sexta-feira, 28 de junho de 2013

Contraponto 11.568 - "Documentos da Receita acusam Globo de sonegação"

 

28/06/2013 

 

Documentos da Receita acusam Globo de sonegação

 

Do Diário do Centro do Mundo - 28/06/2013
 

Empresa, segundo a denúncia, tratou a compra de direitos de transmissão da Copa de 2002 como se fosse investimento no exterior.

Merval e Ayres Britto: jornalistas e juízes não podem ter relações de amizade porque a vítima é a sociedade
Merval e Ayres Britto: jornalistas e juízes não podem 
ter relações de amizade porque a vítima é a sociedade



Paulo Nogueira*
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Um documento vazado pela Receita Federal e publicado ontem pelo blog  O Cafezinho, de Miguel do Rosário, é extraordinariamente importante.

Nele, a Receita acusa a Globo de sonegar mais de 180 milhões de reais por ocasião da compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.

A Globo, segundo a acusação, teria tratado a compra como se fosse um investimento no exterior para se livrar dos impostos devidos.

Em dinheiro de 2006, segundo a Receita, o montante já subira a 615 milhões de reais, incluídas multa e correção.

O caso foi tratado em sigilo, em obediência à anacrônica legislação fiscal brasileira que destrói qualquer possibilidade de transparência num assunto de extremo interesse da sociedade.

Aplausos entusiasmados para quem vazou os papeis e para o blog.

O Brasil só lucra com este tipo de coisa.

A assim chamada ‘mídia independente’ – Folha, Veja, Estadão etc – deveria agora investigar o caso e trazer novas revelações.

É o que os jornais ingleses fariam, caso uma acusação deste tamanho, e amparada em documentação confiável, aparecesse contra a BBC.

Mas quem acredita que a ‘mídia independente’ vai fazer qualquer movimento acredita em tudo, como disse Wellington.

Mesmo assim, é um momento que pode significar uma ruptura na impunidade fiscal absurda de grandes empresas como a Globo.

O simples fato de a história aparecer – ainda que apenas na internet – é um avanço considerável: embaraça o infrator, inibe ações iguais e gera para a sociedade informações essenciais.
Várias vezes me perguntei por que a barreira absurda do silêncio na Receita Federal não era rompida por vazamentos.

Apareceu o primeiro deles.

Será muito bom, para o país, se mais vazamentos surgirem, caso a justiça não se modernize e não retire a proteção do sigilo dada a sonegadores.

Transparência é o melhor detergente ético, como escreveu um juiz americano.

Quem conhece a Globo não tem o direito de se surpreender com essa denúncia, e nem com qualquer outra que apareça.

O comportamento da Globo, desde Roberto Marinho, é pautado por um instinto predador no qual para os acionistas ficarem bilionários as barreiras éticas são atropeladas sem nenhuma cerimônia. É  um caso ainda mais dramático se tratando de um caso de concessão pública como é a tevê.

A Globo consagrou a transformação, com finalidades fiscais, de funcionários caros em pessoas jurídicas, os infames PJs.

Os cofres públicos são lesados. Isso significa que dinheiro que poderia construir uma escola ou um hospital é subtraído.

Eventualmente problemas com PJs aparecerão na frente, depois que o funcionário é despedido ou se despede.

Um caso notável em andamento na justiça é do jornalistas Carlos Dornelles, que virou PJ e agora, fora da Globo, exige indenização pelo que não lhe foi pago.

Isso tudo se chama corrupção.

A Globo montou um esquema quase perfeito para perpetuar – com risco perto do zero – suas atitudes predadoras.

Por exemplo: uma disputa judicial gigante pode dar no STF. Aí você entende melhor as relações que a Globo cultiva com os juízes mais importantes do país.

Joaquim Barbosa, há pouco tempo, foi ao Globo receber um prêmio do jornal. Ayres Britto, recém-saído do Supremo, fez o prefácio do livro de Merval Pereira sobre o Mensalão.

Como noticiou o Diário, o Supremo há alguns meses patrocinou a viagem de uma jornalista da Globo para cobrir uma viagem de Barbosa à Costa Rica.

São relações condenáveis em qualquer circunstância porque a vítima é a sociedade, que necessita de instâncias de poder independentes de poder que se vigiem uns aos outros.

No jornalismo, a máxima eterna do editor Joe Pulitzer estabelece: “Jornalista não tem amigo.”

Isso porque o jornalista não vai cobrir direito um amigo.

O mesmo vale para a justiça: juízes não podem ter amigos.


O presidente do Bayern de Munique teve que pagar uma fiança milionária para não ser preso por usar paraíso fiscal
 O presidente do Bayern de Munique teve que pagar uma fiança 
milionária para não ser preso por usar paraíso fiscal


No mundo todo, a questão dos impostos está sendo tratada com severidade, dado seu impacto na desigualdade social.

Quando a sonegação se espalha entre as grandes empresas, ou o 1%, quem paga a conta é a voz rouca das ruas, os 99%: seus direitos são extirpados.

Ou pelo menos eram.

Os protestos mundo afora de ‘indignados’ – a começar pelo Ocupe Wall Street – foram uma resposta vigorosa a uma esta situação abjeta que transferiu riqueza em quantidade incalculável para poucos.

Agora, os governos estão sendo muito mais duros com a sonegação.

Em vários países as autoridades publicaram as trapaças legais e amorais de empresas como Google, Apple e Microsoft para evitar impostos.

O expediente se dá por paraísos fiscais, lugares em que você monta uma empresa de fachada apenas porque a carga fiscal é irrisória ou nula.

Na França, um ministro do governo Hollande foi sumariamente despedido quando se soube que ele usara um paraíso fiscal.

Na Alemanha, o presidente do Bayern de Munique teve que pagar uma fiança de 5 milhões de euros para evitar momentaneamente a cadeia quando se soube que ele burlara o fisco alemão com o uso de paraísos fiscais.

O presidente da Alemanha disse, a propósito do caso: “É absolutamente intolerável que pessoas na Alemanha imaginem que podem se livrar dos impostos estipulados.”

No caso denunciado pelo Cafezinho, um paraíso fiscal teria sido utilizado.

O Brasil está sendo, neste momento, reconstruído.

Chegou a hora de fechar o caminho para práticas fiscais deletérias que não fazem senão aumentar a iniquidade social brasileira.


*Paulo Nogueira. Jornalista baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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