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04/04/2017
Renato Janine Ribeiro: “Ciências sem Fronteiras não era um programa social”
Diário do Centro do Mundo - Postado em 04/042017
Ciências sem Fronteiras. Se é verdade que o MEC cortou o programa para colocar o dinheiro na merenda escolar, está correto. Repito: está correto. Não há verba para tudo o que desejaríamos. Vivi inúmeras escolhas de Sofia. Uma delas foi esta. A última leva de alunos do CsF – 5500 bolsistas – recebeu a carta de concessão antes de eu me tornar ministro.
Vivemos a dúvida: mandamos os alunos ou não? Legalmente, o contrato previa a hipótese de não mandar, mesmo com carta de concessão, se não houvesse dinheiro.
A Fazenda pressionou fortemente nesta direção. Mas nós mesmos do MEC pensávamos, é justo pagar 100 mil dólares por aluno quando com isso poderíamos fazer creches, que eram então uma prioridade? Lutamos com a Fazenda, lutamos no Planalto, e conseguimos o dinheiro para mandar. Conseguimos em termos, porque acabamos perdendo 10 a 15 bi do orçamento do MEC em 2015, devido à crise, e conforme a conta que fizermos isso pode incluir o CsF.
O ponto que quero discutir é outro: se o CsF foi inútil ou não deu resultados.
Foi uma decisão da presidente Dilma, no seu primeiro mandato. Mudava a política vigente. Até então, só a Capes dava bolsas integrais de doutorado no exterior, ninguém as dava de mestrado e menos ainda para graduação. A ideia era que tínhamos já cursos de mestrado e doutorado bons o bastante para só precisarmos mandar para fora estudantes de sanduíche de doutorado (um ano no meio da formação) e de pós-doutorado.
Dilma entendeu que era importante internacionalizar nossos alunos de engenharia e outras áreas de impacto direto na produção econômica. Objetivo: melhorar nossa economia, aumentar rendimentos, crescer produtividade, dar sustentação à inclusão social. Por isso, claro, embora ela adore balé, não daria bolsas de balé, porque não injetam glicose na veia da economia. Simples assim.
Os alunos foram. A Capes e o CNPq tiveram que se virar nos trinta para mandar em poucos anos cem mil alunos. Ouvi uma quantidade enorme de elogios aos resultados, inclusive das melhores universidades do mundo.
Mas houve problemas. Por isso, quando não tivemos dinheiro para mandar novos alunos (além dos cem mil que já tinham ido, arredondando o número), a ideia foi rever o programa. Carlos Nobre, presidente da Capes à época, debruçou-se sobre isso.
Um dos problemas foi o fato de não haver um monitoramento constante dos alunos. Muitos ficaram soltos demais. Os acidentes e incidentes reportados com alunos do CsF se davam, recebi esta informação, quando eles estavam fora de onde deviam estar. Tipo sua bolsa é para Heidelberg e vc está em Paris. Também houve a maldade do “turismo sem fronteiras”. Maior acompanhamento resolveria isso. Era solucionável.
Ao fim e ao cabo, numa empreitada de risco como é tudo o que envolve ciência, os resultados foram positivos, segundo me foi relatado. Mas 1) não havia dinheiro para continuar, era preciso suspender o programa – o que fizemos; 2) era o caso de rever seus padrões, o que exigiria um estudo aprofundado, de modo que quando ele fosse recriado, tivesse novas bases.
Resumo? Suspendemos, não fechamos. Ainda não há dinheiro, não haveria como reabri-lo. Lamento a decisão de fechá-lo, se isso for verdade. Mas se eu fosse ministro não o reabriria antes de completar a construção de creches.
Finalmente: não se pode pensar o CsF em torno só do fato de que deu chance a pobres de estudar fora. Não, ele não era um programa de inclusão social neste nível tão elementar. Era para bons e ótimos alunos, ricos ou pobres. Neste sentido, sim, mandou pobres para fora. Mas não era um programa social.
Era um programa para fortalecer a economia brasileira e a parte que a Ciência e a Tecnologia nela desempenham. Isso é muito bom, mas claro que depende de dinheiro e de qualidade.
Se for preciso desenhar, desenho. Aumentando a produtividade econômica, um governo popular aumenta a riqueza e a remuneração no País. Ou seja, aí sim tem um impacto popular. Mas o impacto se dá no efeito, não na seleção dos candidatos.
Resumo final: deveriam rever o programa, mesmo que demorassem a relançá-lo. A experiência de mandar alunos de engenharia para o exterior, durante a graduação, existe há anos na USP e em outros lugares. No caso, para a França. Conheci o prof. Vahan Agopyan justamente fazendo isso: escolhendo alunos da Poli, da USP, que iam estudar um ano de engenharia na França. Outra hora conto, ou se ele quiser ele conta, como eles aprendiam engenharia de pontes. Água na boca.
(Não revisei porque estou saindo para Coimbra).
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