quinta-feira, 22 de março de 2018

Nº 23.695 - "O regime colonial do espírito"

.

22/03/2018

O regime colonial do espírito

O economista bufunfeiro é quase sempre um "cosmopolita", no pior sentido da palavra. Normalmente adestrado no exterior, sua ligação com o país é tênue e duvidosa


Da Carta Capital — publicado 22/03/2018 00h10, última modificação 21/03/2018 15h29

1280px-Henrique_Meirelles_recebe_o_ministro_das_Finanças_do_Reino_Unido_-_35900102350.jpg
Henrique Meirelles, em cerimônia de recepção do Ministro das Finanças britânico


por Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Nogueira Batista Jr.Quero voltar a falar da famigerada turma da bufunfa. O leitor já conhece os seus feitos e façanhas. O núcleo duro é composto de banqueiros e financistas. A serviço deles estão economistas, jornalistas e outros profissionais, alguns muito prestigiados e bem remunerados, outros nem tanto e ansiosos para subir na vida.

Tenho por esses economistas bufunfeiros um divertido horror. Há exceções, claro, mas de maneira geral eles se notabilizam por uma mistura de ignorância, oportunismo e falta de imaginação. Recentemente, escrevi um artigo em CartaCapital sobre eles, tomando como exemplo um economista que ocupa posição elevada no governo federal.

Nelson Barbosa, ministro da Fazenda no governo Dilma, resolveu tuitar o artigo. Desencadeou-se uma pequena tempestade. Foram, sem exagero, centenas de reações, a maioria (confesso) negativas. Impressionante o número de gente ansiosa para defender o alto funcionário governamental e disposta a lançar insultos contra este pobre e indefeso articulista.

Fiquei quieto. Esperei alguns dias e respondi apenas que os insultos me fizeram lembrar a observação de Dom Quixote: “Ladram, Sancho, sinal de que cavalgamos”.

Assim, acredito que preciso voltar ao assunto. Estou aparentemente no caminho certo. Não cabe dar muito descanso à turma.

Há uma dimensão do economista bufunfeiro que não pode ser subestimada: ele é quase sempre “cosmopolita”, no pior sentido da palavra, no sentido em que ela foi usada por Euclides da Cunha, por exemplo, para quem o cosmopolitismo era “o regime colonial do espírito”.

A ligação do bufunfeiro com o Brasil é tênue, duvidosa. Começa pela sua formação, que se dá nos Estados Unidos (ou em escolas brasileiras de economia que ensinam à moda americana). Dos Estados Unidos, o futuro bufunfeiro volta bem treinado – adestrado seria talvez a palavra mais apropriada – e capaz de repetir sem críticas os ensinamentos recebidos.

Como dizia Nelson Rodrigues, brasileiro não pode viajar. O estudo no exterior produz uma verdadeira desnacionalização mental – os alunos absorvem não só conceitos e teorias, mas também valores. Saem daqui provincianos, suburbanos, e voltam orgulhosos “cidadãos do mundo”, aparentemente sofisticados, na verdade espiritualmente castrados.

A fragilidade psicológica do brasileiro chega a ser comovente. Há casos particularmente medonhos. São aqueles que estudam nos EUA e depois fazem carreira em organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Esses aí costumam se destacar pelo vira-latismo. De novo, há exceções (e eu espero ser uma delas), mas o padrão geral é bisonho.

Nos meus mais de oito anos em Washington, como diretor-executivo do FMI pelo Brasil e outros países, conheci vários desses economistas, não só brasileiros, mas outros latino-americanos. A sua função é dar uma aparência local à defesa dos interesses do establishment internacional. Recebem em troca cargos, homenagens e benesses. Não raro, retornam a seus países de origem para ajudar a enquadrá-los nos “consensos” internacionais do momento.

Conto um pequeno episódio, ligeiramente cômico, que é ilustrativo do que quero dizer. No início de 2017, quando eu estava em Xangai, como vice-presidente do banco estabelecido pelos BRICS, representantes do governo da China nos procuraram para pedir que ajudássemos a reforçar os resultados da cúpula dos líderes dos BRICS, que ocorreria em setembro, em Xiamen.

Uma das sugestões era preparar um documento sobre os BRICS e a economia mundial que contribuísse para consolidar a visão dos cinco países sobre grandes temas internacionais. A ideia foi bem recebida pelo banco.

Em uma reunião dos BRICS, em abril, os chineses apresentaram aos outros quatro países as suas propostas para a cúpula. Fui convidado a explicar como o banco dos BRICS pretendia contribuir, inclusive na preparação de um documento sobre temas econômicos internacionais.

Abriu-se em seguida a discussão, e o primeiro a pedir a palavra foi o representante brasileiro, um assessor internacional do ministro Meirelles, economista formado nos EUA e com longa carreira no FMI. Sem o menor constrangimento, declarou taxativamente que não via razão para o banco dos BRICS dedicar-se a essa tarefa, pois dispúnhamos dos relatórios do FMI!

Não é caricatura, leitor. Era o regime colonial do espírito, outra vez.


Os chineses não entenderam nada.


Paulo Nogueira Batista Jr. Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista