terça-feira, 27 de março de 2018

Nº 23.743 - "No Roda Viva, Moro distorce fatos que envolvem Teori Zavascki e preserva auto-imagem de herói. Por Joaquim de Carvalho"

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27/03/2018

No Roda Viva, Moro distorce fatos que envolvem Teori Zavascki e preserva auto-imagem de herói. Por Joaquim de Carvalho


Do Diário do Centro do Mundo  -  27 de março de 2018


Moro no Roda Viva: disse o que lhe convinha, sem ser devidamente questionado


por Joaquim de Carvalho


Resultado de imagem para joaquim de carvalho jornalistaNa entrevista ao Roda Viva, Sergio Moro fez um relato que não corresponde aos fatos. Pode ter feito outros com o mesmo defeito.

Mas este, seguramente, não se deu como narrado. Ele recordou que, no início de 2014, a operação Lava Jato quase acabou por decisão do ministro Teori Zavascki.

Moro disse que o ministro tinha mandado soltar todos os presos da operação. Era a consequência óbvia do habeas corpus obtido pela defesa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se encontrava preso. 

O fundamento do HC era a ilegalidade da operação, que não poderia estar em Curitiba por algumas razões legais, entre elas a falta de competência do juiz.

A sede da Petrobras é no Rio de Janeiro, não no Paraná, e, na origem da investigação, em 2006, um dos envolvidos nos fatos apurados pela Polícia Federal era o então deputado federal, José Janene.

Como havia o parlamentar envolvido, o inquérito deveria ter sido remetido, já naquela época, ao Supremo Tribunal Federal, mas Moro, por razões que nunca ficaram claras, decidiu segurar a investigação em Curitiba, e manter sob sua jurisdição o doleiro e sócio de Janene, Alberto Youssef.

No Roda Viva, Moro contou a história até uma parte, com uma dramaticidade que lhe cai bem na figura do herói: ele disse que ficou arrasado com a decisão de Teori, voltou para casa (segundo ele, de bicicleta) cabisbaixo. Aquilo seria o fim da Lava Jato.

Ele disse que informou a Teori que a decisão colocaria na rua até um grande traficante — cliente de Youssef —, preso no pacote dos primeiros dias da operação. Moro afirmou, na TV, com um esboço de sorriso e piscando muito, que Teori reviu a decisão. 

“Ele não tinha todas as informações e, por isso, tinha tomado aquela decisão. Mas ele reviu”, disse.

O jornalista Ricardo Setti, revelando elevado grau de despreparo, perguntou se ele tinha informado Teori por e-mail.

Não, esclareceu Moro, as comunicações no Judiciário são feitas por papel, dentro do processo, “não existe um telefone vermelho”.

O que Moro não disse é que, além de fazer a comunicação formal, ele deixou de cumprir a decisão e, ao mesmo tempo, houve um vazamento para o site da revista Veja, que publicou um texto com o título “STF manda soltar acusado de tráfico internacional de drogas”.

Logo a nota da revista repercutiu e foi para a TV Globo. Teori começou a ser criticado e, então, ele deu entrevista à Globo para explicar que a decisão dele se limitava à libertação de Paulo Roberto Costa, e manteve a Lava Jato nas mãos de Moro.

“O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki voltou atrás e decidiu manter na cadeia onze presos da Operação Lava Jato”, diz Patrícia Poeta, na abertura do noticiário da TV Globo.

“O juiz de Curitiba emparedou Teori e o Supremo”, reagiu à época um advogado logo que viu a entrevista de Teori na Globo, num grupo de WhatsApp formado por criminalistas.

“Quando ministro do STF explica suas decisões na TV, a causa está perdida. Teori mostrou fraqueza, perdeu força, na mesma proporção em que Moro ganhou musculatura”, disse o criminalista Anderson Bezerra Lopes, na série de entrevista que fiz para o DCM, “As 10 maiores ilegalidades da Lava Jato”.

O caso também está descrito na reportagem “Como Sergio Moro emparedou Teori e o STF para consolidar seu poder”, publicada pelo DCM.

Ao vazar a decisão para a Veja, a vara de Moro mostrou o que viria a ser um marca da Lava Jato. A utilização da imprensa como aliada nos processos judiciais.

A estratégia está descrita no artigo que escreveu em 2004 para a Revista CEJ (Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça Federal). Registrou ele:

“Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI (Partido Socialista Italiano), que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira”, escreveu.

O artigo, por sinal, é o roteiro do que viria a ser o trabalho da Lava Jato, dez anos depois, com o uso de recursos previstos na legislação italiana, mas não na brasileira.

Para Moro, isso não é um problema. Ele dá um jeito de ajustar a lei a seus propósitos.

E tem tido êxito, já que, em geral, suas decisões têm sido confirmadas pelas instâncias superiores.

O TRF-4, num julgamento do pleno em 2016, ao tratar da acusação de ilegalidade das escutas telefônicas, disse que a Lava Jato não precisava seguir regras dos casos comuns.

O tribunal considerou que a Lava Jato gerou uma situação inédita, “a merecer um tratamento excepcional”.

Excepcional de exceção. Exceção que não pode, em nenhum hipótese, caracterizar o trabalho da Justiça.

Alguém aí já ouviu falar em tribunal de exceção e ao que remete? Ditadura. O oposto do império da lei.


Tudo isso poderia ser objeto de questionamento na entrevista de ontem. Mas os jornalistas pareciam mais querer levantar a bola do juiz do que, propriamente, fazer as perguntas devidas, em respeito ao público.

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