02/07/2017
A última linha de defesa
Brasil 247 - 2 de Julho de 2017
por Carlos D'Incao
Entender a atual conjuntura política nacional é algo cada vez mais difícil. Os fatos ocorridos desde a reeleição de Dilma até os dias atuais nos coloca a obrigação moral de tomarmos posições políticas.
Está claro que são raros aqueles que se situam no campo progressista e que conseguem enxergar algum lado positivo no golpe de 2015 e nas reformas ultra-neoliberais da atual Ditadura Temer-Tucana.
Porém, uma coisa é ter apoiado a reeleição de Dilma frente a uma opção tucana, ter lutado contra o golpe, ter denunciado a falácia da Lava-Jato, se contrapor veementemente contra a Reforma Trabalhista e Previdenciária e apoiar uma eleição direta onde Lula teria claras possibilidades de ser eleito e, desta forma, ter o poder de frear o avanço das forças reacionárias.
Outra coisa - muito diferente - é se propor a realizar uma análise de conjuntura onde é necessário pensar nas águas profundas que movimentam a realidade brasileira.
Isso significa tentar realizar o difícil ofício de compreender a dinâmica de um sistema econômico que está em uma nova fase de desenvolvimento e encontra o nosso país apenas como "um caso" entre tantos outros existentes em todo o planeta.
O mundo capitalista está caminhando para uma fase a qual denominamos de “tendência geral de queda nos lucros”. Nessa fase, as grandes corporações não conseguem mais atingir o nível de lucros e rendimentos do passado, pois os meios de obtê-los (a exploração do trabalho e a ampliação de mercados) estão se exaurindo.
Nesse caso, o sistema econômico precisa realizar um duplo movimento: destruir todo e qualquer obstáculo que ainda existe para realizar uma livre e brutal exploração do trabalho e destruir os mercados existentes para reconstruí-los sob novas e mais vantajosas formas.
Em suma: o sistema quer impor a toda humanidade a destruição global dos direitos da classe trabalhadora e a destruição de países inteiros através da guerra.
Alguns países estão na lógica da guerra (Síria, Iraque, Afeganistão, Líbia, etc) e outros estão na lógica da destruição dos direitos trabalhistas. O Brasil faz parte do segundo grupo.
Em ambos os grupos, a defesa da democracia e da soberania nacional soa como uma “ofensa” aos ouvidos do mercado. O sistema precisa de governos ditatoriais para realizar as medidas correspondentes aos seus interesses. O governo Temer, a princípio, parece ser um deles.
O mercado exige as Reformas Trabalhista e Previdenciária aprovadas no Senado “para ontem”, se o nosso país quiser ter acesso a capital e crédito. Assim sendo, aparentemente ele opera nos bastidores para que Aécio fique livre e que Lula seja preso, ou… ao menos condenado a ponto de não poder concorrer a nenhuma eleição.
Entretanto, quem disse que o povo brasileiro não pode decidir que - no caso do impedimento de Lula - outro candidato qualquer do campo progressista vença as próximas eleições? O mercado não é estúpido. Ele sabe que esse cenário é possível. Exatamente por essa razão ele exige o fim da já combalida democracia brasileira.
Porém, quem disse que mesmo sem Lula e sem um sistema democrático, uma outra liderança política qualquer não pode criar ainda mais obstáculos para os livres interesses do mercado?
O mercado já viveu realidades semelhantes… Ele já derrubou governos democráticos e descobriu que suas sucessões foram ainda mais amargas. Exatamente por essa razão, o mercado não quer apenas a cabeça de Lula e o fim da democracia. Ele quer também a morte da política.
E como o mercado faz para destruir a política? Simples: demonizando-a. Dessa forma, o povo se voltará contra todos os políticos e elegerá para esse mundo, personagens “não políticos”.
O mercado quer um Congresso e um Senado dominado por “Tiriricas” e os cargos do Executivo sob a tutela de “Dórias”.
Um Legislativo sem legisladores terá as leis redigidas pelo mercado. E um Executivo sem líderes políticos não formará governos mas sim, “gestões” conduzidas e elaboradas pelo próprio mercado.
Percebam que “Tiriricas” e “Dórias“ conseguem ocupar cargos de legisladores ou governos por vários mandatos; entretanto, “Tiriricas” ou “Dórias” jamais conseguiriam ocupar cargos de juízes, promotores ou até mesmo de advogados.
Daqui deduzimos que o mercado não quer apenas a morte da política, mas deseja, sob seu cadáver, um Judiciário forte e que domine por completo todos os outros poderes.
Por essas razões aqui expostas, vemos diariamente nos noticiários (financiados pelos banqueiros) o mundo político sendo denegrido sistematicamente e diariamente.
Parece até que no poder Judiciário não há corrupção… Logo aqui no Brasil, onde traficantes compram sentenças de juízes e grandes empresários - que confessam crimes por delação - ganham sua liberdade e salvo-conduto para morar nos EUA…
Na realidade o que temos aqui é um ataque ao coração do maior inimigo contemporâneo do mercado: a política.
Sob essa perspectiva, não veremos o retorno de Aécio com vibração e alegria pela imprensa (e muito menos pelo mercado). A grande mídia quer execrar todos os políticos de todos os partidos e de todas as correntes.
E... a Rede Globo é a vanguarda desse movimento... Por isso que ela, aparentemente “do nada”, abandonou o governo Temer e iniciou um ataque diário ao personagem que antes era visto como a “solução para todos os males do Brasil”…
Acontece que a classe política parece ter percebido esse jogo. Ela percebeu que está diante de um processo que resultará em sua própria extinção... e lutará para não morrer... e o maior líder político do Brasil é justamente o Lula...
Tudo isso está claro agora. O que está obscuro é saber se essa classe seria capaz de se unir a ponto de ter Lula como seu líder para evitar a sua própria morte.
Nesse momento estamos diante de uma aparente luta de “corporativismos”. O Judiciário contra o Legislativo e o Executivo. Mas, na realidade, estamos diante de uma luta entre o mercado e a política. No fim, a vitória do mercado nessa luta é - sob qualquer perspectiva - a maior tragédia que pode ocorrer contra toda a classe trabalhadora e ao nosso país.
É chegada a hora de pararmos de celebrar a prisão de políticos e pararmos de fazer coro com a Rede Globo contra decisões do STF que fortalecem as instituições políticas, mesmo que estas não estejam, nesse momento, ocupadas por aqueles que são do campo progressista.
No fim, devemos atuar dessa forma se temos o interesse de defender a classe trabalhadora e o Brasil como uma nação soberana. A defesa da política é a última linha de defesa que está posta. Para além dela, só nos restará a Ditadura do mercado.
Carlos D'Incao é historiador
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