domingo, 2 de março de 2014

Contraponto 13.438 - "A LENDA DOS DOIS MINISTROS"

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02/03/2014

A LENDA DOS DOIS MINISTROS

 

Quem critica escolha de dois ministros que ajudaram a derrubar crime de quadrilha deveria lembrar como foi escolha de Joaquim Barbosa

 


Da IstoÉIndependente - 1/3/2014

por Paulo Moreira Leite
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Em tom de acusação mal disfarçada,  comentaristas de veículos conservadores tem divulgado a versão, lançada por Joaquim Barbosa apos a derrota no julgamento dos embargos sobre formação de quadrilha,  de que a mudança deve ser atribuída a dois ministros indicados por Dilma Rousseff para o STF, Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski. 

Eu acho inacreditável que se possa sugerir que Barroso e Zavaski entraram no julgamento como votos de cabresto. 

Nessa visão, o julgamento da AP 470 foi tão imaculado, tão patriótico, que qualquer dissidência só se explica por motivos baixos. 

 O fundo desse raciocínio é esconder a decepção profunda de quem esperava que o debate sobre embargos fosse  uma simulação, um joguinho de aparências para livrar a cara do STF depois que vários aspectos condenáveis do julgamento – como a ausência de um segundo grau de jurisdição -- começaram a causar constrangimento entre juristas respeitados, dentro e fora do país.  

 Por fim, vamos começar lembrando o seguinte. Qualquer que seja sua opinião sobre a qualidade dos dois novos ministros, sua isenção, sua competência, será difícil negar que, em qualquer caso, a escolha dos dois  obedeceu a critérios mais adequados e consistentes, do ponto de vista da Justiça e do Direito, do que os métodos empregos em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva escolheu Joaquim Barbosa para integrar o STF. Por exemplo.

Tanto para indicar Zavaski como para apontar Barroso a presidente deixou de lado questionáveis critérios extrajurídicos que tiveram  peso na escolha de Joaquim. Lula deixou claro, em 2003, que pretendia quebrar um parâmetro no STF e decidiu escolher um jurista negro para ocupar uma das vagas em aberto. A partir daí, em várias consultas, o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos começou  conversar com possíveis candidatos. Fez duas entrevistas, gostou dos nomes, mas os dois candidatos possuíam impedimentos maiores. O governo até pensou em desistir por um momento mas já era tarde. 

A notícia de que Lula pretendia indicar um negro para o STF fora divulgada pela coluna de Monica Bergamo, na Folha, colocando os movimentos de luta contra o racismo de pé, cobrando a nomeação. Foi assim que surgiu o nome de Joaquim Barbosa, que havia se apresentado a um velho amigo de Lula, Frei Betto, numa sala de espera da Varig. A candidatura teve um apoio social importante, muito além de lideranças do movimento negro. Então um sindicalista de prestígio no governo Lula, o próprio Henrique Pizzolato – hoje preso na Itália – foi acionado para ajudar na escolha de Joaquim e defendeu seu nome junto a Gilberto Carvalho.

Cabe fazer outras considerações em torno das insinuações baixas  sobre Barroso e Barbosa.
Seria uma observação razoável se Luiz Fux, o ministro que comparou o PT ao bando de Lampião, não tivesse sido nomeado, ele também, por Dilma. 

Sublinhando dois votos novos, como se fossem inaceitávais, sem fundamemento jurídico,  estamos falando de uma contabilidade conveniente, onde  números aparecem quando interessa e desaparecem quando convém.

Com ela, pretende-se  esconder vários fatos jurídicos e políticos relevantes.
O primeiro é a fragilidade da denúncia sobre o crime de quadrilha do ponto de vista de vários juristas respeitáveis. 

Eles consideram difícil imaginar que José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e tantos outros condenados tenham se associado para cometer crimes – e não para fazer política. 

Você pode até afirmar que cometeram atos ilícitos. Pode apontar desvios. 

Mas para acreditar que trocaram a luta política para se transformar numa espécie de criminosos de colarinho branco é preciso encontra provas e fatos mais consistentes do que a teoria do domínio do fato. 

Uma quadrilha é formada por pessoas que cometem crimes com a finalidade de cometer mais crimes.
Não se iludam.

 Se a denúncia de formação de quadrilha fosse mais do que a literatura agressiva, bem arquitetada  mas oca que se ouve no STF desde 2006, o placar teria sido outro. É isso que se quer esconder no debate para fingir que tudo pode ser resumido a uma troca de favores. 

 Um dado  essencial  na decsäo é a perda de autoridade de Joaquim Barbosa entre colegas. Acompanhada de um comportamento interno, autoritário, parcial e grosseiro, a movimentação política-eleitoral de Joaquim diminui sua credibilidade como presidente do STF. 

Vários ministros se perguntam o que ele faz por convicção jurídica, o que faz por interesse político. E muitos se perguntam o que fará com eles próprios – diante das câmaras de TV -- caso sintam necessidade de divergir do presidente. 

O que se viu no debate sobre formação de quadrilha é que o plenário começou a reagir a Joaquim.
Quando ficou claro que o presidente pretendia encerrar a sessão de qualquer maneira, na quarta-feira, o que deixaria Barroso solitário em seu voto contra o crime de quadrilha, ocorreu uma cena outrora impensável. Joaquim foi interrompido por Carmen Lúcia, que pediu que os demais ministros antecipassem seus votos, mostrando quem é que estava em minoria. 

O dia terminou em 4 a 1 contra Joaquim, impedindo que se repetisse, desta vez, o circo dos meios de comunicação para socorrer o presidente do STF, como se fez contra Celso de Mello no debate sobre os embargos. 

 O discurso de Joaquim, após a derrota, foi ouvido em silêncio por um plenário que já não lhe dá muita atenção. Foi um pronunciamento agressivo, impróprio e inócuo. Ofendeu Dilma. O presidente do tribunal disse que fazia um alerta a Nação, o que é absolutamente inapropriado para um juiz e sempre serve como advertência quando colocada na boca de um candidato. 

Falar à Nação? Ame-o Ou Deixe-o? Salvador da Pátria?
 Isso é coisa para um juiz? 

A tentativa de denunciar – o que é verdade -- que os ricos tem tratamento preferencial na Justiça enquanto  pobres são condenados com muito mais frequência ficou prejudicada pelo currículo de seus companheiros de voto. Você pode gostar ou não de quem se aliou a Joaquim. Pode reconhecer méritos e conhecimentos jurídicos em sua história. Ou pode identificar, ali, casos de desprezível oportunismo. Mas foi com essas pessoas que ele tentou impedir, de qualquer maneira, que o STF corrigisse um erro de oito anos.  

Um dos ministros absolveu Fernando Collor. Outro deu habeas corpus para o banqueiro Salvatore Cacciola. Um terceiro abriu a porta da prisão, duas vezes, para o banqueiro Daniel Dantas. O quarto foi atrás de ricos, pobres e até acusados da Ação Penal 470 para conseguir apoio para vestir a toga do STF. 

 O terceiro fato relevante da decisão envolve, sim, os dois novos juízes. Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski demonstraram, no julgamento, uma cultura jurídica consistente, de quem tem argumentos próprios para tomar decisões e não se deixa intimidar. Se a experiência ensina que até os melhores juízes são miseravelmente humanos, e nenhum deles está inteiramente vacinado contra pressões e valores de sua época, os dois demonstraram ali, quando era previsível que receberiam as críticas feitas agora, que seu conhecimento e suas convicções teriam mais importância na tomada de decisões do que outros fatores. 

Assumiram posturas coerentes com aquilo que sempre disseram em outras ocasiões. Sempre foram elogiados por seus argumentos. O simples fato de votarem contra um capítulo do  “maior julgamento da história” deve coloca-los sob suspeita? 

Com o aposentadoria antecipada de Joaquim Barbosa, que confirmou a saída em breve até para Dilma Rousseff, o STF entrará em nova fase. Novo presidente, Ricardo Lewandovski sai da AP 470 maior do que entrou. Mostrou personalidade para manter suas convicções ainda que o comportamento intolerante de Joaquim em plenário tenha servido de estímulo a reações selvagens quando andava na rua. 

Também teve capacidade para apontar pontos fracos em vários momentos do julgamento.
Lewandovski se manifestou a favor do desmembramento, em agosto de 2012, abrindo um debate necessário que se prolonga até hoje, quando o STF terá de julgar a renuncia de Eduardo Azeredo.  
Lewandovski ainda registrou o agravamento artificial das penas pelo crime de quadrilha, num levantamento que seria empregado por Barroso e Zavaski na quinta-feira. 

Se, em setembro passado, foi Celso de Mello quem deu o voto decisivo que permitiu aos réus apresentarem seus embargos infringentes, única chance de uma revisão do julgamento, limitada e especialíssima, Lewandovski ajudou a cimentar a base de ministros que formou a maioria daquela vez. 

Embora tenha sido derrotado na maioria das votações da ação penal 470, assumiu a postura respeitosa que se revelou vitoriosa no fim. Podia perder no voto mas ganhava na atitude. 

Como revisor, ele foi tratado como um inimigo -- sim, inimigo -- pelo relator e depois presidente da corte, que poucas vezes agiu com a isenção que se espera de um juiz. Quase sempre em minoria, Lewandovski foi um dos  arquitetos do ambiente de tolerância e abertura à divergência, que levou aderrota do crime de quadrilha e permite aguardar por um debate maduro sobre os embargos que envolvem o crime de lavagem de dinheiro.     


Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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