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A direita nos protestos
Urariano Mota*
Recife (PE) - No momento em que esta coluna entra no
ar, o trânsito no centro do Recife está parado. Os jovens nas ruas em
manifestações de protesto viraram o maior carnaval fora de época em
Pernambuco. A parada geral recebeu a providencial força de uma greve de
motoristas de ônibus em toda região metropolitana. Natural e coerente,
pois o protesto é contra o aumento das passagens, não? Não. É contra
tudo. E, justiça seja feita, o mundo todo, tudo da terra aos céus
precisa de mudanças, do campo à cidade, das mulheres aos homens, das
crianças aos jovens, do povo ao povo. Tudo precisa de mudanças reais,
radicais e na maior urgência. Pelas trombetas de toda a imprensa, tudo
tem que ser agora, a hora é esta. “Vem para a rua” virou um grito de
oprimidos sob o patrocínio do capitalismo.
Isso longe está de ser um fenômeno do acaso, uma aparição marginal à
lógica do tempo. Se só víssemos a realidade com os olhos de hoje, seria
inexplicável notar que toda a mídia esteja unida na divulgação e no
apoio aos jovens nas ruas. No rádio, jornais, revistas e televisão, os
caras são a juventude revoltada. Projeta-se até mesmo uma telenovela com
os novos heróis, numa assimilação rápida do instante presente, numa
criação inédita, pois nenhuma arte fez isso até hoje. O sistema é
esperto e multiforme. Há até quem diga que a depredação de bancas de
revista e lojas será um ótimo negócio para os bancos: os pequenos
empresários, falidos, procurarão empréstimos a qualquer taxa de juros.
O protesto virou um happening. É a maior festa do Face. Um evento de
sucesso. Mas a “juventude indignada” é mais que um movimento nascido no
Facebook. Além de ser o que dele falam alguns sociólogos, quando o veem
como resultado das condições sociais e econômicas do Brasil, os
protestos nas ruas parecem ser, de imediato, um acúmulo da doutrinação
da mídia que, à semelhança de música do hit parade, martelou denúncias
diárias e frequentes do mensalão, na fúria contra os governos Lula e
Dilma. Ele, o espantalho Lula/Dilma, com as suas bolsa família, perdão,
Bolsa esmola e prounis, ameaçou diminuir o poder secular da elite
brasileira. Mas como pode um protesto de jovens ser conservador, pois
tudo que é jovem é novo e belo, pois não? Como poderia um protesto
contra o mundo se voltar contra governos à esquerda?
Pois sim. Em São Paulo, militantes de partidos políticos foram
expulsos do ato na Praça da Sé. Mais, em maioria, os jovens nas ruas
negam a existência de partidos políticos, quero dizer, negam o direito à
existência dessas legítimas expressões da democracia. Em seu lugar, nas
ruas levantam bandeiras e lemas velhos, desde a Itália e Alemanha dos
anos 30: falam em “nação”, em “pátria”, quando mais próprio deveriam
falar no fascínio do fascismo sobre as suas cabecinhas. O movimento,
aqui e ali, tem se transformado em algo sujo e excludente, que todos
conhecemos como a direita. Em página do facebook, as múmias da ditadura
aproveitam e criam um Golpe Militar 2014, com quase 5.000 pessoas. É
essa a primavera brasileira?
Alegam, os velhinhos à moda paizão, que isso é a minoria, que tais
ocorrências não refletem o caráter dessa coisa nova, linda e
inexplicável de um movimento de massa independente. Então, como
assimilar jovens universitários com bandeiras do gênero “Foda-se o
Brasil”? Seria isso a revolta justa de alguém excluído dos benefícios
dos últimos governos? Um programa de construção para a identidade
nacional? Ou será algo mais próximo de velhíssimos fascistas que
sobrevivem em peles de pouca idade, malhadas, dos grupos neonazistas ou
alienados em geral que se referem a nordestinos como os mendigos do
Bolsa Família? Mas isso é um fenômeno marginal, fala-se, em um movimento
de mais de 100 mil em passeata, em multidões de Galo da Madrugada em
pacífica reivindicação.
Sim, com tais extremos, é minoritária a expressão do fascio. Mas há
uma imensa massa despolitizada onde tais apelos impressionam. Numa
pesquisa empírica, que os órgãos de melhor método poderão confirmar,
perguntem aos revoltados da hora quais os problemas do Brasil. A maioria
vai declarar que o maior deles é a corrupção. Em cartazes, todos vemos
nas passeatas “Cadê a Dilma da guerrilha?”. Vídeos no YouTube com falas
de carinhas moças chamam para as ruas com “Vamos parar a roubalheira do
governo... Vamos parar com essa palhaçada do governo do Brasil... O
Inimigo é o Governo”.
A terra é fértil para a pregação de coisas antigas em rostinhos e
corpos jovens. Esse é o dado novo, que se desconfiávamos não
adivinhávamos. O gigante acordou, o gigante de nossas consciências
acordou.
Chega de afagos demagógicos.
*Urariano Mota - É
pernambucano, jornalista e autor dos livros "Soledad no Recife" e “O
filho renegado de Deus”. O primeiro, recria os últimos dias de Soledad
Barrett. O segundo, seu mais novo romance, é uma longa oração de amor
para as mulheres vítimas da opressão de classes no Brasil.
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