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26/10/2016
Quando autoridades agem como moleques, como moleques serão tratadas. Por Eugênio Aragão
Do blog de Marcelo Auler, indispensável para quem ainda tenha um mínimo de equilíbrio mental e não trate investigação e julgamento algo semelhante a um carnaval, retiro o artigo do procurador, professor da UNB e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão:
A liturgia do cargo público não é
mero exercício de vaidade e de ego. Ela é um marco do republicanismo,
que determina ser o exercício de função pública uma atividade impessoal.
Quem está investido nela não deve a enxergar como um galardão adquirido
em razão de qualidades pessoais, mas precisamente porque foi chamado a
servir ao público. A liturgia lhe serve de proteção, para qualificar a
função e não a si.
Juízes, por exemplo, lidam
diariamente com conflitos. Ao decidirem sobre uma causa, tornam um dos
litigantes vencedor e outro perdedor. Aquilo que pode significar, para o
magistrado, apenas um número em sua estatística de produção mensal, na
alma do perdedor pode ser uma catástrofe pessoal. O que o leva a não ir
às vias de fato com aquele que vê como seu malfeitor? É a aura da
liturgia que inspira o respeito necessário a criar uma barreira de
blindagem relativa.
Quando, porém, autoridades se
comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem
discurso e comportamento de botequim, não poderão se queixar quando
começarem a voar garrafas e sopapos.
Temos assistido quase diariamente
comportamentos fora do script litúrgico por parte de magistrados, a
começar por alguns do andar de cima. Têm sido muito cúpidos em dar
entrevistas, falar fora dos autos, opinar sobre tudo e todos. Têm
adotado posturas controvertidas e, por vezes, até mesmo
político-partidárias em discursos públicos, seja nos tribunais ou fora
deles.
A desfaçatez de mudar ostensivamente
de opinião, conforme o momento político e o alvo das ações
jurisdicionais, chega a causar náusea àqueles que assistem a esse circo
quase cotidiano. Esse tipo de atitude cai bem em conversa de bar, onde a
inconsequência regada a álcool tudo permite, tudo perdoa, mas não no
exercício de função pública.
Dos magistrados se espera
autocontenção e não exibicionismo. Infelizmente há, entre nós,
magistrado que se fez notório e não é um bom exemplo de autocontenção.
A despeito de gozar de exclusividade
para cuidar só de um universo de processos supostamente conexos,
decretada por seu tribunal, aparentemente em virtude de sobrecarga que
esse universo representa, esse juiz tem viajado Brasil e mundo afora
para dar palestras, receber prêmio de bom-mocismo e participar de
talk-shows.
Tem tido tempo de sobra para difundir
seu moralismo obsessivo sobre os fins da persecução penal de
“corruptos”, a ponto de virar super-herói de uma parte desorientada da
sociedade, cuja bronca turva sua visão sobre o crítico momento político
vivido pelo País. Para fugir das garrafadas e dos sopapos, anda com
séquito de seguranças e deles vive cercado no trabalho e em casa.
Torna-se, assim, personagem controvertido, agente de disseminação de
incertezas, ao invés de se limitar a oferecer segurança jurídica a seus
jurisdicionados.
Isso não é vida de juiz. Mas, ainda
que não faça sentido, no sadio senso comum, essa imagem distorcida que
se oferece de um magistrado, tem sido exemplo para muitos outros de sua
corporação, que também querem compartilhar desse espaço de afago público
a egos jurisdicionais.
Para tanto, assinam até
abaixo-assinado de defesa do colega premiado de bom-mocismo, quando se
torna alvo de críticas mais ou menos acerbas. Alguns foram às
manifestações “contra a corrupção” convocadas para derrubar governo,
manifestam-se cheio de emoção em perfis de Facebook e, depois, deram
provimento liminar para impedir posse de ministro de estado.
Num ambiente desses, a reação de
veemente indignação pública do Presidente do Senado Federal, Renan
Calheiros, contra o “jabaculê” determinado nas dependências daquela Casa
Legislativa por juiz de primeiro grau de Brasília, não deve causar
surpresa.
Expressou nada mais que seu protesto
institucional contra aquilo que entendeu ser um abuso de magistrado
incompetente para tanto, pois o alvo da diligência da polícia judiciária
eram agentes da polícia legislativa que tinham procedido a varreduras
eletromagnéticas em locais de trabalho e residência de Senadores que
seriam alvos de investigação criminal.
Essas varreduras tinham sido
determinadas pela administração do Senado a pedido dos próprios
Senadores alvejados. Se as varreduras foram pedidas por estes e se
entenda que elas constituem embaraço a justiça, em tese são os Senadores
objeto da escuta ambiental que deveriam ser questionados sobre a
iniciativa. Isso, evidentemente, atrairia a competência do foro por
prerrogativa de função que é o Supremo Tribunal Federal.
Tanto mais é surpreendente, isto sim,
que a Presidente do Conselho Nacional de Justiça vá à imprensa, não
para admoestar magistrados que ultrapassam a linha do bom senso em suas
atitudes e decisões, mas para se dirigir com dedo em riste ao Presidente
do Senado Federal, com discurso não menos surpreendente de se ver como
destinatária de cada crítica que se faça em tom mais ou menos
contundente a magistrados que procedem de forma, no mínimo,
controvertida.
O Conselho Nacional de Justiça é
órgão de controle externo da magistratura e tem, também, uma atuação
correcional em relação a estes. Não deve a dirigente do órgão se
confundir com aqueles que deve disciplinar, pois assim fazendo, reforça
os desvios de conduta e se porta feito porta-voz de uma corporação e não
de uma instituição.
Não é mais novidade para ninguém que
certos padrões de comportamento de elevado risco para o governo das
instituições no País têm fundo corporativo. É mostrando os dentes que as
mais poderosas categorias do serviço público se alavancam para negociar
vantagens.
Não é à toa que suas associações de
classe são recebidas nos gabinetes parlamentares e em órgãos de gestão
financeira do executivo com tapete vermelho, água gelada e café,
enquanto aos servidores comuns e mortais só resta a via da greve e das
manifestações públicas.
Não é à toa que essas categorias
musculosas estão no topo da cadeia alimentar do Estado brasileiro,
recebendo ganhos desproporcionalmente superiores a outros servidores que
exercem suas funções com igual ou maior denodo e risco pessoal que Suas
Excelências.
Trata-se de grave distorção no sistema de remuneração do setor público brasileiro, que em nada contribui para sua eficiência.
Trata-se de grave distorção no sistema de remuneração do setor público brasileiro, que em nada contribui para sua eficiência.
Ao invés de querer colocar limites
aos reclamos do Presidente do Senado Federal, a Senhora Presidente do
CNJ faria melhor em dar sua contribuição para a contenção de atitudes de
risco dos magistrados e buscar diálogo entre poderes para impor ordem
ao sistema remuneratório do serviço público federal.
O melhor caminho para isso seria a
desvinculação de todos os ganhos de servidores daqueles de atores que
estão em posição de puxar o trem e gastos com aumentos a seu favor:
Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado,
Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados e Senadores.
Norma constitucional deveria vedar
essa vinculação e dispor que o teto do serviço público (excluídos o dos
atores políticos mencionados) fosse estabelecido pela Lei de Diretrizes
Orçamentárias e o ganho de cada categoria devesse guardar proporção, com
base nos vetores de risco e complexidade, com as demais, de sorte que
não se admita que um general de exército ganhe brutos em torno de 14.000
reais mensais, um professor titular de universidade receba cerca de
12.000 reais, quando um jovem membro do ministério público seja
remunerado com quase 30.000 reais no mesmo período.
Para articular essa revolução de
ganhos, que seja capaz de neutralizar condutas de risco de categorias
por prestígio, é fundamental o consenso entre os poderes da República,
para constituir o SINAGEPE – Sistema Nacional de Gestão de Pessoal,
integrando os três poderes e, aos poucos, as administrações estaduais e
municipais através de matriz única de ganhos, quiçá regionalizando-a e
submetendo-a a um fundo solidário de compensação de debilidades
financeiras dos entes que compõem a Federação.
Só assim se coloca cada agente do
Estado em seu quadrado. Zela-se pelo controle universal de gastos de
pessoal e se moraliza a atuação dos diversos atores nos três poderes de
modo a se estabelecer, no Brasil, pela primeira vez, um
“Berufsbeamtentum”, um funcionalismo profissional como existe em outras
economias mais fortes deste planeta.
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