13/11/2016
Vitória do medo
Jornal O Povo - 13/11/2016
por Valdemar Menezes
A vitória de Donald Trump é, em primeiro lugar, resultado da crise econômica que abala o sistema
capitalista mundial, e que teve como sua causa mais remota os altos gastos com as guerras travadas pelos Estados Unidos. E, como deflagrador mais imediato, a bolha imobiliária americana, em 2008, seguida da quebra do Lehman Brothers, o quarto maior banco de crédito dos EUA, com as consequências já conhecidas. Mesmo contida, pela intervenção do Estado que empregou dinheiro do Tesouro para salvar o sistema financeiro privado, os custos da crise foram altos e desaguaram na recessão, no aumento do desemprego, (sobretudo na indústria) e da desigualdade social americana. A modesta recuperação nos governos Obama não estancou a insatisfação com o sistema político americano, dominado ostensivamente pela plutocracia e cada vez mais degradado. Não é de causar admiração que o eleitor se sinta enganado pelos políticos do sistema e, à falta de opção, se deixe levar pela política do medo difundida por quem se faz passar por “não-político.”
BARBÁRIE
Os dois partidos principais pouco se diferenciam entre si. Só discrepam, em questões pontuais. Crises no capitalismo - quando a esquerda está desmobilizada - quase sempre abrem espaço para a extrema-direita. Esta costuma criar “bodes expiatórios” para concentrar a ira dos revoltados: na Alemanha nazista, foram os judeus e os comunistas; na América macarthista, foram os comunistas. Agora, na era trumpista, são os imigrantes. Ao responsabilizar apenas os políticos (e a própria democracia) pelos nós do sistema, os ultradireitistas escondem o papel decisivo jogado pelos financistas da Wall Street, enquanto dissemina ódio, medo, exacerbação do individualismo, preconceitos, intolerância e violência brutal. Só lhe resta a barbárie como projeto, pois o capitalismo não tem mais resposta para os problemas do mundo. Basta ver o muro prometido por Trump para separar os EUA do México, ou a oficialização da tortura contra suspeitos de terrorismo, para se ter uma ideia do que nos espera.
SIMULACRO
Na verdade, o modelo institucional americano conviveu com a escravidão durante quase um século; e com um apartheid racial até os anos 60 do século XX. Além do mais, teve suas instituições capturadas e dominadas cada vez mais pela plutocracia. Sua degradação chegou a tal ponto que nega totalmente seus princípios fundantes. Legitima a realização de golpes de estado contra governos eleitos que não se dobrem a seus interesses, ao mesmo tempo que apoia ditaduras subservientes. Sempre foi difícil ao capitalismo ser coerente na defesa do Estado Democrático de Direito em vista da supremacia do poder econômico. Na sua versão mais liberal – a americana – a democracia é engolida pelos interesses do capital. Cidadãos condicionados por essa realidade de exaltação ao individualismo e de desinformação sobre as causas reais da crise não têm condições de se liberar do bombardeio massivo do sistema sobre suas cabeças. Isso explica, em parte, a dificuldade para se construir um projeto socialista ou, ao menos, progressista, nos EUA.
PLUTOCRACIA
O sistema eleitoral americano foi construído de uma forma intrincada e vulnerável à manipulação, pelo simples receio de se dar autonomia efetiva ao eleitor. A sua incongruência foi revelada por diversas vezes ao longo da História, quando a expressão da maioria eleitoral popular teve de ceder ao caciquismo que controla os delegados do colégio eleitoral, como ocorreu nesta própria eleição, quando Hillary ganhou a eleição por 200 mil votos populares, mas, prevaleceu os votos dados a Trump pelos delegados estaduais, escolhidos por mecanismo polêmico e vulnerável a manipulações. O escândalo mais estridente desse modelo foi o da eleição do democrata Al Gore pelos votos populares, por maioria de mais de 500 mil votos, mas o empossado foi o republicano George Bush Jr., eleito pelo colégio de delegados. Como houve grande reação da opinião pública, o impasse foi resolvido pelo Judiciário majoritariamente republicano em favor de Bush. Recentemente, a Suprema Corte tirou as mínimas restrições que haviam para o financiamento das campanhas eleitorais pelo poder econômico. Não há qualquer limite para as doações, colocando ostensivamente o poder político nas mãos dos magnatas.
Um absurdo.
DOIS PROFETAS
O papa Francisco, a voz mais incômoda ao sistema, acolheu no Vaticano, o III Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Dentre os conferencistas estavam o ex-presidente do Uruguai, José Mujica e João Pedro Stédile, presidente do MST. Uma nota de solidariedade ao MST foi emitida na ocasião denunciando a invasão de três de suas sedes pela polícia. No encontro, Francisco reiterou sua condenação ao sistema. A propósito, o evento coincidiu com a comemoração, em Fortaleza, dos 50 anos de ordenação episcopal de outro profeta vigoroso, dom Edmilson da Cruz, bispo emérito de Limoeiro do Norte. Uma concelebração, na catedral, na última segunda feira, marcou a efeméride.
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