21/10/2016
Beatriz Cerqueira: A PEC 241 é a mãe de todas as medidas nefastas do governo Temer; o maior ataque aos direitos dos trabalhadores
Do Viomundo - 21 de outubro de 2016 às 17h42
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por Conceição Lemes
Faça um teste.
Pergunte às pessoas com quem você convive no trabalho, escola, casa, o que elas sabem da Proposta de Emenda Constitucional 241, a PEC 241, também chamada de PEC do Arrocho, da Morte, Fim do Mundo, do Juízo Final, da Maldade.
Em seguida, pergunte se acham que vai interferir na vida delas.
Quase
certamente haverá quem se sinta tranquilo, achando que a medida não tem
nada a ver com o seu mundinho, com base em uma destas quatro ideias que
circulam nas redes sociais sobre a PEC 241 e seus desdobramentos:
– É problema de funcionário público.
– É problema de serviço público.
– Aquilo que conquistou, ninguém mexe, é direito garantido.
– Não será atingido pela terceirização, pois trabalha em serviço público.
Só que se engana quem pensa assim.
“A PEC 241 não
é um problema do servidor público nem do serviço público. A PEC 241 é
um problema do Brasil”, alerta Beatriz Cerqueira. “Significa a mudança
do estado brasileiro como nós o conhecemos hoje.”
“A PEC 241 é
mãe de todas as medidas do governo golpista”, acusa. “É a mais nefasta.
Se aprovada, abrirá caminho para outros ataques aos direitos dos
trabalhadores.”
“A PEC 241 significa a privatização do orçamento público”, denuncia.
Ela mesma
troca em miúdos: Aquele dinheiro que deveria ir para saúde pública,
saneamento básico, asfalto da rua da casa do cidadão, escola, livro
didático do filho do trabalhador, merenda escolar, irá para as mãos dos empresários da Educação, da Saúde, do sistema financeiro.
Beatriz Cerqueira é coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) e presidenta da CUT-MG. Segue a íntegra da entrevista exclusiva que ela concedeu a esta repórter. Começamos pelo golpe.
Viomundo – Você convive o tempo inteiro com professores, lideranças sindicais e movimentos sociais. Afora desses grupos, as pessoas estão conscientes de que houve um golpe de Estado no Brasil?
Beatriz Cerqueira –
Acho que ainda não. A primeira questão de quem dá um golpe é disputar a
narrativa de que não é golpe. Fizeram isso no Brasil em 1964. Chamaram
de “Revolução”. Em 2016, de impeachment.
Por isso, a
primeira coisa que temos de fazer é tentar esclarecer que o tipo de
golpe que se deu no Brasil em 2016 aconteceu em vários lugares da
América Latina. Desde a década de 1980, foram pelo menos 13 tentativas
contra presidentes.
Viomundo – As pessoas acham o quê?
Beatriz Cerqueira –
Como há um processo de criminalização de toda a pauta da esquerda, e o
Legislativo, o Judiciário e os meios de comunicação são protagonistas do
golpe, há uma confusão. As pessoas ainda não conseguem compreender.
Acham que esse processo é uma briga de partidos e muito relacionado à
corrupção.
Viomundo – Elas têm consciência de que os direitos delas serão afetados?
Beatriz Cerqueira – Esta é a grande questão. Fazer com que as pessoas entendam que o alvo do golpe são elas.
Na minha avaliação, o objetivo do golpe não é o PT, não é o ex-presidente Lula, não foi a presidenta
Dilma. Eles são osbstáculos que precisam ser removidos, destruídos da
forma mais vil que a direita conseguir fazer, para alcançar seus
objetivos.
O objetivo do golpe é atingir a classe trabalhadora e retirar
dela os direitos que conquistou. A direita quer fazer alterações na
estrutura do Estado brasileiro, que jamais conseguiria pelas urnas ou se tivéssemos poderes fortes, autônomos, que zelassem pela Constituição e pelo Estado Democrático de Direito.
Então, tudo o que a direita achar necessário para atingir os seus objetivos, ela vai tentar.
Viomundo – Há setores do movimento social, do movimento sindical, que acham que o objetivo de tudo é inviabilizar uma candidatura de esquerda em 2018.
Beatriz Cerqueira –
Eu não acho que é simples assim. Para o pessoal que deu o golpe, se for
necessário, 2018 nem vai existir. Nós estamos diante de uma ruptura
democrática. Não existem mais regras estabelecidas. Há certa dificuldade
de se compreender isso, complicando muitas vezes o nosso diálogo com a sociedade.
Viomundo – O que fazer para haver compreensão mais rápida do que está em jogo?
Beatriz Cerqueira – Como
você bem sabe, atualmente há forte negação da política, que tem sido
bastante trabalhada pelos meios de comunicação e pelos golpistas.
Os elevados
números de votos nulos e de abstenções no País no primeiro turno das
eleições de 2016 são em parte produto dessa campanha em prol da negação
da política. Mas esses números revelam também desgaste do sistema político com o qual a população não se identifica mais.
Nessa situação, mais do que nunca, as nossas conversas com a sociedade precisam ser muito diretas, objetivas.
Por exemplo, mostrar à sociedade que, além de rasgar a Constituição, via PEC 241, aqueles que deram o golpe querem rasgar a CLT, via reforma trabalhista.
Viomundo –O que significa a PEC 241?
Beatriz Cerqueira – A
PEC 241 é mãe de todas as medidas do governo golpista. É a mais
nefasta. Se aprovada, abrirá caminho para outros ataques aos direitos
dos trabalhadores. A PEC 241 significa a privatização do orçamento
público.
Viomundo – Trocando em miúdos.
Beatriz Cerqueira —
Aquele dinheiro que deveria ir para saúde pública, saneamento básico,
asfalto da rua da casa do cidadão, escola, livro didático que o filho do
trabalhador utiliza, merenda escolar, irá para as mãos dos empresários da Educação, da Saúde, do sistema financeiro…
Afinal, a PEC 241 vai empurrar todos os serviços públicos, inclusive Saúde e Educação, para a privatização.
Nós temos um
sistema financeiro que está ávido para fomentar a previdência privada
complementar. Isso significará a privatização da previdência e uma
população cada vez mais desassistida!
Os rentistas já
controlavam parte imensa do orçamento, através do pagamento dos juros e
da dívida pública. Não ficaram satisfeitos. Querem mais.
E o governo golpista e seus aliados vão satisfazê-los. Vão entregar nas mãos dos empresários aquela parte do orçamento público destinado às políticas sociais do Estado.
Viomundo – Muitas pessoas acham que a PEC 241 é um problema do servidor público e do serviço público.
Beatriz Cerqueira –
É um erro de leitura. A PEC 241 não é um problema do servidor público
nem do serviço público. A PEC 241 é um problema do Brasil.
Significa a mudança do estado brasileiro como nós o conhecemos hoje.
Se a PEC 241 for aprovada, não tem investimentos em indústria, não tem setor automobilístico, não tem desoneração
fiscal, não tem incentivo fiscal, não tem renovação de frota, não tem
investimento para que os setores hoje paralisados, como indústria e
construção civil, voltem a crescer.
Viomundo – E a Educação?
Beatriz Cerqueira —
Não haverá construção de novas escolas, não haverá reforma das já
existentes. Escola sem quadra de esporte continuará sem. Merenda,
transporte escolar e livro didático, que achávamos já ser um patamar de
conquista, desaparecerão.
Será cortando
programas e direitos que eles vão tirar o dinheiro, já que restringirão
por 20 anos o investimento em todas as áreas do Estado.
Viomundo – Seria voltar à era Fernando Henrique Cardoso?
Beatriz Cerqueira – Não. Significa voltar ao período préCLT [Consolidação das Leis do Trabalho], que foi promulgada em 1943. Esse é o patamar que estão querendo impor pra gente.
Por isso,
insisto. A PEC 241 é a mais nefasta das medidas propostas pelo governo
Temer. Representa o maior ataque à população brasileira. Fatalmente
dela, se aprovada, decorrerá uma reforma da previdência.
Viomundo – Por quê?
Beatriz Cerqueira – Se a PEC 241 estabelece que não se investirá em nada por 20 anos, as pessoas não poderão se aposentar.
Por isso, eles vão aumentar o tempo de contribuição dos trabalhadores. Por isso, vão aumentar a
idade para o trabalhador ter direito à aposentadoria. Por isso, vão
atacar as aposentadorias dos trabalhadores rurais, das mulheres e do
magistério.
Viomundo – E o que os trabalhadores já conquistaram?
Beatriz Cerqueira – As
pessoas acham que aquilo que já conquistaram ninguém mexerá. Essa é
outra falsa ideia. Para ter o congelamento dos gastos por 20 anos, será preciso retirar os direitos adquiridos.
Em entrevista, o ministro da Justiça já disse: no Brasil não tem direito adquirido. O seu direito adquirido que não couber no estado brasileiro, você não o terá.
Na prática, a reforma da previdência já começou. Ela está sendo pouco debatida, porque está sendo feita de forma pulverizada.
Viomundo – Como assim?
Beatriz Cerqueira — O governo já está revendo as aposentadorias por invalidez, as licenças de saúde, o benefício de prestação continuada.
Veja bem. Considerando que a PEC 241 congelará tudo por 20 anos, o desemprego não vai diminuir.
O governo não apresentou nenhuma agenda de retomada do crescimento
econômico nem de proteção do emprego. O que apresentou foi diminuir seu
papel na sociedade. Com menos emprego, menos consumo, o que será feito para que os que lucram continuem lucrando?
A resposta é óbvia. Baixar o patamar de direitos ou extinguir muitos dos direitos.
Esta é a espinha dorsal da “reforma” trabalhista do governo Temer.
Por isso, o
governo Temer quer aprovar o negociado sobre o legislado. É para sequer
garantir a você, trabalhador, trabalhadora, o direito ao décimo terceiro
salário, remuneração da hora extra, férias, adicional de insalubridade,
por exemplo.
Com a aprovação do negociado sobre o legislado, nem o salário mínimo estará garantido, se o patrão decidir que é preciso “flexibilizar” o mais elementar dos direitos.
Viomundo – “Flexibilizar” é um jeito meigo de dizer: “trabalhador, o seu patrão está cortando os seus direitos”?
Beatriz Cerqueira – Isso mesmo.
Viomundo –Aí, se insere também a terceirização?
Beatriz Cerqueira –
Exatamente. No serviço público, a terceirização entrará de forma
avassaladora. Primeiro, porque custa menos. Segundo, porque a
terceirização é uma importante fonte de caixa 2. Portanto, estará na pauta de votação do congresso a terceirização sem limites, incluindo o serviço público.
Sei que tem gente que acha que não será atingido pela terceirização do governo golpista. Outro engano!
Eles tentarão
terceirizar até professor. Em vez de fazer concurso, política de
carreira, o governo contratará uma cooperativa, que vai organizar o
trabalho da forma que achar melhor. Ou fazer Parceria Público Privada.
Portanto, atenção, trabalhador, trabalhadora, que está lendo esta entrevista. A reforma trabalhista do governo golpista será alicerçada em dois patamares: negociado sobre o legislado e a terceirização sem limites.
Viomundo – Significa rasgar a CLT?
Beatriz Cerqueira –
Isso mesmo. Na verdade, a elite brasileira nunca aceitou o patamar
mínimo de direitos que foi conquistado pelo trabalhador lá na década de
1940, com Getúlio Vargas.
E, agora, essa mesma elite viu a oportunidade de fazer uma revisão não só da Constituição de 1988, como da própria CLT.
Viomundo – Como acordar as pessoas para a destruição de direitos trabalhistas que o governo Temer vai tentar passar no Congresso?
Beatriz Cerqueira –
Este é o outro x da questão. Vou começar pelo campo sindical, que é
onde eu atuo. A gente precisa intensificar o chamamento das categorias.
O chamamento precisa ganhar corpo maior.
É muito importante também que a gente alie a luta corporativa, local, de reivindicações, com a luta geral, política.
Se não
fizermos isso as pessoas não compreenderão que o que estão enfrentando
na sua vida e no seu trabalho tem a ver com uma coisa muito maior do que
a sua pauta de reivindicações.
Viomundo – Explique melhor.
Beatriz Cerqueira — Na última década , exatamente por essa separação entre a luta geral, e a luta local, corporativa, os sindicatos começaram a ser cada vez mais demandados por resultados, cobrados.
Em consequência, entramos num
período sindicalismo de resultados. Foi um período importante. É
fundamental a conquista concreta na vida das pessoas. Só que para
enfrentar o que vem por aí, precisamos ir além dos resultados, que não
teremos mais. É fundamental um sindicalismo de resistências.
Viomundo – Concretamente o que fazer?
Beatriz Cerqueira – Eu diria que a primeira coisa é chamar sempre os trabalhadores para o sindicato, atos, audiências públicas. É preciso chamar uma, duas, três, dez vezes, não importa. Chamar sempre.
A segunda coisa é entender que, se cada um ficar sozinho, nós vamos ser derrotados.
No caso do golpe em curso no Brasil, a ideia não é só nos derrotar. É nos destruir. É nos aniquilar da forma que puderem.
Nessa medida, as frentes populares que têm se constituído no Brasil são espaços importantes de luta.
Você precisa fazer alianças, precisa conversar além do seu mundo sindical, além da sua categoria profissional. Quem ficar sozinho será derrotado na sua pauta econômica, na sua pauta corporativa.
E a primeira
pessoa que o trabalhador vai culpar é o sindicato exatamente devido a
esse perfil de isolamento, de só pensar a luta local.
A terceira questão é fazer a disputa na sociedade.
É muito bom
conversar com aqueles que têm leitura da realidade semelhante à nossa.
Mas a gente precisa criar estratégias permanentes de dialogar com a
sociedade.
Aqui em Minas
Gerais nós vamos muito à Assembleia Legislativa, sem a pretensão de
achar que convenceremos o deputado a ou b, que já tem uma posição de
acordo com a sua origem.
Mas, a partir
da Assembleia Legislativa e dos espaços que a gente constrói, como
audiências públicas, atos, nós conseguimos chegar a mais pessoas e fazer
a disputa da opinião pública. Ainda não é suficiente, mas estamos
fazendo alguma coisa.
A quarta
medida é não sair das ruas. Se a gente sai, corre o risco de encolher e
ficar sozinho. O encolhimento por si só nos leva a ficar sozinhos.
É um processo
que a minha geração não viveu, mas que a geração que viveu 1964 sabe bem
como é. Imagino que a geração que viveu 1964 deva estar muito
estarrecida de estar vivendo mais um golpe durante a sua vida.
Viomundo – E a militância?
Beatriz Cerqueira – Esta é outra questão que
a gente precisa estar mais atento. É preciso cuidar da militância,
cuidar das pessoas que estão fazendo essa luta cotidiana. Não podemos
deixar que o sentimento do fracasso –“de que a gente não deu conta de
impedir o golpe”– se apodere da militância.
As pessoas
precisam ter clareza que esse processo está sendo construído há muito
tempo, por forças muito poderosas não só nacionais, mas internacionais
também.
As pessoas
precisam ter clareza também de que será uma luta de longo prazo. Essa
luta não vai se resolver até o Natal. Nem irá até 2018. Vai ser uma
longa luta.
O que está
acontecendo no país agora terá repercussão estrutural para as próximas
décadas. Com as consequências daquilo que passar no Congresso e daquilo
que a gente conseguir impedir que avance lá.
Viomundo – E as demandas que já estão no Congresso?
Beatriz Cerqueira – É preciso questionar mais intensamente os parlamentares.
Deputados e senadores sem base têm medo do povo. Não é à toa que fogem de espaços públicos, não vão a debates.
Em Minas, nós
temos três senadores da República que não conversam com a sociedade, só
conversam com os seus amigos nos espaços privados. E como eles têm uma
mídia amiga, fica tudo bem.
Então, nós
temos que intensificar os nossos questionamentos ao Congresso Nacional.
Muito do que está sendo feito pode ser barrado, pode não ser votado.
Temos que pressionar.
Viomundo — Os trabalhadores terão de reaprender a frequentar os sindicatos, a reivindicar os seus direitos?
Beatriz Cerqueira —
Infelizmente, a conquista dos direitos que tivemos na última década não
foi acompanhada da politização necessária. Vejo muitas pessoas achando
que o fato de o seu salário comprar mais coisas é fruto do esforço
pessoal e da bênção de Deus. A mesma coisa vale para quem teve acesso a
universidade ou a algum programa social.
É claro que
Deus abençoa os justos. Mas o fato de o seu salário comprar mais coisas é
fruto de política econômica. Garantia de direitos é resultado de uma
política de inclusão!
Muitos de nós, da esquerda, acabamos também não valorizando o sindicato como espaço de luta.
Eu vejo muitas vezes um empenho em algumas mídias de se valorizar o espontâneo, aquele
grupo que se organizou e não valorizar quando é uma organização
sindical que está fazendo a luta, que tem cara, tem bandeira.
Considero isso
um equívoco. Todos são importantes neste processo de enfrentamentos.
Não podemos fortalecer o discurso de que “ninguém me representa. Logo eu
me represento, eu cuido de mim”.
O sindicato é um instrumento muito importante.
O fato é que nenhum de nós se preparou para um golpe de estado.
Nós acreditamos muito na democracia representativa sem compreender que o capitalismo já estava insatisfeito com ela.
Para o
capitalismo, a democracia vale enquanto atende aos interesses do
capital. Quando não atende mais, ela pode ser descartada. É o que está
acontecendo no Brasil em 2016.
Viomundo – E a entrega do pré-sal se insere nisso?
Beatriz Cerqueira -- Quem controlar recursos naturais terá hegemonia mundial no capitalismo do próximo período.
Só que no
Brasil deputados federais entreguistas rasgaram de forma vergonhosa uma
história de construção de soberania através dos recursos do petróleo.
O mundo tem se espantado mais com a capacidade da falta de um projeto nacional da direita brasileira do que nós mesmos.
A direita brasileira não tem projeto de sociedade. Nem mesmo um projeto conservador. O
projeto da direita brasileira é estar a serviço do capital
internacional.Isso é vergonhoso e custará muito caro às próximas
gerações.
Sanitarista desmonta mentiras de Temer sobre a PEC do arrocho e a Saúde
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