30/07/2016
Moro não é Juiz. É um cruzado!
Na Europa, Juiz que vaza vai pra rua!
Do Conversa Afiada - publicado 30/07/2016
O Conversa Afiada esteve (29/07) na coletiva de imprensa convocada pela equipe de advogados do ex-presidente Lula, em São Paulo. O objetivo da reunião foi apresentar, em detalhes, a denúncia dos abusos da Operação Lava Jato à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.
A reunião contou com a participação dos advogados de Lula, Roberto Teixeira e José Roberto Batochio, além do jurista Luiz Moreira e do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). Por telefone, também participaram, de Londres, Cristiano Zanin e o advogado britânico Geoffrey Robertson, especialista em causas que envolvem os Diretos Humanos.
O documento entregue à ONU relata situações de abuso de poder e violação do Pacto de Direitos Civis e Políticos pelo juiz Sérgio Moro e procuradores federais contra Lula. A ação solicita que a Comissão de Direitos Humanos se pronuncie em relação ao fato de Moro ter atacado direitos básicos do ex-presidente, como o direito à privacidade, presunção da inocência e o direito de ser julgado por um juiz imparcial.
O governo brasileiro ratificou o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU em 1992 e, em 2009, um protocolo adicional que conferiu acesso ao Comitê de Direitos Humanos - um comitê composto por 47 estados e 18 juízes. Lula é o primeiro brasileiro a recorrer à Comissão.
Geoffrey Robertson falou aos jornalistas por cerca de uma hora sobre o caso.
Seguem trechos da entrevista, com perguntas de Paulo Henrique Amorim:
PHA: Eu gostaria de saber do sr. Robertson se ele considerou o fato de o juiz Moro defender publicamente o vazamento de delações parciais. Esses vazamentos são feitos exclusivamente para os órgãos de imprensa da chamada grande mídia brasileira. Por exemplo: Globo e seus colunistas e articulistas, Folha de São Paulo e seus colunistas e comentaristas, Valor e seus articulistas e comentaristas, O Estado de São Paulo, e algumas revistas semanais cujos nomes, na frente de senhoras aqui presentes, eu prefiro não dar.
Eu pergunto, sr. Robertson, já ouviu falar de um juiz europeu que vazasse à grande imprensa confissões parciais ?
ROBERTSON: Não. Esse tipo de comportamento causaria a demissão de um juiz. Ele seria dispensado se conduzisse isso na Europa ou na Inglaterra, caso se comportasse da forma que o juiz Moro vem conduzindo o caso. Ele vem agindo como uma "comissão anti-corrupção de um homem só". E ele, ou outra pessoa, está aprovando o vazamento de confissões que podem ser não-confiáveis. E isso está sendo feito com o objetivo de promover a hostilidade do público contra possíveis réus. Pessoas como Lula.
Em suas palestras, em algumas delas, ele defendeu a abordagem da Operação Mãos Limpas na Itália dos anos 1990. Ele realmente diz que a opinião pública deve ser mobilizada contra os políticos, eles devem perder a legitimidade - ele disse dessa forma. Ele praticamente defende o que aconteceu contra Craxi, o primeiro-ministro italiano, quando as pessoas se posicionaram contra ele após vazamentos da promotoria pública e apedrejaram sua casa. Você pode perceber que isso é perigoso. Afinal, tudo bem um policial ou um político fazer uma "cruzada" contra a corrupção. Mas, não um juiz. Isso desqualifica um juiz, quando ele se comporta assim.
O dever de um juiz é ser imparcial e levar em consideração as evidências de um caso sem qualquer forma de preconceito ou pré-julgamento. O papel de um juiz não é instigar a opinião pública contra possíveis réus. Isso é uma tarefa de políticos em "cruzada", ou promotores públicos. E qualquer juiz que se comprometa com instigar a opinião pública contra possíveis réus não seria autorizado a conduzir o julgamento.
PHA: Sr. Robertson, o senhor qualificou o sistema de justiça criminal do Brasil de "primitivo". O senhor, que conhece sistemas de julgamento e de judicialização criminal em um bom número de países, o senhor compararia o sistema judicial brasileiro no crime - não falo do Cívil, mas do Criminal - com que outros países?
ROBERTSON: Por "primitivo", eu quis dizer muito antigo, de antes de aprender como atacar a corrupção de forma eficaz. Antigo, pois não tem tido padrões de direitos humanos aplicados a ele, como tem acontecido com o sistema judicial de Portugal, por conta da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Existe um sistema sofisticado, eficaz e brilhante chamado ICAC (Independent Comission Against Corruption, de Hong Kong), e esse é o modelo que o Brasil deveria seguir. É uma comissão, a Comissão Independente Contra a Corrupção. Ela possui muitos poderes mas também garantias contra abusos de seus poderes. A comissão coleta provas e constrói o caso, mas não pode processar um caso por si só, ela repassa as provas a uma outra instância. Aí, não há o problema de um juiz julgar a sua própria causa - um juiz em "cruzada" é um juiz em sua própria causa, e esse é o problema, me parece, com o juiz Moro. E esse sistema existe em Hong Kong, em Cingapura, na Austrália, na Nova Zelândia, em vários outros países. E tem sido bem eficaz em combater a corrupção política.
Eu não acho que, se houvesse uma ICAC no Brasil, não haveria um "mensalão", mas os pagamentos mensais teriam sido detectados e investigamos bem antes, e não só em 2014. No atual caso de corrupção na Petrobras, idem. Você vê, há uma solução permanente para países com problema de corrupção política, que é uma comissão permanente. Elas têm um bom orçamento, se não me engano, de 0,4% do PIB, no caso de vários desses países. E é uma ferramenta muito eficaz e uma forma muito justa de manter a corrupção sob vigilância e detectar casos de propina.
Então, há uma solução e eu a recomendo a vocês, pois o atual sistema de um juiz servindo como um Eliot Ness (agente do FBI que atuou na Lei Seca contra o Al Capone), como "cruzada de um homem só", como promotor, simplesmente não é justo. E, suspeito, não é eficaz no fim das contas.
PHA: Mas voltando à minha pergunta, que companhia o Brasil tem?
ROBERTSON: Bom, há problemas em países sul-americanos, seja por possuírem sistemas inquisitórios que não passaram por reformas. Há problemas óbvios em países como a China, Rússia e em outros países onde as pessoas são mantidas em prisões por um longo tempo - até confessarem ou tornarem-se "inimigos do Estado", são atacadas pelos promotores públicos, atacadas pela mídia do governo ou por uma mídia mais persuasiva, demonizados, toda uma pressão criada em cima dos juízes... Sim, essa publicidade condenatória exerce pressão sobre os juízes.
Então, sim, eu acho que seu sistema tem questões. Eu não estou criticando a Justiça no Brasil, apenas esses aspectos que poderiam ser melhorados. Minha única preocupação é que, nesses aspectos, estão aquém dos padrões de Direitos Humanos e, a longo prazo, podem mostrar-se ineficazes.
PHA: Eu gostaria que o senhor descrevesse o que o senhor fez no Brasil e se o senhor teve a oportunidade de ler a imprensa tradicional brasileira e de assistir ao noticiário da TV Globo.
ROBERTSON: Eu vi o suficiente nas capas das revistas. Uma imagem vale mais que mil palavas, não? Eu não falo português, mas eu entendo a imagem de alguém num uniforme de presidiário. E quando eu vejo Lula retratado dessa forma, ou uma caricatura dele, ou um boneco, eu entendo a mensagem!
E eu já recebi a tradução, de português para inglês, de vários artigos e outros materiais da imprensa brasileira - infelizmente, o português não é uma língua internacional, não é uma das línguas de trabalho da ONU, então todo o caso terá de ser conduzido em inglês. O motivo é que o caso terá várias provas, e muitas dessas provas serão artigos de jornal e revistas. Então, eu tive a oportunidade de estudar essas matérias em sua forma traduzida, e muitas delas são citadas na ação, como vocês irão ver.
REPÓRTER DA BLOOMBERG: O Daily Telegraph, na manhã de hoje, publicou a primeira notícia dessa ação. E essa notícia diz que Lula poderia ser preso nos próximos dias, algo assim, antes mesmo das Olimpíadas. Eu gostaria de compreender, primeiro, se isso é verdade e, também, qual o estágio das acusações contra Lula, em qual situação está o processo neste momento. Você poderia esclarecer?
ROBERTSON: Bom, você é da Globo, então você deve saber melhor que eu...
ROBERTER DA BLOOMBERG: Eu não sou da Globo, sou da Bloomberg! Da Bloomberg News, de Nova York!
A reunião contou com a participação dos advogados de Lula, Roberto Teixeira e José Roberto Batochio, além do jurista Luiz Moreira e do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). Por telefone, também participaram, de Londres, Cristiano Zanin e o advogado britânico Geoffrey Robertson, especialista em causas que envolvem os Diretos Humanos.
O documento entregue à ONU relata situações de abuso de poder e violação do Pacto de Direitos Civis e Políticos pelo juiz Sérgio Moro e procuradores federais contra Lula. A ação solicita que a Comissão de Direitos Humanos se pronuncie em relação ao fato de Moro ter atacado direitos básicos do ex-presidente, como o direito à privacidade, presunção da inocência e o direito de ser julgado por um juiz imparcial.
O governo brasileiro ratificou o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU em 1992 e, em 2009, um protocolo adicional que conferiu acesso ao Comitê de Direitos Humanos - um comitê composto por 47 estados e 18 juízes. Lula é o primeiro brasileiro a recorrer à Comissão.
Geoffrey Robertson falou aos jornalistas por cerca de uma hora sobre o caso.
Seguem trechos da entrevista, com perguntas de Paulo Henrique Amorim:
PHA: Eu gostaria de saber do sr. Robertson se ele considerou o fato de o juiz Moro defender publicamente o vazamento de delações parciais. Esses vazamentos são feitos exclusivamente para os órgãos de imprensa da chamada grande mídia brasileira. Por exemplo: Globo e seus colunistas e articulistas, Folha de São Paulo e seus colunistas e comentaristas, Valor e seus articulistas e comentaristas, O Estado de São Paulo, e algumas revistas semanais cujos nomes, na frente de senhoras aqui presentes, eu prefiro não dar.
Eu pergunto, sr. Robertson, já ouviu falar de um juiz europeu que vazasse à grande imprensa confissões parciais ?
ROBERTSON: Não. Esse tipo de comportamento causaria a demissão de um juiz. Ele seria dispensado se conduzisse isso na Europa ou na Inglaterra, caso se comportasse da forma que o juiz Moro vem conduzindo o caso. Ele vem agindo como uma "comissão anti-corrupção de um homem só". E ele, ou outra pessoa, está aprovando o vazamento de confissões que podem ser não-confiáveis. E isso está sendo feito com o objetivo de promover a hostilidade do público contra possíveis réus. Pessoas como Lula.
Em suas palestras, em algumas delas, ele defendeu a abordagem da Operação Mãos Limpas na Itália dos anos 1990. Ele realmente diz que a opinião pública deve ser mobilizada contra os políticos, eles devem perder a legitimidade - ele disse dessa forma. Ele praticamente defende o que aconteceu contra Craxi, o primeiro-ministro italiano, quando as pessoas se posicionaram contra ele após vazamentos da promotoria pública e apedrejaram sua casa. Você pode perceber que isso é perigoso. Afinal, tudo bem um policial ou um político fazer uma "cruzada" contra a corrupção. Mas, não um juiz. Isso desqualifica um juiz, quando ele se comporta assim.
O dever de um juiz é ser imparcial e levar em consideração as evidências de um caso sem qualquer forma de preconceito ou pré-julgamento. O papel de um juiz não é instigar a opinião pública contra possíveis réus. Isso é uma tarefa de políticos em "cruzada", ou promotores públicos. E qualquer juiz que se comprometa com instigar a opinião pública contra possíveis réus não seria autorizado a conduzir o julgamento.
PHA: Sr. Robertson, o senhor qualificou o sistema de justiça criminal do Brasil de "primitivo". O senhor, que conhece sistemas de julgamento e de judicialização criminal em um bom número de países, o senhor compararia o sistema judicial brasileiro no crime - não falo do Cívil, mas do Criminal - com que outros países?
ROBERTSON: Por "primitivo", eu quis dizer muito antigo, de antes de aprender como atacar a corrupção de forma eficaz. Antigo, pois não tem tido padrões de direitos humanos aplicados a ele, como tem acontecido com o sistema judicial de Portugal, por conta da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Existe um sistema sofisticado, eficaz e brilhante chamado ICAC (Independent Comission Against Corruption, de Hong Kong), e esse é o modelo que o Brasil deveria seguir. É uma comissão, a Comissão Independente Contra a Corrupção. Ela possui muitos poderes mas também garantias contra abusos de seus poderes. A comissão coleta provas e constrói o caso, mas não pode processar um caso por si só, ela repassa as provas a uma outra instância. Aí, não há o problema de um juiz julgar a sua própria causa - um juiz em "cruzada" é um juiz em sua própria causa, e esse é o problema, me parece, com o juiz Moro. E esse sistema existe em Hong Kong, em Cingapura, na Austrália, na Nova Zelândia, em vários outros países. E tem sido bem eficaz em combater a corrupção política.
Eu não acho que, se houvesse uma ICAC no Brasil, não haveria um "mensalão", mas os pagamentos mensais teriam sido detectados e investigamos bem antes, e não só em 2014. No atual caso de corrupção na Petrobras, idem. Você vê, há uma solução permanente para países com problema de corrupção política, que é uma comissão permanente. Elas têm um bom orçamento, se não me engano, de 0,4% do PIB, no caso de vários desses países. E é uma ferramenta muito eficaz e uma forma muito justa de manter a corrupção sob vigilância e detectar casos de propina.
Então, há uma solução e eu a recomendo a vocês, pois o atual sistema de um juiz servindo como um Eliot Ness (agente do FBI que atuou na Lei Seca contra o Al Capone), como "cruzada de um homem só", como promotor, simplesmente não é justo. E, suspeito, não é eficaz no fim das contas.
PHA: Mas voltando à minha pergunta, que companhia o Brasil tem?
ROBERTSON: Bom, há problemas em países sul-americanos, seja por possuírem sistemas inquisitórios que não passaram por reformas. Há problemas óbvios em países como a China, Rússia e em outros países onde as pessoas são mantidas em prisões por um longo tempo - até confessarem ou tornarem-se "inimigos do Estado", são atacadas pelos promotores públicos, atacadas pela mídia do governo ou por uma mídia mais persuasiva, demonizados, toda uma pressão criada em cima dos juízes... Sim, essa publicidade condenatória exerce pressão sobre os juízes.
Então, sim, eu acho que seu sistema tem questões. Eu não estou criticando a Justiça no Brasil, apenas esses aspectos que poderiam ser melhorados. Minha única preocupação é que, nesses aspectos, estão aquém dos padrões de Direitos Humanos e, a longo prazo, podem mostrar-se ineficazes.
PHA: Eu gostaria que o senhor descrevesse o que o senhor fez no Brasil e se o senhor teve a oportunidade de ler a imprensa tradicional brasileira e de assistir ao noticiário da TV Globo.
ROBERTSON: Eu vi o suficiente nas capas das revistas. Uma imagem vale mais que mil palavas, não? Eu não falo português, mas eu entendo a imagem de alguém num uniforme de presidiário. E quando eu vejo Lula retratado dessa forma, ou uma caricatura dele, ou um boneco, eu entendo a mensagem!
E eu já recebi a tradução, de português para inglês, de vários artigos e outros materiais da imprensa brasileira - infelizmente, o português não é uma língua internacional, não é uma das línguas de trabalho da ONU, então todo o caso terá de ser conduzido em inglês. O motivo é que o caso terá várias provas, e muitas dessas provas serão artigos de jornal e revistas. Então, eu tive a oportunidade de estudar essas matérias em sua forma traduzida, e muitas delas são citadas na ação, como vocês irão ver.
REPÓRTER DA BLOOMBERG: O Daily Telegraph, na manhã de hoje, publicou a primeira notícia dessa ação. E essa notícia diz que Lula poderia ser preso nos próximos dias, algo assim, antes mesmo das Olimpíadas. Eu gostaria de compreender, primeiro, se isso é verdade e, também, qual o estágio das acusações contra Lula, em qual situação está o processo neste momento. Você poderia esclarecer?
ROBERTSON: Bom, você é da Globo, então você deve saber melhor que eu...
ROBERTER DA BLOOMBERG: Eu não sou da Globo, sou da Bloomberg! Da Bloomberg News, de Nova York!
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