18/11/2016
O Xadrez da guerra mundial entre os poderes
O Rio de Janeiro é o Brasil amanha, com a combinação de três ingredientes explosivos.
Luis Nassif
O cenário principal
Este será o cenário social e político daqui para a frente, que servirá de pano de fundo para várias disputas políticas.
· A crise fiscal, obrigando o governo a impor sacrifícios.
· Os sacrifícios recaindo sobre os mais fracos e poupando os grandes marajás dos setores político, público e Jurídico.
· Denúncias que continuarão a fluir da Lava Jato.
· Uma política econômica que, para desconstruir a Constituição de 1988, não vacilará em aprofundar a crise, através dos instrumentos fiscais e monetários.
Cria-se uma situação de absoluta instabilidade, da qual agentes oportunistas tentarão se valer de uma forma ou outra. O que está acontecendo no Rio de hoje – revoltas populares contra os cortes fiscais, políticos presos, para acentuar mais ainda a demonização da política, é um retrato do processo que entrará em marcha por todo país.
Os campos de disputa
As disputas estão ocorrendo nos seguintes ambientes...
1. Opinião publicada.
2. Congresso.
3. Justiça
4. Ministério Público Federal.
5. Polícia Federal.
6. Ruas.
... tendo como personagens centrais:
1. A Rede Globo, seguida pelas empresas jornalísticas menores.
2. O PSDB.
3. A camarilha de Temer, tendo como liderança mais expressiva o senador Romero Jucá.
4. Senador Renan Calheiros, principal liderança política no Senado.
5. A presidente do STF/CNJ Carmen Lúcia, subordinada ao Ministro Gilmar Mendes.
6. O Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
7. O PT e as oposições em geral.
Em qualquer hipótese, a falta de qualquer projeto da parte dos vencedores em breve os obrigará a ampliar os avanços inconstitucionais.
Jogada 1 – o PSDB avançando no Judiciário
Há a uma aliança clara envolvendo o PSDB-Globo-STF-PGR. E um conjunto de circunstâncias que irá definir se, nos próximos meses, avançará o golpe no golpe.
Vamos por partes.
Hoje em dia, o PSDB praticamente tem o controle do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), através da Ministra Carmen Lúcia (sob a liderança de Gilmar Mendes) e da Lava Jato e da PGR (Procuradoria Geral da República), através de Rodrigo Janot. E domina também a Polícia Federal.
Carmen e o STF
No STF, a presidente Carmen Lúcia não disfarça mais seu alinhamento político: está totalmente subordinada ao Ministro Gilmar Mendes e alinhada com a articulação do PSDB-mídia.
Hoje em dia, a maior vergonha no Supremo são os pedidos de vista, que paralisaram 216 processos (http://migre.me/vwsvT). Especialmente os pedidos de vista reiterados de Gilmar Mendes atentam contra o decoro da casa.
Na quarta-feira, quando o Ministro Ricardo Lewandowski acertadamente protestou contra a manobra de Gilmar Mendes – que pediu vista de um processo após ter votado e se dado conta de que perderia a votação – Carmen Lúcia conseguiu superar a devoção de Dias Toffoli, ao dar razão a Gilmar.
No CNJ, compôs um conselho que está blindando os aliados. Na primeira sessão, houve um acordão, envolvendo o corregedor do órgão, Ministro João Otávio de Noronha – estreitamente ligado a Aécio Neves, assim como Carmen -, que livrou de um Processo Administrativo Disciplinar Luiz Zveiter – polêmico desembargador carioca, ligadíssimo à Globo, presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Segundo nota do CNJ de 6 de dezembro de 2011 (http://migre.me/vwnZX), “na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo assim a incorporadora (Cyrella), quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa”.
Segundo o voto do relator Fabiano Silveira (http://migre.me/vwo4O), “o requerido não possuía elementos suficientes para identificar eventuais interesses patrocinados pelo escritório de advocacia de seus familiares, pois tais dados não constavam do cabeçalho do processo”. Simples assim. Bastou para a maioria acompanha-lo.
Obviamente por coincidência, dias após Zveiter se livrar do CNJ, uma operação de guerra prendeu o ex-governador Anthony Garotinho – o político que mais enfrentou a Globo – por conta de inquéritos que caminharam no TRE do Rio, presidido por Zveiter. E a Globo exerceu a crueldade com toda a força, expondo um Garotinho coberto apenas com um lençol, sendo transportado pela polícia de um hospital para outro. Afinal, inimigo não é gente.
Na última sessão do CNJ (http://migre.me/vwoMt), Carmen Lúcia anunciou a composição do conselho consultivo do DPJ (Departamento de Pesquisas Judiciárias), com dois militantes políticos claramente vinculados ao PSDB, o ator Milton Gonçalves, que participou da campanha de Aécio Neves (http://migre.me/vwoKI) e a jornalista Mirian Leitão. Tanto no DPF como no próprio CNJ, Carmen tem matado qualquer veleidade de diversidade de pensamento, partidarizando ambas as instituições de uma forma inédita e aprofundando a ditadura da maioria.
Para todas suas reuniões, com presidentes de tribunais e autoridades de outras esferas, Carmen se faz acompanhar por Gilmar e por Yves Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, e membro ativo da Opus Dei.
Na Procuradoria Geral da República
Na entrevista em que mencionou que a Lava Jato “envergou a vara da corrupção sistêmica do país”, após garantir que “pau que bate em Chico bate também em Francisco”, Janot respondeu aos questionamentos sobre o fato de não haver nenhuma denúncia no Supremo contra o PSDB. A resposta foi que “as operações são complexas”, por isso demoram.
É o PGR quem define a fila e é evidente que seus aliados esperarão a perder de vista.
Tivesse um mínimo de isonomia, a esta altura pelo menos UM cacique do PSDB teria sido alvo de condução coercitiva.
Jogada 2 – a disputa Congresso x Lava Jato
Com o PSDB tendo fortes aliados no sistema jurisdicional, fica aguardando o desfecho das disputas entre o MPF e a Lava Jato contra o Senado, cuja resistência vem sendo liderada pelo presidente Renan Calheiros.
Não se tenha dúvida de que a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, foi a resposta da Lava Jato à resistência imposta pelo Congresso às tais Dez Medidas, assim como as ameaças de levantar os salários do Judiciário acima do teto constitucional.
Não que Cabral não merecesse. As festas de que participou em Paris são um clássico desses tempos de dissipação.
Mas a escolha do momento, o show completo, com policiais armados, cobertura integral da Globo, em um momento em que a Assembleia Legislativa planeja jogar a conta sobre os mais fracos, e o Senado endurece com o Judiciário, abre a garrafa completamente e deixa escapar o gênio da rebelião popular.
Daqui até a votação das Dez Medidas, o MPF vai manobrar politicamente a Lava Jato, como tem feito até agora. Ontem, o PGR Rodrigo Janot criou um imenso grupo de trabalho destinado a pressionar politicamente o Congresso. Perdeu-se totalmente o pudor e os limites de atuação dos poderes.
E o juiz Sérgio Moro tratou de politizar a prisão de Sérgio Cabral Filho, atribuindo à corrupção os problemas enfrentados hoje em dia pelo Rio de Janeiro.
Montaram em um barril de pólvora, com a criminalização final da classe política.
Jogada 3 – a mídia, de Napoleão a Temer
No Alvorada, a mídia produz a última entrevista da Ilha Fiscal, cujo retrato definitivo foi o vídeo-selfie de um jornalista embasbacado por se ver no centro do poder e saber que Michel Temer é personagem de carne e osso, e não um anti-herói da família Marvel. E toca a apertar o braço de Temer, fazendo a colunista, frequentadora dos insondáveis encontros no solar do jornalista Jorge Bastos Moreno, exibir um sorriso malicioso para sugerir os dotes de conquistador de Temer - que certamente não foram exercitados com o anfitrião, apesar da sua paixão pública pelo presidente conquistador.
Seguramente, um dos momentos mais degradantes da história da imprensa brasileira.
Na Tribuna da Bahia, antes desse episódio, Victor Hugo Soares sintetizou magistralmente o quadro atual da mídia no artigo “De Napoleão a Trump: a grande (e pequena) imprensa em xeque”( http://migre.me/vw8MR).
“Na grande (e pequena) mídia – nos Estados Unidos, na Europa e pelas bandas de cá do Atlântico Sul – parece se caracterizar um quadro semelhante ao de uma história clássica, deliciosa, mas implacável na crítica da imprensa europeia. Conto neste espaço, outra vez, antes do ponto final, para os de memória mais curta.
Quando Napoleão fugiu da ilha de Elba e desembarcou no Golfo Juan, o jornal mais importante da França escreveu em sua manchete principal:
“O bandido corso tenta voltar à França”.
Quando o bandido corso alcançou o meio do caminho para Paris, o mesmo periódico escrevia:
“O general Bonaparte continua a sua marcha rumo a Paris”.
Quando o general Bonaparte se encontrava a um dia de Paris, o jornal dizia:
“Napoleão segue a sua marcha triunfal”.
Quando Napoleão entrou na capital de seu império perdido, o periódico arrematou o processo de sua informação com esta manchete:
“Sua Majestade o Imperador entrou em Paris, sendo entusiasticamente recebido pelo povo”.
Não se sabe se alguém perguntou a Napoleão como ele conheceu Josefina. Mas como o artigo foi republicado no Blog do Noblat, dias antes da entrevista no Alvorada, ganhou um cunho premonitório.
Não é apenas a perda da noção de ridículo que caracteriza esses tempos bicudos, mas um esfacelamento total da República.
No caso da midia com Temer se trata de amor por interesse.
Do lado da Globo, há o exercício desmedido do poder, uma imprudência de quem não consegue enxergar o futuro – do mesmo modo que Rodrigo Janot, criando ameaças para o MPF que atravessarão gerações. Mas o que fazer? São meramente homens de seu tempo, pequenos poderosos, sem um pingo de perspectiva da história.
Do lado dos demais veículos, uma situação econômica que os levou a uma rendição humilhante ao lado mais corrupto da política. Tornaram-se os soldados do MInistro Eliseu Padilha.
Da mídia, não se espere nenhuma luz, nesse oceano de informações em curto-circuito que caracteriza o atual estágio da política e das instituições brasileiras.
E no mercado – que tem na mídia seu principal porta-voz – há uma insensibilidade geral. Estão lançando o país em uma crise econômica e política sem precedentes, da qual pode sair de tudo: até um governo autocrático que, mais à frente, imponha restrições severas a esse mercadismo de meia pataca.
Jogada 4 – os vencedores sem projeto
Praticaram um golpe de Estado sem a menor noção sobre as consequências futuras. Através da mídia, criaram um mundo imaginário, uma orquestração, cujo único ponto de convergência era a derrubada do governo e a eliminação do inimigo comum, o PT, e o único ponto de mobilização o exercício continuado do ódio. E, tal como vendedores de xaropes do Velho Oeste, venderam ilusões de que a queda de Dilma produziria crescimento, prosperidade, o fim do mal-estar geral.
Esse quadro se desenrola em um país institucional e politicamente desmontado, e com uma política fiscal-monetária que ampliará o desconforto geral.
Na malta que confunde a bandeira do Japão com a bandeira do Brasil comunista, há pequenos empresários destruídos pela crise, desempregados, funcionários públicos sem receber, alguns expondo justa indignação, e a massa de manobra de sempre, estimulando a radicalização, todos eles querendo um bode expiatório. E o bode que está sendo apresentado é o da democracia.
E agora?
Consumado o golpe, com o inimigo saindo de cena, há uma anarquia institucional inédita, uma subversão ampla, com disputas entre poderes.
Trata-se de um caso clássico de marcha da insensatez na qual o país se meteu.
Nos próximos meses, aumentará o mal-estar com a crise e com a falta de perspectivas de recuperação da economia. As brigas intestinas entre Legislativo e Judiciário comprometerão a ambas. A vergonhosa blindagem do MPF aos seus aliados tucanos ajudará a erodir a ideia de pureza da Lava Jato.
Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão.
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