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31/10/2016
A história do juiz Sergio Moro com o doleiro Alberto Youssef abafada pela mídia
Moro e Youssef: personagens de uma longa história
Os dois são paranaenses, quarentões. Sérgio Moro de
Maringá, Alberto Youssef de Londrina. O primeiro vem de uma família de
classe média alta, filho de professor universitário, formou-se cedo em
direito, fez pós-graduação, tornou-se juiz federal, estudou no exterior.
O segundo, o Youssef não teve a mesma sorte. Filho de imigrantes
libaneses pobres, aos nove anos já vendia pastéis nas ruas de Londrina.
Muito esperto, ainda guri, pré-adolescente, já era um ativo sacoleiro.
Precoce, antes de completar 18 anos já pilotava monoplanos o que lhe
possibilitou uma mudança de escala, um considerável avanço nas suas
atividades de contrabandista e doleiro. Com menos de trinta anos
tornara-se um bem sucedido “homem de negócios”, dono de poderosa casa de
câmbio, especialista em lavagem de dinheiro e remessa ilegal de dólares
para o exterior. Em meados dos anos noventa operava em grande escala
repassando recursos que “engordavam” o caixa 2 das campanhas de
políticos importantes do Paraná e de Santa Catarina, dentre eles Álvaro
Dias, Jayme Lerner e Jorge Bornhausen.
Alberto Youssef foi, também, figura central na
transferência ilegal de bilhões de dólares oriundos de atividades
criminosas e de recursos desviados na farra das privatizações do governo
FHC.
Em novembro de 2015, o jornalista Henrique Berangê
publicou na revista Carta Capital uma instigante matéria com o seguinte
parágrafo inicial: “O juiz Sérgio Moro coordena uma operação que
investiga sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas
intermediadas por doleiros paranaenses.
Foram indiciados 631 suspeitos e
remetidos para o exterior 134 bilhões de dólares, cerca de 500 bilhões
de reais.” Operação Lava Jato, 2014? Não, ele se referia ao escândalo do
Banestado ocorrido no final dos anos 90. A privatização desse banco
estatal comprado pelo Itaú segundo estimativas trouxe um prejuízo de no
mínimo 42 bilhões de reais aos cofres públicos do país. Mas antes do
banco ser vendido, sua agência em Nova York foi o porto seguro dos
recursos bilionários para lá transferidos pelos fraudadores.
Na segunda metade dos anos noventa através das contas
CC5 o então presidente do Banco Central Gustavo Franco escancarou as
portas para uma sangria de recursos que daqui migraram para engordar as
polpudas reservas de empresários, políticos, grupos de mídia no
exterior. Sem dúvida o maior episódio de corrupção da história do país.
Foi aberta uma CPI no Congresso, virou pizza; o Banco Central boicotou
as investigações e a imprensa silenciou. Só a Globo enviou 1,6 bilhões
de dólares, mais de 5 bilhões de reais. Além das grandes empreiteiras na
lista dos fraudadores lá estavam também outros grupos da mídia: a
editora Abril, o Correio Brasiliense, a TVA, o SBT, dentre outros. A
justiça foi convenientemente lenta, os crimes prescreveram, só foram
punidos alguns integrantes da “arraia miúda”.
Ironias da história: a
corporação Globo, futura “madrinha” de Moro cometeu os mesmos ilícitos
que mais tarde seriam por ele denunciados na operação Lava Jato. Desta
vez, porém, as diligências policiais e ações judiciais não foram
arquivadas e Moro pôde posar de “campeão na luta contra a corrupção,
herói nacional.”
O silencio da mídia repetiu-se em 2015 quando a
operação Zelotes denunciou que membros do Conselho de Administração de
Recursos Fiscais, o CARF estavam recebendo propinas para livrar grandes
empresas de multas aplicadas por prática de sonegação de impostos.
Bilhões de reais de dívidas da Gerdau, da RBS, do Banco Safra, do Banco
de Boston, da Ford, do Bradesco, dentre outras empresas e grandes grupos
da mídia. As apurações preliminares estimaram que mais de 20 bilhões de
dólares foram desviados dos cofres públicos, sendo este montante apenas
a “ponta do iceberg”. Certamente a continuidade das investigações
chegaria a valores muito maiores.
Começou lá nos primeiros anos da década passada, o
idílio Moro-Youssef, em 2003 para ser mais preciso. Apesar do
protagonismo central do doleiro na prática de ilícitos, ele foi
beneficiado pela delação premiada, ficando livre, leve e solto.
Prosseguiu, é claro, na sua longa e bem sucedida carreira de crimes
bilionários. Observe-se que na delação premiada a redução da pena ou o
perdão é concedido ao réu sob expressa condição de promessa de ilibada
conduta futura.
É claro que a biografia de Youssef não poderia
alimentar nenhuma esperança de regeneração, de que ele abandonasse as
práticas ilícitas.
Onze anos depois, em março de 2014, na fase inicial
da operação Lava Jato, Youssef foi novamente preso por Moro. Foi
constatado que ele era o principal operador das propinas que alimentaram
o caixa das campanhas de inúmeros políticos especialmente do PP e do PT
no chamado Mensalão 2, ocorrido em 2005. O primeiro, o Mensalão 1, o da
compra dos votos para a reeleição de FHC não teve consequências porque
Geraldo Brindeiro, o Procurador Geral da República das 626 denúncias
criminais dos seus oito anos no cargo (de 1995 a 2003), arquivou mais de
90% delas, encaminhando para indiciamento pelo Judiciário apenas 60,
justamente as de importância menor e que envolviam personagens
secundários. Brindeiro ficou por isso nacionalmente conhecido como o
“engavetador-geral da República“. A grossa corrupção que marcou os dois
períodos do governo Fernando Henrique foi varrida para de baixo do
tapete: o Ministério Público Federal e o Poder Judiciário taparam o
nariz e fecharam os olhos.
A delação premiada de Youssef realizada em 2014 e
2015 foi justificada por Moro pela importância que teve para a obtenção
de provas que culminaram em dezenas de indiciamentos e prisões de
importantes figuras, possibilitando a comprovação de desvios
bilionários. Fala-se que a Lava Jato apurou pagamentos de propinas de
valores acima dos 10 bilhões de reais, valor expressivo mas que, pasmem,
representa apenas 1,7% dos valores desviados dos cofres públicos nos
episódios do Banestado e da operação Zelotes.
Segundo o noticiado, Youssef foi indiciado em nove
inquéritos. Algumas ações com sentenças já transitadas em julgado
resultaram em condenações que totalizaram 43 anos de prisão em regime
fechado. Há ainda outras ações que, na hipótese de ocorrer a condenação,
poderiam resultar em 121 anos e 11 meses de prisão. Sérgio Moro
anunciou este mês que pela contribuição que a delação de Youssef trouxe
para a operação Lava Jato, sua pena foi fixada em três anos, dois quais
dois anos e oito meses já cumpridos. A partir de novembro ele deixará o
regime fechado e vai passar os meses restantes em prisão domiciliar.
A legislação penal tipifica o ilícito e determina a
pena de acordo com sua gravidade. Cabe ao juiz na sentença aplicar a
sanção que a lei determina. O que pode ser questionado na delação
premiada é que não existe na lei a dosimetria que imponha ao magistrado
um limite para a redução da pena. O caso de Youssef é um exemplo típico:
Sérgio Moro, se considerarmos as graves ilicitudes, os valores
envolvidos e as inúmeras reincidências do doleiro foi extremamente
indulgente, generoso. Alberto Youssef estaria certamente fadado a morrer
na prisão cumprindo as penas a que foi condenado. Em novembro, no
entanto, já estará em casa e em março do ano que vem solto. Muito
provavelmente preparado e disposto a cometer novos crimes.
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