28/10/2016
Entrevista - Roberto Amaral
"Uma conspiração antinacional de desmonte está exposta à luz do dia"
O objetivo é desfazer os projetos estratégicos nas áreas de energia e segurança, acusa o ex-ministro
Ichiro Guerra/Dilma 13
Cientista político, ex-ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula e colunista de CartaCapital,
Roberto Amaral faz um alerta: há uma conspiração antinacional de
desmonte de nossos projetos estratégicos, principalmente nas áreas de
energia e segurança, exposta à luz do dia. Na entrevista a seguir, o
autor de A Serpente sem Casca – Da Crise à Frente Brasil Popular detalha a escalada tenebrosa contra o Brasil.
CartaCapital: Em que pé está o programa nuclear brasileiro e que aspectos contrariam os interesses das nações hegemônicas?
Roberto Amaral: O
governo Temer é socialmente regressivo e, do ponto de vista
político-estratégico, antinacional. Cuidará de remover todos os projetos
de desenvolvimento autônomo de nosso País, a começar pela
desconstituição de nossa política de defesa, fundada nos programas
nuclear, espacial e cibernético, segundo a Estratégia Nacional de Defesa
de 2008.
O Brasil possui uma das maiores reservas
de urânio do mundo e é um dos poucos detentores da tecnologia do seu
enriquecimento. Em Resende (RJ), com tecnologia nossa, que muito devemos
à dedicação da Marinha de Guerra do Brasil, são criadas e fabricadas as
mais modernas ultracentrífugas do mundo. Nossa produção de urânio
enriquecido é fundamental para manter em funcionamento Angra
I, Angra II e a futura Angra III, cuja construção está parada. É vital
também para o futuro e sempre adiado programa de construção de novas
usinas.
Os Estados Unidos e seus aliados no
monopólio nuclear, a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
inclusive, tudo fizeram para que não dominássemos essa tecnologia.
Dominada, querem impedir que dela nos utilizemos para nosso progresso. O
Brasil tem o projeto de equipar-se com submarinos nucleares, um já está
em construção, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, em consórcio com a
França. Como manter esse programa, vital para nossa segurança,
especialmente para a segurança do pré-sal, se não tivermos o combustível
nuclear? A conspiração antinacional de desmonte de nossos projetos
estratégicos, principalmente nas áreas de energia e segurança, está
exposta à luz do dia. Vejamos.
CC: Por que o programa nuclear é estratégico?
RA: Porque
com a conclusão de Angra 3, o Brasil, que domina a tecnologia de
produção do combustível, passará a produzi-lo em escala industrial,
privilégio até hoje dos países que têm a bomba atômica, e com eles
competirá no mercado mundial. Exatamente por isso é fundamental para
eles retardarem a conclusão de Angra 3, e para tanto utilizam o mesmo
argumento que levou Angra 2 a ser concluída com atraso de 20 anos: o
combate à corrupção.
Desta vez, procura-se enlamear a reputação do principal cientista do programa nuclear brasileiro, o almirante Othon (Luiz Pinheiro da Silva), que era o presidente da Eletronuclear,
proprietária das usinas. Por conta desse ataque, as obras são
paralisadas e não há previsão de recomeço, impondo insuperável prejuízo
técnico e financeiro. Quem pagará por isso? O Ministério Público, o
Tribunal de Contas ou o juiz Moro vão cobrar de alguém? O programa de
construção do submarino de propulsão nuclear foi praticamente
desativado, assim como o programa espacial.
CC: O programa aeroespacial é importante para o Brasil por quais motivos?
RA: O programa espacial tem como principal protagonista a Embraer,
hoje a terceira produtora de aviões comerciais no mercado mundial. Para
fragilizá-la, surgem denúncias de corrupção em vendas internacionais,
que dão origem a processos milionários na Justiça norte-americana, com a
omissão conivente do governo Temer.
O programa espacial próprio foi
desativado e já se fala em rediscutir a cessão aos EUA da base de
lançamento de foguetes de Alcântara, cuja ótima localização, próxima ao
Equador, só é rivalizada por Kourou, na Guiana Francesa.
Caso se concretize, afastará o Brasil do
lucrativo mercado de lançamento de satélites comerciais e deixará o
lançamento e operação de nossos satélites estratégicos e militares, como
os de comunicação e de rastreamento de nosso território para
acompanhamento de safras, acidentes meteorológicos e riquezas do
subsolo, entre outros, nas mãos de americanos, russos e chineses.
CC: Há quem considere a defesa do petróleo como anacrônica, dada a possibilidade de substituí-lo por outras fontes de energia.
RA: O petróleo
continuará por muitas décadas fonte essencial para a produção de
energia no mundo. A descoberta do pré-sal, a mais importante do planeta
nos últimos 30 anos, além de propiciar nossa independência em termos de
energia, nos colocaria no patamar dos produtores do Oriente Médio e a
Rússia.
A transformação da Petrobras, âncora do
desenvolvimento industrial brasileiro, em mera produtora de óleo bruto,
complementada pela entrega do pré-sal às petroleiras privadas
estrangeiras, significará 70 anos de retrocesso em nossa política
industrial.
CC: Se acrescentarmos o
impacto da Lava Jato na controladora da Odebrecht Defesa e Tecnologia,
coordenadora do projeto de submarino nuclear, quais as probabilidades de
sobrevivência deste?
RA: É importante
esclarecer que a coordenação do programa de construção de submarinos
não é da Odebrecht, e sim da Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento
de Submarino com Propulsão Nuclear, organização da Marinha criada com
esta finalidade. Nesse programa, a Nuclep, empresa estatal, é a
responsável pela fabricação dos cascos resistentes dos submarinos e de
componentes da planta de propulsão do submarino nuclear.
A Odebrecht participa como integrante da
Itaguaí Construções Navais, que é uma Sociedade de Propósito Específico
formada também pelo estaleiro francês DCNS e pela Marinha do Brasil,
esta com poder de veto (golden share). A ICN está encarregada da montagem, conclusão da fabricação e entrega dos submarinos à Marinha.
Com tantos parceiros estratégicos
envolvidos, há motivos para acreditar na sua continuidade, sem
interrupções, do ponto de vista técnico, mas isso de nada valerá se a
decisão política do governo for pela sua desativação. Desse governo nada
se pode esperar em sã consciência.
CC: Como o senhor analisa as
alegações de que, por não existir ameaça imediata ao País, não haveria
problema em reduzir ou mesmo cortar o projeto do submarino nuclear?
RA: Uma de
duas: ou estúpida ignorância, ou má-fé militante. Até o reino mineral
sabe que a moderna política de defesa se chama dissuasão. Trocando em
miúdos, quem quer se defender precisa se preparar para a guerra com o
objetivo de evitá-la, advertindo o eventual inimigo de que suas perdas
não compensariam os ganhos. Assim, evitando o ataque.
CC: Haveria um sentido comum nos ataques concomitantes ao pré-sal,
por meio da venda de campos de Carcará pela nova presidência da
Petrobras, e ao dispositivo de defesa com submarinos nucleares, por meio
do aniquilamento da Odebrecht e outras empreiteiras da cadeia produtiva
de óleo e gás?
RA: Sim, evidentemente que sim, e demonstrar esse elo foi o que tentei nas respostas anteriores.
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*Entrevista publicada originalmente na edição 924 de CartaCapital, com o título "Conspiração à luz do dia". Assine CartaCapital.
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