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09/11/2016
Celso Amorim e Trump
O perigo é o que ele vai fazer com o mundo
Conversa Afiada - publicado
09/11/2016
Foi Hillary quem não deixou sair o acordo com o Irã
O ansioso blogueiro conversou por telefone, desde Madrid, com o (excelente) ministro das Relações Exteriores do Presidente Lula.
PHA: Quais os efeitos da eleição de Donald Trump para o Brasil, na sua opinião?
Celso Amorim: Eu acho que a gente
tem que ficar preocupado com os efeitos do Trump para o mundo, não é ?
Sobretudo as atitudes preconceituosas que ele revelou e fazem parte de
uma onda conservadora da qual também fez parte o Brexit.
A atitude dele em relação aos mexicanos, em relação aos muçulmanos e
árabes em geral, em relação às mulheres... Quero dizer, tudo isso é,
sobretudo, um mal exemplo em um país que, bem ou mal, é um líder até em
termos ideológicos no mundo.
O mal que ele causa é pelo mal que
ele causa ao mundo. Agora, especificamente em relação ao Brasil, eu
sinceramente não vejo que vá mudar muito a política. Ele não dá muita
importância à América Latina, e ao Brasil por conseguinte, mas o Obama
não deu tanto... Na realidade, então, nesse aspecto eu me preocupo
menos.
Eu temo que ele queira, por
exemplo... não reverter, mas retardar o processo com Cuba, ter uma
atitude mais dura com Venezuela, esse tipo de coisa.
PHA: O fato de ele não defender a Trans-Pacific Partnership
(TPP), que era a menina dos olhos do Obama, e também o sonho de alguns
políticos brasileiros ligados ao PSDB... Isso pode ter algum efeito sobre a postura, por exemplo, do governo Temer em relação aos Estados Unidos?
Celso Amorim: Era bom que eles
percebessem que nem sequer os Estados Unidos estão defendendo o TPP. O
TPP é ruim em si pro Brasil. Para os Estados Unidos, eu não sei julgar -
eu sei que ele causa muitos problemas para os trabalhadores, porque ele
é uma coisa muito para beneficiar só as multinacionais. Mas, pelo
menos, são multinacionais americanas.
No caso do Brasil, eu acho que ele
seria muito negativo por vários motivos. O TPP seria muito restritivo em
relação à política de compras governamentais, que pode ser útil à
política industrial brasileira. Ele seria muito negativo para a política
de utilização de remédios genéricos, um assunto ao qual eu estou ligado
atualmente, inclusive pela minha função nessa organização, a UNITAID (http://www.unitaid.eu/en/) . As medidas de patentes e propriedade intelectual no TPP são muito mais duras - é o que eles costumam chamar de TRIPS Plus, muito mais duras do que as previstas no acordo da Rodada Uruguai e na Declaração de Doha, principalmente, que flexibilizou bastante.
Então, seria para o Brasil um
desastre entrar pro TPP. Eu tenho a impressão que agora o desastre não
vai ocorrer, porque não vai ter TPP.
Em francês tem um ditado: "à quelque
chose malheur est bom" (boas coisas podem vir do ruim). Na realidade,
embora a eleição do Trump seja ruim, pelo menos sob esse aspecto acho
que nós estamos livres de uma ameaça. Porque essa sequiosidade da mídia
brasileira, da grande mídia principalmente, e das elites, de uma parte
da elite que queria a todo custo entrar para esses mega-acordos
comerciais... Que hoje em dia tá todo mundo rejeitando! Na França, na
Inglaterra, ninguém mais quer fazer o outro acordo, da outra parceria, a
Parceria Transatlântica.
Agora, eu não posso excluir que o
Trump queira fazer acordos bilaterais. E aí que teremos que ver como
será. Mas eu acho que é muito difícil, porque a atitude dele, até com
relação ao NAFTA
(que une Canadá, México e EUA – PHA) é também negativa. Então, eu acho
que vamos ter que procurar o caminho que nós deveríamos estar procurando
o tempo todo, que é a integração com outros países em desenvolvimento,
integração com os BRICs - sem desprezar, naturalmente, o mercado
americano, o mercado europeu, mas sem também ter a ilusão de que esses
grandes acordos comerciais nos trarão vantagens. E voltar, se possível, a
uma negociação multilateral. Não sou cético de que isso possa
acontecer, mas vamos tentar fazer, pelo menos, entre aqueles que
queiram, entre os países do sul... Quem sabe a Europa se interessa,
também, diante das atitudes do Trump?
PHA: O senhor participou
diretamente da tentativa brasileira e da Turquia de fechar um acordo com
relação ao programa nuclear do Irã. O presidente Lula já disse várias
vezes que isso só não foi possível por causa da então Secretária de
Estado Hillary Clinton. O Trump diz que não vai reconhecer esse acordo.
Existe um perigo, na sua avaliação, de haver uma reversão ?
Celso Amorim: Muita coisa que se diz
na campanha depois não se realiza. O discurso dele hoje já foi um
pouquinho diferente de muita coisa que ele disse na campanha. Mas esse é
um risco, porque ele pode querer fazer isso por um gesto de demagogia
para atrair mais ainda o apoio da direita. Mas como eu acho que ele já
tem esse apoio da direita, eu tenho a impressão que, na realidade...
Eu não sei quem vai ser o Secretário
de Estado dele, mas essas coisas, às vezes, em política internacional,
acaba predominando uma certa dose de realismo. Na realidade, naquela
época, o Obama nos havia pedido, nós conseguimos fazer um acordo e, na
hora H, a própria Hillary deu pra trás.
Não é o momento de falar mal da
Hillary Clinton, acho eu. Até porque ela acabou de perder uma eleição.
E, bem ou mal, se eu fosse norte-americano eu teria votado nela. Não
escondo isso. Não que eu morresse de amores mas, pelo menos, ela
estaria, digamos assim, dentro do quadro da normalidade.
PHA: Dos males, o menor...
Celso Amorim: Ainda que a
normalidade possa não ser positiva. Mas o Trump, a gente não sabe. É uma
coisa totalmente inesperada. Eu acho que existem riscos. Por outro
lado, o Trump tem revelado, em relação a certos temas - por exemplo,
Síria e Rússia -, uma dose de realismo político maior.
Então, essa parte da relação
geopolítica com outros países é uma questão que a gente vai ter que ver.
Mas eu acho que vai haver sobressalto, pelo menos no curto prazo, nem
que depois ele renegocie e diga que "ah, não, agora tem um acordo
bom...". Sabe como é, né? Um pouco como Uribe estava tentando fazer na
Colômbia.
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