26/10/2016
Fascismo como ameaça real
Paulo Moreira Leite - 26 de Outubro de 2016
Paulo Moreira Leite
Destinada a congelar gastos públicos por 20 anos com base na inflação do ano anterior, a PEC é um desastre econômico anunciado mas não só. Também representa a versão brasileira de um processo de ruína global de um país, que tem servido de alimento para o crescimento de movimentos fascistas na última década, em particular na Europa às voltas com a pior e mais prolongada crise do regime capitalista desde 1929.
Não custa recordar. Depois do colapso de 2008-2009, as principais economias do planeta optaram por soluções diversas para responder a nova situação. Brasil, Índia, China e Rússia optaram, em graus diversos, por programas de estimulo ao crescimento, que permitiram a seus países atravessar o precipício da crise por determinado período, até que o esvaziamento das grandes economias centrais acabou por gerar pressões insuportáveis para baixo. Os Estados Unidos de Barack Obama mantiveram -- mantém até hoje -- uma política de juros baixíssimos, indispensáveis para animar a atividade econômica, mas não tiveram capacidade e/ou interesse de tomar medidas mais duras e prolongadas em direção ao crescimento e a criação de bons empregos, o que explica a aparição de Donald Trump, um Mussolini engravatado.
A União Europeia assumiu uma postura inversa. A partir da noção de que o risco inflacionário era a ameaça principal a ser enfrentada, o Banco Central Europeu construiu um programa de austeridade que arruinou as principais economias do continente. Elevou o desemprego para níveis selvagens, destruiu o serviço público e arrebentou um sistema político cuja base mais profunda se alimentava de sistemas prolongados de bem-estar social. O resultado foi a emergência de governos de perfil fascista relativamente nítido na Polônia e na Hungria. A França tornou-se um paraíso para o Front Nacional. Em países escandinavos, inclusive de tradição social-democrata pioneira, partidos de extrema direita ganharam uma força nunca vista desde o período em que o nazismo de Adolf Hitler governava a Alemanha. Na Grécia do primeiro ministro Aléxis Tsipras, a persistência do desastre alimenta uma oposição radicalizada à direita.
O desastre europeu teve um comandante-em-chefe, o economista francês Jean Louis Trichet, padrinho da visão de que a ameaça de alta inflacionária era o risco principal a ser enfrentada. Essa postura que o levou a manter os juros num patamar convidativo para a ciranda financeira e desastrosa para a maioria da sociedade europeia.Como aquele médico que faz o diagnóstico e, logicamente, aplica medicamentos errados, a política econômica monetária do Banco Central só agravou as condições do paciente, que até hoje não só não vê a menor possibilidade de recuperação a vista como já contaminou vários vizinhos e parceiros próximos.
Embora o Brasil tenha assumido outra postura naquele período, isso não ocorreu de forma pacífica.
Autor intelectual, em 2016, da PEC 241, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles presidente do Banco Central, naquela época. Contrariando a visão majoritária do governo Lula, favorável a medidas de estimulo, Meirelles chegou a elevar os juros nos primeiros meses da crise, numa postura desafinada que por pouco lhe custou a cabeça. Enquadrado por Lula, Meirelles manteve-se no posto e nas reuniões seguintes o COPOM passou a jogar os juros para baixo. Líder dos programas de estimulo, Guido Mantega tornou-se um homem marcado a partir de então, o que explica a hostilidade que os chamados mercados passaram a lhe dispensar.
No Brasil de 2016, uma economia já doente irá enfrentar um golpe de misericórdia caso a PEC 241 venha a ser aprovada pelo Senado. Não é difícil imaginar o que pode ocorrer depois disso. Como reconhecem economistas de talento, a história ensina que não há fundo do poço para a economia. A tragédia sempre pode piorar.
O grave é que isso ocorre num período de enfraquecimento da democracia, marcado pelo afastamento de uma presidente sem prova de crime de responsabilidade, o que define um golpe de Estado, mas não só.
Iniciada como um esforço concentrado de destruição do Partido dos Trabalhadores e seu líder principal, a judicialização do sistema político explica o recorde de abstenções, nulos e brancos das eleições municipais. Destruiu-se o partido que, com imensas qualidades e inúmeros defeitos, era capaz de falar ao mais pobre, ao jamais incluído e jamais ouvido.
Mais do que nunca o fascismo sonha com a prisão de Lula -- justamente porque não há provas contra ele. Seu sonho é o crime vingador, a violência que intimida, a audácia que paralisa. Não lhe interessa o respeito escrupuloso da lei, a atenção reverente às garantias democráticas, à vontade popular. A referência é o ódio, a força, agora instrumentos básicos de ação política.
Mesmo de forma cautelosa, o processo também começa a atravessar fronteiras indesejáveis do ponto de vista dos proprietários reais do poder de Estado. Essa novidade explica a postura atual de Gilmar Mendes. Em 2012 ele acusou Lula de chantagem as vésperas do julgamento da AP 470. Agora está em choque com Sérgio Moro.
As disputas, conflitos e diferenças políticas de hoje, que poderiam envolver choques e conflitos naturais quando submetidos aos rituais legítimos de uma democracia, se transformaram numa guerra de facções sem-voto, que expressam interesses e apetites irredutíveis de quem comanda fatias da alta burocracia do Estado.
Arquiteto das sombras, Eduardo Cunha encontra-se na cadeia depois de construir a maioria que deu posse a Michel Temer e agora irá colher os frutos da PEC 241.
A fragilidade de Michel Temer reforça a visão de que o país caminha para um golpe dentro do golpe.
A pergunta é saber como será possível preservar a democracia neste processo. Este é o debate e sua referência se encontra no artigo 1 da Constituição, onde se diz que todos os poderes emanam do povo e em seu nome serão exercidos.
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