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06/10/2016
Nassif: Globo virou inimiga número 1 de qualquer projeto progressista
Brasil 247 - 6 de Outubro de 2016 às 05:15
"A Globo conseguiu seu maior feito político ao ser a
protagonista principal de um golpe de Estado. Criou uma conta enorme a
ser saldada em um ponto qualquer do futuro. Desde então, se transformou
no inimigo número um de qualquer governo progressista que surja nas
próximas décadas", diz o jornalista Luis Nassif; "Nenhuma democracia é
compatível um mercado dominado por grandes grupos de mídia atuando de
forma cartelizada e com poder de fogo similar ao das Organizações Globo"
As eleições municipais simbolizam um marco zero para as esquerdas, de fim da era de predominio absoluto do PT.
O partido nasceu moderno nos anos 80, como uma confluência de coletivos.
Nos anos 90 amoldou-se para a luta política convencional,
revendo dogmas, aplainando radicalismos estéreis. Mas, para tanto,
recorreu a um centralismo que pouco a pouco foi inibindo o protagonismo
dos coletivos.
Com a chegada ao poder, tentou manobrar as ferramentas de
luta institucional. Nesse período, perdeu quatro elementos centrais:
José Genoíno e Luiz Gushiken, tragados pela AP 470; o ex-Ministro Márcio
Thomaz Bastos; manteve ainda José Dirceu atuando como eminência parda,
mas sem dispor mais das ferramentas institucionais e afastado do centro
de poder pelo isolamento a que foi confinado pelo governo Dilma, crítica
de seus métodos.
Finalmente, no governo Dilma Rousseff perdeu a identidade ideológica.
Assim, ocorreu uma quádrupla derrota nos campos político,
institucional, midiático e ideológico. A esquerda terá que ser
refundada.
As características dos novos tempos são as seguintes.
Peça 1 - fim do lulismo
A legenda Lula compreendia um conjunto de símbolos pouco
captados pelas novas gerações: a criação da CUT, os comícios da Vila
Euclides, a campanha de Collor, a campanha do impeachment.
Manteve-se como o grande aglutinador dos grupos de
esquerda e como o maior símbolo da política brasileira do século. Mas
tombou, vítima da falta de lembrança das novas gerações, da campanha
sistemática de destruição pela aliança da Procuradoria Geral da
República (PGR), Lava Jato e mídia. E pelos erros tremendos de não ter
entendido os aspectos institucionais e midiáticos da guerra política.
Na verdade, o único líder do PT com essa visão era José
Dirceu. Explicitou demais o seu poder, atuou com excessiva desenvoltura
em todas as áreas, do Judiciário aos grandes grupos e terminou fuzilado
por uma armação: a tal "teoria do fato", magistralmente definida pela
Ministra Rosa Weber com seu célebre "não tenho provas, mas a doutrina me
permite condená-lo".
Depois, foi alvo de todas as armações acusatórias possíveis e de uma bala de prata real: suas relações com Milton Pascowitch.
O sonho de Lula 2018 está comprometido pelos resultados da
campanha política de desconstrução de sua imagem e pela continuidade do
jogo político escandaloso da Lava Jato, visando inabilitá-lo
juridicamente.
Continuará sendo figura referencial das esquerdas, a
liderança capaz de aglutinar os diversos setores. Mas os cenários
possíveis para a esquerda têm que começar a trabalhar com a hipótese
concreta de não contar com Lula em 2018.
Peça 2 - a mediocridade da direita
Nos anos 80, ganhou popularidade uma velha piada sobre o inferno.
O sujeito morre, vai para o inferno e precisa escolher
entre três, o inferno norte-americano, o alemão ou o brasileiro. O
brasileiro, além de incorporar todas as funcionalidades dos dois
anteriores, ainda tem um cardápio adicional de tortura, dentre as quais
meia hora diária ouvindo o José Serra falando sobre o perigo bolivariano
no mundo.
O condenado se espantou:
- Se o brasileiro é tão pior assim, porque está cheio e os dois outros vazios?
- É porque no brasileiro nada funciona. O Secretário de Governo desviou o carvão da fornalha, o demônio da Casa Civil montou uma concorrência fraudada e a cadeira do Dragão dá curto circuito, o Satanás só herdou as mesóclises de Jânio. E o Serra nunca aparece porque dorme até tarde e passa o resto do dia tentando decorar siglas: Brics, NSA, Mercosul, União Europeia… Brics, NSA, Mercosul, União Europeia… Bracs, perdão, Brics, GSA, perdão NSA...
Piadas à parte, a direita brasileira não se mostra capaz
de desenhar um projeto minimamente articulado de país. Nos anos 90,
embarcou na onda Reagan-Thatcher, que começava a dominar o mundo
pós-muro de Berlim. Agora, nada tem, nem utopias globais às quais
recorrer. Atualmente único fator de aglutinação é atacar a velha
esquerda e exalar toda forma de preconceito. E importar das ondas
globais a intolerância mais retrógrada.
Terá vida curta. Sua única saída será ampliar o Estado de
Exceção. Mas mesmo para isso teria que dispor de características morais
e de capacidade de desenhar o futuro. Só com mesóclises será
insuficiente..
Portanto o novo tempo do jogo está próximo, de menos de uma década, com novos atores que ainda estão em formação.
Peça 3 - a ampliação do estado de exceção
Antes de ingressar no novo tempo político, há o enorme desafio de enfrentar a maré do Estado de Exceção.
Quando comecei a apontar a participação do PGR Rodrigo
Janot no golpe, procuradores bem intencionados preferiram se iludir com a
presunção de isenção. Nas suas entranhas, o processo jurídico é
burocratizado e lento. E as regras de accoutibility suficientemente
vagas para que os operadores do direito manobrem com prazos, com
avaliações subjetivas sobre os inquéritos e, principalmente, com o uso
seletivo dos vazamentos.
O inquérito contra Aécio Neves dormiu por anos na gaveta
do PGR. O julgamento do “mensalão tucano” foi atrasado por anos graças a
um mero "esquecimento" do Ministro Ayres Brito.
Até hoje é impossível saber quais e quantos inquéritos repousam nas gavetas da PGR ou em pedidos de vista intermináveis do STF.
Agora, o MPF e a Polícia Federal se constituem na maior ameaça à democracia. E há razões de sobra para temer.
Qualquer avaliação sobre o avanço do Estado de Exceção tem
que analisar dinamicamente o que ocorre, levando em conta todos esses
sinais.
O que Mirian Leitão fez foi uma mistificação histórica, ao
comparar o quadro politico atual com a ditadura pós-AI5, em plena maré
de torturas, para concluir que hoje em dia não existe regime de
exceção.
Para chegar a 1968, a ditadura passou por 1964, período no
qual foram plantadas as sementes da radicalização posterior -
principalmente quando o regime entendeu que não tinha possibilidades
eleitorais. E surgiu porque avançou-se dia a dia em medidas de exceção,
criminalizando os críticos, fossem comunistas ou liberais. E, na mídia,
as Miriam Leitão da época estimulavam a caça às bruxas recorrendo a um
legalismo de araque.
Se Mirian e outros colegas forem bem sucedidos em seu
trabalho diário de fomentar a caça às bruxas, é possível que dentro de
pouco tempo possamos chegar ao padrão AI5.
O direito penal do inimigo está proliferando por todos os
poros da república, dos colunistas de jornais a procuradores da
República, diretores de escola expurgando “comunistas” e redações
expurgando quem ousar criticar o golpe.
É um sentimento disseminado.
É possível que em um ponto qualquer do futuro erga-se alguma onda de resistência contra o arbítrio. No momento, não.
No CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) as
piores asneiras de direita são perdoadas. Hoje em dia, no entanto, as
ameaças do CNMP pairam sobre o pescoço do procurador que questionou a
reforma trabalhista em artigo, os bravos procuradores da República em
São Paulo que correram até a delegacia para defender jovens vítimas de
arbitrariedades policiais; a Procuradora Federal dos Direitos do
Cidadão, Deborah Duprat, por ter decidido filmar as passeatas para
coibir as truculências da Polícia Militar paulista.
Em quadro de normalidade democrática, de discernimento
mínimo jurídico, nem o mais obtuso procurador da República proibiria
exposição de obras de Paulo Freire na UFRJ (Universidade Federal do Rio
de Janeiro) ou cartazes de “fora Temer” em colégios - como fez ontem o
procurador da República no Rio de Janeiro, Fábio Moraes de Aragão.
Por tudo isso, o primeiro grande desafio será conter essa
escalada da violência, do dedurismo, que entrou por todos os poros da
sociedade.
Peça 4 - a reconstrução de um modelo de esquerda
Essa reconstrução passa não apenas pela recuperação dos
valores centrais - inclusão social, políticas sociais, estado do bem
estar social, tolerância, defesa das minorias, defesa do meio ambiente
etc. -, mas por rediscussão sobre modelos de estado, instituições e
mídia.
Sobre instituições
A maneira das corporações entrarem no jogo político foi
atrás do associativismo. Criado como uma instância de supervisão do
Judiciário, por exemplo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) só levanta
dados para justificar gastos do Judiciário. O CNMP (Conselho Nacional
do Ministério Público) é incapaz de ações mais severas contra abusos de
procuradores. Hoje em dia, o Judiciário já consome 1,8% do PIB e caminha
para 2,1%, fato inédito em qualquer economia global.
Pior, há um desconhecimento amplo dessas corporações em
relação a temas políticos e econômicos, mais ainda em relação a projetos
de país.
Nenhum governo será viável se não tiver o controle dessa agenda e se não instituir uma accountibility ampla
nesses setores. Hoje em dia não se tem acompanhamento nem sobre
processos em tramitação no Supremo, nem na Câmara, não se tem controle
sobre a gaveta do PGR.
Terá que se recuperar os princípios originais de
independência do Ministério Público e do Judiciário: para assegurar a
independência de julgamento do juiz e o trabalho independente do
procurador. e não como ferramenta de instrumentalização política de um
poder de Estado.
Sobre gestão
Os governos Lula e Dilma revelaram grandes exemplos de boa
gestão, especialmente nos programas desenvolvidos por Fernando Haddad
no MEC (Ministério da Educação), no Bolsa Família e no Brasil para
Todos. E alguns arremedos de gestão compartilhada no PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento).
Mesmo assim, não trataram de definir um padrão, a partir do acúmulo de experiências bem sucedidas.
Mas, apesar dos avanços, ainda se deixou muito a desejar.
- A institucionalização de políticas públicas passa por definir métodos claros de parceria com estados, municípios e terceiro setor. Só se consegue com a criação de protocolos de procedimentos para cada programa, facilmente assimiláveis na ponta, fiscalizáveis e reprodutíveis.
- Desenvolvimento de modelos de comunicação, para facilitar a compreensão da opinião pública sobre os benefícios dos projetos.
- Institucionalização de canais de participação da sociedade nas diversas instâncias de discussão das políticas públicas.
Sobre mídia
Nenhuma democracia é compatível um mercado dominado por
grandes grupos de mídia atuando de forma cartelizada e com poder de fogo
similar ao das Organizações Globo.
Em todos os fóruns de direitos humanos, o direito à
informação ganhou status de direito fundamental, tão relevante quanto o
direito à vida, à alimentação e à saúde.
A Globo conseguiu seu maior feito político ao ser a
protagonista principal de um golpe de Estado. Criou uma conta enorme a
ser saldada em um ponto qualquer do futuro. Desde então, se transformou
no inimigo número um de qualquer governo progressista que surja nas
próximas décadas.
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