.
23/07/2016
Terror & golpe
Paulo Moreira Leite
Não vamos nos enganar. Não é preciso ser um admirador de Maquiavel para entender que num momento de grandes incertezas políticas como aquele que enfrentamos no Brasil a denúncia de uma possível ameaça terrorista pode ser de grande utilidade para forças que ocupam provisoriamente a presidência da República e necessitam, como é visível a cada dia, "mostrar serviço" aos olhos de uma população desconfiada de gestos e intenções para manter-se no cargo de qualquer maneira.
Vivemos uma situação de desagregação institucional em que tudo é política, como reconheceu a líder do governo Rose de Freitas, ao explicar por que o Senado afastou Dilma sem prova de crime de responsabilidade.
Não é preciso ficar com complexo de republica bananeira, porém. Basta lucidez.
Na França que já deu lições de liberdade, igualdade, fraternidade, o
mesmo presidente François Hollande que enfrenta uma insurreição de
trabalhadores em defesa de seus direitos -- situação que pode repetir-se
no Brasil caso Michel Temer siga em frente com seu programa de
aniquilar a CLT -- transformou a ameaça terrorista na preocupação número
1 de seu governo.
Mesmo assim, não há dúvida que a campanha do medo operou um previsível milagre de natureza eleitoral. Transformou Hollande, até então um George W Bush da social-democracia francesa, num candidato minimamente competitivo para enfrentar o fascismo nas eleições presidenciais.
Essa considerações recomendam prudência e bom senso diante da prisão de dez brasileiros que podem vir a ser um dia considerados suspeitos de terrorismo. Para tanto, é bom lembrar, será preciso que informações hoje em estagio muito preliminar se transformem em indícios e provas. Não custa sublinhar -- mesmo fora de moda -- o principio da presunção da inocência. Ninguém quer construir uma nova Guantânamo, certo?
Está claro que nenhuma pista contra a ameaça do terror pode ser desprezada, pois, se forem indícios consistentes e corretamente investigada, podem impedir atos de barbárie que ameaçam vidas inocentes, inclusive crianças, como se confirmou em Nice.
O problema é que toda iniciativa para transformar um episódio inconclusivo em grande espetáculo, sem justificativas razoáveis, equivale a uma demonstração de desprezo absoluto pela inteligência do cidadão brasileiro. Também é um ato contraproducente do ponto de vista de toda investigação, que envolve material de inteligência sensível, necessita de prudência e segredo, em vez de espalhafato e sensacionalismo.
O desvio para os holofotes é apenas parte do problema, porém. Outro sinal é político e diplomático.
A postura mostra um passo, no governo Michel Temer, para alinhar o
aparato policial e jurídico do estado brasileiro com as prioridades do
governo norte-americano. É compreensível, diante do isolamento
internacional do golpe. Deve ser visto como mais um capítulo num
programa de generosas gentilezas externas que inclui, como grande
troféu, a abertura do pré-sal da Petrobras a grandes empresas
estrangeiras.
Não custa lembrar que o principal reflexo, no Brasil, do atentado de 11 de setembro foi um reforço das investigações da CIA e outros órgãos do serviço secreto contra imigrantes palestinos na região da Tríplice Fronteira, com base em suspeitas que a própria embaixada dos EUA em Brasília considerava pouco mais do que risíveis.
Não por acaso, Washington não deixou de aplaudir, uma década e meia depois, a lei anti-terrorismo aprovada pelo Congresso, por iniciativa do governo Dilma.
Interessada em embelezar toda e qualquer medida do governo Temer que possa contribuir para a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado, a mídia grande não perdeu a oportunidade de ressaltar a "colaboração" do serviço secreto dos EUA nas investigações. A realidade diplomática entre os dois países permite acreditar que seja muito mais do que isso, vamos combinar.
Há outro ponto a observar. É certo que, por sua própria natureza, as ações terroristas não obedeçam a uma lógica previsível nem racional. Não custa ponderar porém que seus alvos mais frequentes envolvem países e governos que tem uma postura agressiva nos conflitos do Oriente Médio, participando ativamente de operações de apoio em relação a diplomacia norte-americana. Os atentados de Madri e Londres ocorreram depois que os governos da Espanha e da Grã Bretanha se engajaram na invasão do Iraque. A França entrou no radar depois de patrocinar a queda de Kadhafi, na Líbia e realizar oções de guerra na Siria e no Iraque. Costumava ser poupada depois que, ao lado da Alemanha e governo brasileiro, recusou apoio a Bush guerra do Iraque.
Seguindo este raciocínio, que está longe de ser conclusivo, estudiosos consideram que até agora a postura diplomática do governo brasileiro, alinhado com a defesa intransigente da soberania de cada povo para escolher e definir seus governos, ajuda a entender porque o país tem sido preservado, até aqui,de ações dessa natureza.
Isso não representa garantia nenhuma, muito menos na conjuntura de um país que irá sediar uma Olimpíada. Mas mostra a necessidade de se evitar toda e qualquer medida fora do tom adequado.
O único suspeito real até agora é o ministro da Justiça Alexandre Moraes, que acabou corrigido pelo juiz do caso por dizer mais do que poderia.
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista