mais folga fiscal. Portanto, a PEC peca ao inverter a ordem necessária.

5) Se o que se quer é regra e se regra existe para se administrar com responsabilidade, gerando-se credibilidade na ação pública, a PEC não é só um sapato apertado, é um tiro no pé; o sapato deverá ser trocado em médio prazo, o que gerará a desconfiança das mudanças de regra. Isso é tão custoso (e sujeito a desconfianças) quanto não se terem regras. É o pecado de não se escolher um meio termo.

6) Para calçar o sapato menor do que o pé, remendos deverão ser feitos. Ou seja, a PEC, para que seja efetiva, necessariamente deverá ser acompanhada de uma série de outras reformas, como a da previdência, da administração pública, do federalismo fiscal.

No fundo, talvez seja esta a grande aposta dos propositores da PEC, forçar um ritmo de crescimento ao sapato, para que o tamanho do pé se adapte a ele, e não o contrário. O pecado reside na possibilidade de o pé não se adaptar, o que inutilizará o sapato rapidamente.

7) Os recursos orçamentários federais são bastante vinculados, isto é, arrecada-se uma receita para um fim específico – daí o ajuste fiscal no País sempre ser feito pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Por volta de 10% das receitas não são vinculadas, principalmente investimento. Ou seja, à medida que o sapato for apertando, o investimento público, tão necessário para construir a infraestrutura do país, restará como variável de ajuste.


Não obstante, os créditos extraordinários, como o Refis ou os recursos da repatriação, não estão sujeitos ao teto de crescimento. Assim, eles serão usados pelo governo de plantão de forma desregrada. Se é para regrar, estes recursos deveriam se somar, no mínimo, às dotações para investimentos públicos.
É ocioso dizer que o Brasil precisa de ajuste e regra fiscal, isso é fato e regramento trará benefícios. Porém, não é demais insistir nos deméritos da regra que se quer colocar via PEC 241. Estudo recente do FMI mostra que, dentre 88 países, inclusive as potências econômicas mundiais, nenhum estabeleceu regra tão rigorosa e inflexível quanto a que se pretende instituir no Brasil. Por que queremos ser mais experientes do que a experiência internacional?

A PEC parece partir do pressuposto de que somos incompetentes e não conseguimos organizar nossas finanças públicas a não ser na vigência de excessiva constrição. Ou talvez ela queira apenas confirmar que o Brasil é um imenso jaboticabal, pois jabuticaba, exclusividade nacional, é o que mais se planta economicamente por aqui: a indexação generalizada dos contratos à inflação passada, a fusão dos mercados de dívida pública, a isenção mantida de tributação sobre lucros e dividendos, coisas só nossas na experiência internacional. Jabuticaba não é uva, dela não saem bons vinhos, pena insistirmos nessa tentativa.


*Fábio Terra é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia. 
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