31/10/2016
Crise Política
A Lava Jato e o governo destroem a economia
Carta Capital - 31/10/2016
Jejuna em economia, a República de Curitiba, junto de privatizações,
desnacionalizações e austeridade, arrasam empreiteiras, a Petrobras e o
País
Fabio Rodrigues Pezzebom/ ABR
Ao contrário dos países avançados, o Brasil não se
preocupa em preservar suas poucas empresas líderes mundiais, a exemplo
da Petrobras e das grandes empreiteiras
Não bastassem a recessão brasileira, a crise mundial, a privatização e a desnacionalização impulsionadas pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra,
e pelo presidente da Petrobras, Pedro Parente, e ainda a austeridade
mais longa do mundo da PEC 241, chancelada pelo presidente Michel Temer,
o ministro da Fazenda Henrique Meirelles e a maioria da Câmara, o País
sofrerá por mais um ano os prejuízos da desarticulação da sua principal
cadeia produtiva, a de óleo e gás. O motivo é a recente prorrogação,
pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, da Lava Jato do juiz Sergio Moro e do MPF, até setembro de 2017.
Dois anos e sete meses depois do desencadeamento da
operação, só quatro das 16 empreiteiras envolvidas em corrupção −
Toyo-Setal, UTC, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez −, todas grandes
fornecedoras da Petrobras, firmaram acordos de leniência e podem retomar
os negócios sem restrições. Impedida há dois anos de fazer contratos
com o setor público e com seu presidente preso por duas vezes, a Andrade Gutierrez simboliza
a situação dramática do setor: foi obrigada a se desfazer de alguns dos
seus ativos mais valiosos e poderá ser vendida a uma construtora
chinesa.
“A quantidade de acordos de leniência é muito pequena e
eles demoram demais. São tantas as dúvidas e a insegurança jurídica é
tamanha que não há uma aplicação significativa desse instrumento”, chama
atenção o advogado Rafael Valim, presidente do Instituto Brasileiro de
Estudos Jurídicos da Infraestrutura e sócio da Marinho & Valim
Advogados.
“Se eu fosse advogado, nunca faria um acordo de
leniência. A participação do Ministério Público e do Tribunal de Contas
da União dá mais garantias, mas ao mesmo tempo complica tanto, as
exigências passam a ser tão grandes que acabam prejudicando qualquer
acordo”, diagnostica o ministro Gilson Dipp, aposentado do Superior
Tribunal de Justiça.
O acordo de leniência deveria atender a dois objetivos fundamentais: 1.
constituir um instrumento de coleta de provas por meio da concessão de
benefícios à empresa que colaborar na comprovação dos fatos apontados no
processo; e 2. preservar os seus ativos. A lei anticorrupção
manda celebrá-lo entre a empresa e a autoridade pública lesada, maior
conhecedora da extensão dos danos provocados pela corrupção. Na prática,
ele é firmado entre a empreiteira e o MPF e homologado por um juiz.
O projeto aprovado de
Serra, de retirar a exclusividade da Petrobras no pré-sal, e a venda de
ativos da empresa por Pedro Parente: retrocessos sem precedentes (Thelma
Vidales/ Contraste Imagens e José Cruz/ ABR)
As lacunas da lei quanto à participação
de vários entes públicos e a pluralidade das esferas de responsabilidade
abrem espaço para superposições e disputas. O TCU, a CGU, o MP e um
juiz podem decidir, por exemplo, a temida proibição de contratar
com o poder público. Nos contratos de estados e municípios com aporte de
recursos da União, pairam dúvidas sobre qual entidade federativa
poderia celebrar o acordo.
O acordo de
leniência entre MPF e Andrade Gutierrez ilustra as dificuldades. A
legislação prevê a responsabilização administrativa e cível de pessoas
jurídicas por crimes contra a administração pública, mas não abrange
dirigentes e administradores, que continuariam sujeitos a condenações
criminais depois da celebração do pacto. No seu despacho, o juiz Sergio
Moro diz ser “aplicável por analogia” um dispositivo do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que extingue a punição também
para pessoas físicas.
A insegurança jurídica
é uma das causas da rarefação dos acordos. Outra é a visão imperante de
punir também as empresas, como se dotadas fossem de iniciativa e
intenções, à semelhança dos seus acionistas e executivos. É o oposto do
que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde o instituto do self cleaning prende
ou afasta os executivos, aplica multas, exige programas rigorosos de
combate às práticas propiciadoras da corrupção e devolve as empresas o
mais rápido possível ao mercado público e privado.
Os exemplos são abundantes nos casos de improbidade entre
os maiores fornecedores do governo. Os contratos da GE com o Pentágono,
suspensos em 1992, foram retomados cinco dias depois mediante a
apresentação de um sistema de vigilância interna para evitar novas
fraudes, noticiou o Los Angeles Times. É bom repetir: cinco dias.
A IBM retomou os contratos com o governo oito dias após a interdição determinada em 2008, destacou o Public Contract Law Journal.
A suspensão da contratação da Boeing pelo setor público, em 2003, foi
levantada um mês mais tarde devido à “forte necessidade no interesse do
país”, justificou o subsecretário da Força Aérea, Peter B. Teets.
André Araújo, ex-empresário e advogado de empresas dos
Estados Unidos, acrescenta exemplos. A construtora Halliburton foi
multada em 110 milhões de dólares, quantia irrisória para uma empresa
que vale entre 40 bilhões de dólares e 50 bilhões, e o principal
executivo foi preso por dois anos e meio. No caso da Lockheed, que pagou
1,5 bilhão de dólares em comissões para vender aviões militares a mais
de 20 países, na década de 1970, o governo exigiu a troca do presidente
da empresa e aplicou uma multa de 24,8 milhões de dólares.
Na Europa, ocorre o mesmo. “Na Volkswagen alemã, houve
escândalos enormes de distribuição de propina, inclusive com
envolvimento do governador de Baden-Württemberg. A fabricante de aviões e
helicópteros Messerschmitt-Bölkow-Blohm também está envolvida em
distribuição de propina. Os ministros e outras autoridades implicados
caem, mas a empresa não é destruída. Ninguém vai acabar com empresas
como essas por causa da corrupção”, exemplifica o procurador do MPF e
ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão.
“Aqui no Brasil, entregamos os nossos ativos com uma
facilidade impressionante. Isso ocorre, principalmente, porque essa
garotada do Ministério Público não tem a mínima noção de economia. Não
sabem como isso funciona.”
Uma situação de risco imensurável
para o País. Aqui, há 2,2 mil procuradores federais concursados, com
estabilidade na função, dos quais não se exige nenhuma experiência
anterior em negócios e economia.
“Nos EUA, há 93 procuradores federais
nomeados pelo presidente da República, com mandato de quatro anos. São
pessoas bem relacionadas, experientes na área empresarial e com
excelente formação, todos provenientes de grandes universidades como
Harvard e Yale”, diz Cynthia Catlett, diretora da divisão de Consultoria
Técnica e Investigativa em Apoio a Litígios da FTI Consulting no
Brasil.
O desconhecimento atestado por Aragão tem
poder destrutivo proporcional à liberdade de ação de procuradores e
juízes. “Esse aumento da autonomia dos juízes e do Ministério Público
está levando a uma insegurança jurídica generalizada. O Judiciário tomou gosto de sangue com a Lava Jato. Cada juiz hoje se julga rei”, resume Araújo.
O Brasil pagará por gerações pelos erros cometidos. “A
Lava Jato se gaba de ter devolvido ao País 2 bilhões de reais. E quantos
bilhões a gente gastou para isso? Do ponto de vista econômico, essa
conta não fecha”, contabiliza Aragão. A maioria das consultorias que
calcularam o prejuízo provocado à economia pela operação estimou-o em
cerca de 120 bilhões de reais.
O dano deve aumentar. Cerca de 31 bilhões de reais em
projetos aprovados de aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, com
capacidade de gerar 900 mil empregos, segundo cálculo desta revista,
estão parados porque o financiamento com o BNDES contratado com as
vencedoras das licitações, todas envolvidas na Lava Jato, não sai.
Na terça-feira 11, o BNDES anunciou a suspensão de
pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de serviços de
engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5
bilhões de reais. Receia-se no setor que, por meio de relicitações, as
empreiteiras nacionais serão afastadas em definitivo dos financiamentos
de longo prazo do banco, imprescindíveis às grandes obras públicas, e
substituídas por construtoras estrangeiras.
A troca talvez não seja tão fácil
quanto alguns presumem. “Empresas estrangeiras não virão ao Brasil de
uma hora para outra antes de saber como fica a segurança jurídica e sob
que condições vão trabalhar. Nós podemos permanecer cinco ou dez anos
sem ter quem faça a nossa infraestrutura. Como é que fica?”, questiona
Aragão.
“A punição tem de ser consequencialista,
pragmática, precisa resolver o problema e ser pedagogicamente positiva.
Ninguém pode ser contrário ao combate à corrupção e à punição dos
culpados, mas não se pode fazer isso destruindo o capitalismo no Brasil.
Porque ao inviabilizar a empresa, acaba-se com o emprego, a renda, o
progresso e a dignidade das pessoas”, alerta o advogado Walfrido Jorge
Warde Júnior, da Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados. É o
que a Lava Jato está descontroladamente fazendo.
*Reportagem publicada originalmente na edição 923 de CartaCapital, com o título "Destruição a Jato". Assine CartaCapital.
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