06/07/2016
Hêider Pinto: Interesses privados e corporativos querem mutilar o Mais Médicos no Congresso
Viomundo - 05 de julho de 2016 às 21h03
O Programa Mais Médicos vai aonde a população está. Fotos: Araquém Alcântara, do Livro Mais Médicos
por Hêider Pinto, especial para o Viomundo
No dia 29 de abril, a presidenta eleita, Dilma Rousseff, assinou a Medida Provisória (MP) 723 que garantiu por mais três anos a atuação de médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior no Programa Mais Médicos (PMM).
Esta MP pode ser votada nesta quarta-feira, 6 de julho, no Congresso Nacional. Interesses corporativos e privados querem fazer mudanças que podem resultar na mutilação desse Programa que tem melhorado a saúde de mais de 63 milhões de brasileiros — antes sem atendimento médico.
O objetivo da MP 723 é garantir que aproximadamente 7 mil médicos não tivessem que abandonar o Programa até janeiro de 2017 e, assim, deixar 24 milhões de brasileiros sem assistência.
Embora em 2015 e 2016 todas as novas vagas tenham sido preenchidas por médicos brasileiros, ainda assim, apenas 5 mil deles, de um total de mais de 18 mil, são brasileiros com registro no Brasil.
Além disso, até agora, os médicos brasileiros não se interessaram em atuar em mais da metade dos 4.000 municípios atendidos pelo Programa e, ainda, permanecem tempo menor que os estrangeiros.
Em resumo: os profissionais brasileiros ou estrangeiros formados no exterior são imprescindíveis ao Programa Mais Médicos.
O Ministério da Saúde provisório emitiu declarações contraditórias.
Disse inicialmente que iria reduzir os estrangeiros. Num segundo momento, após pressão de secretários de saúde e prefeitos, garantiu que manteria o Programa como estava.
Só que, na prática, o governo provisório não fez nenhum esforço para votar a MP e, não fosse a iniciativa de parlamentares que defendem a saúde e o SUS, a mesma teria perdido a validade gerando o desmonte do Programa.
Contudo, com previsão de ser votada nesta quarta-feira, a MP poderá sofrer alterações que inviabilizam o Programa ou alteram aquilo que nele há de mais estruturante para assegurar nos próximos anos uma medicina de qualidade para todos brasileiros.
Algumas alterações são propostas por aqueles poucos parlamentares que, acima de tudo, representam os interesses dos grupos médicos mais conservadores e corporativos. O maior objetivo deles é assegurar a reserva de mercado médico no Brasil.
Para isso, são contra a atuação de médicos estrangeiros e a abertura de novas escolas médicas. O Mais Médicos — é importante lembrar — prevê a criação de 11,5 mil vagas de medicina no País até 2017.
Porém, eles terão muita dificuldade de aprovar por maioria as propostas que visam impedir a atuação de estrangeiros no Mais Médicos, derrubar a prorrogação de três anos feita pela presidenta Dilma e romper a cooperação internacional com a Organização Pan-Americana da Saúde e Cuba.
Isso porque praticamente a totalidade dos prefeitos defende fortemente a continuidade dos estrangeiros e não aceitará o desmonte de um programa muito bem avaliado pela população (aprovação de mais de 90%) num ano de eleições municipais.
Já a meta de ampliar o acesso ao ensino superior para a medicina no interior do país — em especial, no Norte e no Nordeste — pode não resistir à votação de amanhã ou as dos próximos meses quando também poderão ser apreciadas mais de vinte emendas que alteram a lei do Programa Mais Médicos.
De um lado, há o grupo que é contra qualquer expansão de vagas. Usa o discurso da qualidade, mas, na verdade, para ele quanto menos médicos melhor a remuneração. Simples assim.
Do outro, há os parlamentares que representam os interesses dos grupos privados de educação. Fazem o discurso da oportunidade de se formar como médico, mas querem tirar da lei justamente a parte que disciplina a regulação do Estado com o objetivo de garantir qualidade e só deixar abrir escola privada onde não houver faculdade de medicina já aberta, onde não houver expansão pública e nos locais com necessidade social.
Para o mercado privado e seus representantes no Congresso, a única coisa que interessa é abrir escola onde tenha pessoas com dinheiro e possam pagar.
Como o segundo grupo é maior que o primeiro, a última posição tem mais chances de prevalecer. Ou talvez haja aí uma oportunidade para aqueles que defendem a regulação do Estado em função da necessidade social e, assim, conseguirem manter a lei como está.
Outras tantas propostas de alteração se referem ao elemento mais estruturante do Programa Mais Médicos: a mudança da formação médica que inclui também a formação de especialistas.
A lei do Mais Médicos colocou o Brasil no caminho trilhado por países que tem sistemas de saúde elogiados em todo o mundo, como Reino Unido, Canadá, Espanha e Cuba.
Esses países deram prioridade à atenção básica e optaram por formar um médico especialista em Medicina de Família e Comunidade para atuar na mesma com capacidade de resolver aproximadamente 85% dos problemas de saúde apresentados pelas famílias.
A lei do Mais Médicos promoveu novas diretrizes para o curso de medicina, determinou que deveria haver vaga de residência médica (curso que forma os médicos como especialistas) para todos os médicos formados e que antes de se formarem como especialista de uma parte do corpo deveriam ser especialista no todo. Ou seja, especialista em Medicina de Família e Comunidade.
As pesquisas mostram que os profissionais do Programa Mais Médicos são melhor avaliados: a população considera-os mais atenciosos, competentes e resolutivos. Não é porque a maioria é cubano, italiano, argentino ou de qualquer das outras 40 nacionalidades do Programa. É porque a maioria é especialista em Medicina de Família e Comunidade, gosta e é preparado para atuar na atenção básica. Tanto que pesquisas mostram resultados semelhantes entre os médicos do Programa e médicos brasileiros que são especialistas nesta área.
A lei exige que o médico que quiser fazer especialização em Dermatologia ou Cirurgia plástica, por exemplo, antes tenha que fazer 1 ou 2 anos a formação em Medicina de Família atendendo na atenção básica do SUS.
Assim, em 2019, teríamos mais 18 mil médicos atendendo a população no SUS e sendo formados numa especialidade que, optando por ela ou fazendo outra depois, faria dele um profissional mais integral, humano e preparado para responder melhor às necessidades de saúde da população.
Contudo, a parte mais conservadora da corporação médica defende uma formação dirigida ao que é raro, caro, tenha melhor remuneração no mercado privado e exige que o paciente, para cuidar de um problema, tenha que peregrinar em consultas com vários médicos.
Infelizmente, como esse não é um tema de amplo domínio da população e como não chegam a 200 os municípios com equipes com médicos residentes em Medicina da Família já atuando na atenção básica, a tendência é a lei ser mutilada neste ponto, retrocedendo em tudo o que se avançou nos últimos três anos.
Além de ter melhorado a saúde de 63 milhões de brasileiros, o Programa Mais Médicos pavimentou o caminho de uma medicina mais humana, com mais qualidade e para todas e todos.
Já amanhã ou nos próximos meses poderemos testemunhar a destruição desse caminho.
Por isso, é fundamental a mobilização da sociedade e dos parlamentares comprometidos com a saúde em defesa da continuidade do Programa Mais Médicos como funciona hoje, assim como da manutenção dos elementos da lei que asseguram uma medicina e saúde melhor no futuro.
Hêider Pinto é médico especialista em Saúde Coletiva e responsável pelo Programa Mais Médicos no Governo Dilma
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