20/03/2018
FRONTEIRA DA PAZ
Caravana de Lula no Sul reúne quatro presidentes numa praça rodeada de povo
Encontro público na Praça Internacional, que tem um lado em Santana do Livramento (RS) e outro em Rivera, Uruguai, encerra dia o ex-presidente. "Resistência" é palavra da vez
Para o uruguaio Pepe Mujica, Lula é o único que pode pacificar o país
São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma conversa pública com os ex-presidentes José Pepe Mujica, do Uruguai, e Dilma Rousseff. Sentados no centro da Praça Internacional, que marca a fronteira entre a cidade uruguaia de Rivera e Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, os três foram acompanhados pelo ex-presidente do Equador, Rafael Correa.
O local tinha ainda presentes dois ex-governadores gaúchos, Olívio Dutra e Tarso Genro, e vários parlamentares. Estudantes, agricultores, trabalhadores locais e de outras cidades enchiam a praça. As conquistas sociais e econômicas alcançadas pelos governos da região e os ataques sofridos, sobretudo no Brasil e na Argentina, foram assuntos do encontro.
Mujica, que hoje ocupa uma cadeira no Senado e compõe a base do governo da Frente Ampla no Congresso, conseguiu eleger seu sucessor Tabaré Vázquez em 2014. No mesmo ano, Dilma Rousseff foi reeleita com voto de 54 milhões de brasileiros. No Uruguai, o governo da Frente Ampla é atacado por todos os lados, mas resiste em condições de defender as políticas públicas que criou. No Equador, Correa também elegeu seu sucessor em 2017 – mas acabou rompendo com seu ex-correligionário Lenin Moreno, presidente que promove uma liberalização da economia. No Brasil, no entanto, Dilma foi destituída por um golpe jurídico parlamentar 20 meses depois de tomar posse e o país é onde a marcha do retrocesso, de forma arbitrária, anda mais acelerada.
O uruguaio lamenta que parte dos governos sul-americanos esteja obcecada por um ajuste econômico desprovido de sensibilidade social. "Não se pergunta como está o povo. Esse é um problema. Tem que ter estabilidade econômica, mas tem que se preocupar em distribuir renda. A grande pergunta é: as pessoas estarão mais felizes?"
O cenário atual aumentou o ódio de classes no Brasil, diz Mujica. Para ele, Lula é a liderança nacional capaz de pacificar o país. "Não creio que o embate e o choque contínuo sejam bons para qualquer sociedade. Isso significa aprender a tolerar e negociar tudo que for necessário. O principal é que possamos viver com tranquilidade. Esse parece o desafio de toda a América Latina. Não acredito que se possa avançar com ódio. Com ódio se retrocede", disse, defendendo o direito de Lula disputar a eleição em outubro.
Lula afirma que o atual momento político da América Latina tem a influência dos Estados Unidos. "Na América do Sul, criamos um jeito de fazer política que incomodou. Eles não estavam habituados com que a América tomasse suas decisões econômicas, construir o Mercosul. Fizemos uma política para compartilhar a riqueza que produzíamos. Foi um momento bom para todo mundo, incluindo o Uruguai e Brasil", assinalou.
Dilma observa que a crise econômica e social só cresceu depois do golpe de 2016. "Nós deixamos claro que era um golpe, e ele mostra sua face. Os golpistas aprovaram uma agenda que tinha sido derrotada quatro vezes seguidas. E deu errado. Eles não têm candidatos para continuá-la. Além disso, criaram um monstro: a extrema-direita, que não tinha voto, nem voz. O golpe se auto derrotou."
Mujica pondera que a derrota da esquerda na América Latina é também resultado de seus erros. Ele alerta que se não houver uma firme unidade, dificilmente voltará ao poder tão cedo. "Se brigamos por igualdade, temos o dever de viver como vive a maioria do povo e não como vive a minoria privilegiada. Os partidos de esquerda devem cuidar enormemente da conduta e da vida das pessoas que representamos." E destacou a necessidade de se formarem novas lideranças. "É preciso construir novos lutadores sociais."
O senador uruguaio avalia que os governos progressistas poderiam ter feito mais – tal como Lula reconheceu, na quarta-feira (14), em Salvador, que seus governos ficaram aquém das necessidades do Brasil. "Na próxima vez, teremos que nos juntar porque eles nos querem divididos, atomizados, porque assim somos mais fracos. Temos de entender nossas diferenças e colocar por cima das diferenças as políticas comuns. É a única maneira de ser forte no mundo que vem por aí."
O debate é apenas a segunda parada da caravana de Lula pela região sul do Brasil – que pela manhã visitou o campus da Universidade Federal do Pampa, em Bagé (RS). A bateria de viagens tem eventos programados em pelo menos 19 cidades e passará por Santa Catarina e Paraná, onde termina com um ato público no próximo dia 28, em Curitiba.
Nesta terça-feira (20), a comitiva viaja para Santa Maria, cidade de 280 mil habitantes na região central do estado, a cerca de 300 quilômetros da capital. O ex-presidente será recebido em reunião com reitores e diretores na Universidade Federal de Santa Maria às 14h. A universidade é uma das mais tradicionais do Rio Grande do Sula e ganhou expansão com três novos campi em municípios ao norte do estado a partir de 2005.
O dia termina com ato público no bairro Nova Santa Marta, fundado em 2006 e fruto de uma ocupação iniciada em 1991. Na quarta (21), a caravana estará em São Borja, 300 quilômetros a noroeste, junto à fronteira com a Argentina. A cidade tem história associada aos principais nomes do trabalhismo brasileiro. Abriga os museus de Getulio Vargas e João Goulart – e lá também foram sepultados os corpos do ex-presidentes.
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