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21/06/2013
A direita também disputa ruas e urnas
Do Articulações de esquerda - sexta-feira, 21 de junho de 2013
Por Valter Pomar*
Quem militou ou
estudou os acontecimentos anteriores ao golpe de 1964 sabe muito bem
que a direita é capaz de combinar todas as formas de luta. Conhece,
também, a diferença entre “organizações sociais” e “movimentos sociais”,
sendo que os movimentos muitas vezes podem ser explosivos e
espontâneos.
Já a geração
que cresceu com o Partido dos Trabalhadores acostumou-se a outra
situação. Nos anos 1980 e 1990, a esquerda ganhava nas ruas, enquanto a
direita vencia nas urnas. E a partir de 2002, a esquerda passou a ganhar
nas urnas, chegando muitas vezes a deixar as ruas para a oposição de
esquerda.
A direita, no
dizer de alguns, estaria “sem programa”, “sem rumo”, controlando
“apenas” o PIG, que já não seria mais capaz de controlar a “opinião
pública”, apenas a “opinião publicada”.
Era como se
tivéssemos todo o tempo do mundo para resolver os problemas que vinham
se acumulando: alterações geracionais e sociológicas, crescimento do
conservadorismo ideológico, crescente perda de vínculos entre a esquerda
e as massas, ampliação do descontentamento com ações (e com falta de
ações) por parte dos nossos governos, decaimento do PT à vala comum dos
partidos tradicionais etc.
Apesar destes problemas, o discurso dominante na esquerda brasileira era, até ontem, de dois tipos.
Por um lado, no
petismo e aliados, o contentamento com nossas realizações passadas e
presentes, acompanhada do reconhecimento mais ou menos ritual de que
“precisamos mais” e de que “precisamos mudar práticas”.
Por outro lado,
na esquerda oposicionista (PSOL, PSTU e outros), a crítica aos limites
do petismo, acompanhada da crença de que através da luta política e
social, seria possível derrotar o PT e, no lugar, colocar uma “esquerda
mais de esquerda”.
As manifestações populares ocorridas nos últimos dias, especialmente as de ontem, atropelaram estas e outras interpretações.
Primeiro,
reafirmaram que os movimentos sociais existem, mas que eles podem ser
espontâneos. E que os autoproclamados “movimentos sociais”, assim como
os partidos “populares”, não conseguem reunir, nem tampouco dirigir,
uma mínima fração das centenas de milhares de pessoas dispostas a sair
ás ruas, para manifestar-se.
Em segundo
lugar, mostraram que a direita sabe disputar as ruas, como parte de uma
estratégia que hoje ainda pretende nos derrotar nas urnas. Mas que
sempre pode evoluir em outras direções.
Frente a esta
nova situação, qual deve ser a atitude do conjunto da esquerda
brasileira, especialmente a nossa, que somos do Partido dos
Trabalhadores?
Em primeiro
lugar, não confundir focinho de porco com tomada. As manifestações das
últimas semanas não são “de direita” ou "fascistas". Se isto fosse
verdade, estaríamos realmente em péssimos lençóis.
As
manifestações (ainda) são expressão de uma insatisfação social difusa e
profunda, especialmente da juventude urbana. Não são predominantemente
manifestações da chamada classe média conservadora, tampouco são
manifestações da classe trabalhadora clássica.
A forma das
manifestações corresponde a esta base social e geracional: são como um
mural do facebook, onde cada qual posta o que quer. E tem todos os
limites políticos e organizativos de uma geração que cresceu num momento
"estranho" da história do Brasil, em que a classe dominante continua
hegemonizando a sociedade, enquanto a esquerda aparentemente hegemoniza a
política.
A insatisfação expressa pelas manifestações tem dois focos: as políticas públicas e o sistema político.
As políticas
públicas demandadas coincidem com o programa histórico do PT e da
esquerda. E a crítica ao sistema político dialoga com os motivos pelos
quais defendemos a reforma política.
Por isto, muita
gente no PT e na esquerda acreditava que seria fácil aproximar-se,
participar e disputar a manifestação. Alguns, até, sonhavam em dirigir.
Acontece que,
por sermos o principal partido do país, por conta da ação do consórcio
direita/mídia, pelos erros políticos acumulados ao longo dos últimos dez
anos, o PT se converteu em símbolo principal do sistema político
condenado pelas manifestações.
Esta condição
foi reforçada, nos últimos dias, pela atitude desastrosa de duas
lideranças do PT: o ministro da Justiça, Cardozo, que ofereceu a ajuda
de tropas federais para o governador tucano “lidar” com as
manifestações; e o prefeito Haddad, que nem na entrada nem na saída teve
o bom senso de diferenciar-se do governador.
O foco no PT,
aliado ao caráter progressista das demandas por políticas públicas, fez
com que parte da oposição de esquerda acredita-se que seria possível
cavalgar as manifestações. Ledo engano.
Como vimos, a
rejeição ao PT se estendeu ao conjunto dos partidos e organizações da
esquerda político-social. Mostrando a ilusão dos que pensam que, através
da luta social (ou da disputa elietoral) seriam capazes de derrotar o
PT e colocar algo mais à esquerda no lugar.
A verdade é que
ou o PT se recicla, gira à esquerda, aprofunda as mudanças no país; ou
toda a esquerda será atraída ao fundo. E isto inclui os que saíram do
PT, e também os que nos últimos anos flertaram abertamente com o
discurso anti-partido e com o nacionalismo. Vale lembrar que a tentativa
de impedir a presença de bandeiras partidárias em mobilizações sociais
não começou agora.
O rechaço ao
sistema político, à corrupção, aos partidos em geral e ao PT em
particular não significa, entretanto, que as manifestações são da
direita. Significa algo ao mesmo tempo melhor e pior: o senso comum saiu
às ruas. O que inclui o uso que vem sendo dado nas manifestações aos
símbolos nacionais.
Este senso
comum, construído ao longo dos últimos anos, em parte por omissão e em
parte por ação nossa, abre enorme espaço para a direita. Mas, ao mesmo
tempo, à medida que este senso comum participa abertamente da disputa
política, cria-se condições melhores para que possamos disputá-lo.
Hoje, o
consórcio direita/mídia está ganhando a disputa pelo pauta das
manifestações. Além disso, há uma operação articulada de participação da
direita, seja através da presença de manifestantes, seja através da
difusão de determinadas palavras de ordem, seja através da ação de
grupos paramilitares.
Mas a direita
tem dificuldades para ser consequente nesta disputa. O sistema político
brasileiro é controlado pela direita, não pela esquerda. E as bandeiras
sociais que aparecem nas manifestações exigem, pelo menos, uma grande
reforma tributária, além de menos dinheiro público para banqueiros e
grandes empresários.
É por isto que a
direita tem pressa em mudar a pauta das manifestações, em direção a
Dilma e ao PT. O problema é que esta politização de direita pode
esvaziar o caráter espontâneo e a legitimidade do movimento; além de
produzir um efeito convocatória sobre as bases sociais do lulismo, do
petismo e da esquerda brasileira.
Por isto, é
fundamental que o PT e o conjunto da esquerda disputem o espaço das
ruas, e disputem corações e mentes dos manifestantes e dos setores
sociais por eles representados. Não podemos abandonar as ruas, não
podemos deixar de disputar estes setores.
Para vencer
esta disputa teremos que combinar ação de governo, ação militante na
rua, comunicação de massas e reconstruir a unidade da esquerda.
A premissa,
claro, é que nossos governos adotem medidas imediatas que respondam às
demandas reais por mais e melhores políticas públicas. Sem isto, não
teremos a menor chance de vencer.
Não basta dizer
o que já fizemos. É preciso dar conta do que falta fazer. E,
principalmente, explicar didaticamente, politicamente, as ações do
governo. Marcando a diferença programática, simbólica, política, entre a
ação de governo de nosso partido e os demais.
O anúncio
conjunto (Alckmin/Haddad) de redução da tarifa e a oferta da força
pública feita por Cardozo a Alckmin são exemplos do que não pode se
repetir. Para não falar das atitudes conservadoras contra os povos
indígenas, da atitude complacente com setores conservadores e de
direita, dos argumentos conservadores que alguns adotam para defender
as obras da Copa e as hidrelétricas etc.
Para dialogar
com o sentimento difuso de insatisfação revelado pelas mobilizações, não
bastam medidas de governo. Talvez tenha chegado a hora, como algumas
pessoas têm sugerido, de divulgarmos uma nova “carta aos brasileiros e
brasileiras”. Só que desta vez, uma carta em favor das reformas de base,
das reformas estruturais.
Quanto a nossa
ação de rua, devemos ter presença organizada e massiva nas manifestações
que venham a ocorrer. Isto significa milhares de militantes de
esquerda, com um adequado serviço de ordem, para proteger nossa
militância dos para-militares da direita.
É preciso
diferenciar as manifestações de massa das ações que a direita faz
dentro dos atos de massa. E a depender da evolução da conjuntura, nos
caberá convocar grandes atos próprios da esquerda político-social.
Independente da forma, o fundamental, como já dissemos, que a esquerda não perca a batalha pelas ruas.
Quanto a
batalha da comunicação, novamente cabe ao governo um papel
insubstituível. No atual estágio de mobilização e conflito, não basta contra-atacar a direitas nas redes sociais; é preciso enfrentar o que
dizem os monopólios nas televisões e rádios. O governo precisa entender
que sua postura frente ao tema precisa ser alterada já.
Em resumo: trata-se de combinar ruas e urnas, mudando a estratégia e a conduta geral do PT e da esquerda.
Não há como
deslocar a correlação de forças no país, sem luta social. A direita sabe
disto tanto quanto nós. A direita quer ocupar as ruas. Não podemos
permitir isto. E, ao mesmo tempo, não podemos deixar de mobilizar.
Se não tivermos
êxito nesta operação, perderemos a batalha das ruas hoje e a das urnas
ano que vem. Mas, se tivermos êxito, poderemos colher aquilo que o
direitista Reinaldo Azevedo aponta como risco (para a direita) num texto
divulgado recentemente por ele, cujo primeiro parágrafo afirma o
seguinte: "o movimento que está nas ruas provocará uma reciclagem do PT
pela esquerda, poderá tornar o resultado das urnas ainda mais inóspito
para a direita".
Num resumo: a saída para esta situação existe. Pela esquerda.
*Valter Pomar é dirigente nacional do PT e Secretário Executivo do Foro de São Paulo.
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