06/10/2013
Que renovação é essa?
Marina e Eduardo Campos formaram um condomínio político que constitui um enigma da campanha de 2014
Paulo Moreira Leite
No mesmo dia em que a VEJA dava uma contribuição específica ao culto à personalidade de Marina Silva, dizendo que na véspera ela fora dormir com a esperança de “ter um sonho” que pudesse ajudar a decidir o rumo na campanha presidencial, a líder da Rede deu provas de que passou os últimos dias acordadíssima.
Numa união destinada a garantir a Marina um espaço na campanha que a
Rede não foi capaz de obter, e a Eduardo Campos, uma projeção que ele
dificilmente teria como 4º colocado nas pesquisas de intenção de voto,
os dois formaram um condomínio político que constitui um enigma da
campanha de 2014.
Filiando-se ao PSB, Marina assegurou um palanque para seguir em sua
verdadeira prioridade, cada vez mais semelhante a plataforma básica
dos vencidos por Lula e Dilma em 2002, 2006 e 2010: impedir de qualquer
maneira e por todos os meios uma quarta vitória do PT e seus aliados em
2014.
Dramatizando a própria situação, ela chegou a dizer que o Rede era
primeiro partido “clandestino” da democratização – afirmação de caráter
retórico, que não faz sentido para quem levou a sério a luta clandestina
contra o regime militar de 64 e reconhece o valor da democracia
conquistada depois.
Vamos combinar: se acredita, de fato, que o Rede foi perseguido por
adversários políticos, que teriam boicotado o apoio dos 50 000
eleitores que poderiam ter legalizado seu partido, Marina faria um favor
ao país se divulgasse indícios e provas para sustentar o que diz.
Sabemos que a Justiça eleitoral abriga cidadãos indicados pelos
principais partidos políticos, que devem ser substituídos de 5 em 5
anos. É razoável até imaginar uma imensa má vontade aqui, outra mais
adiante. É assim, no Brasil e em outros países.
Mas é um universo com tantas surpresas e imprevistos que ninguém
consegue adivinhar o que acontece sem uma apuração real. No caso mais
avançado que conheço até aqui, um advogado do Rede chegou a dizer de
forma vaga, para uma repórter, que “certamente” ocorreram boicotes em
algumas prefeituras. Onde? Em Minas Gerais. E agora?
Ironicamente, Marina e Eduardo Campos se comprometeram ontem,
justamente, a enterrar a República Velha e a renovar os métodos
tradicionais da política. Também falaram do esgotamento do nosso sistema
como seu maior compromisso político. Mas não disseram com clareza o que
pretendem fazer nem como. Até porque estas são verdades tão fáceis de
anunciar mas difíceis de explicar.
Quem tem o direito de dizer que o sistema político está esgotado é o
eleitor. Ele fez isso em 1984, quando foi as ruas para pedir eleições
diretas em pleno regime militar. Como o Congresso rejeitou as diretas
naquele ano, o eleitor repetiu a dose cinco anos depois, em 1989, no
primeiro pleito em urna após ao regime militar. Destruídos pelos
fracassos de sucessivos planos econômicos, os dois herdeiros do governo
Sarney não conseguiram somar 6% dos votos. E foi neste cemitério que
nasceu Fernando Collor: sem partido, com ideário confuso, vagas
promessas moralizantes e absoluto suporte dos meios de comunicação,
tornou-se presidente da República. Seu programa era eliminar privilégios
e favores do Estado, sintetizados na palavra marajá, usada para definir
altos burocratas do serviço público. Parecia uma causa nacional, capaz
de unir ricos e pobres, irmanados pelo infortúnio de sustentar
privilegiados com dinheiro do contribuinte.
Falar que o sistema político está esgotado, hoje, é enxergar o
mundo pelo olhar dos desejos, de quem não aprova determinado governo mas
é duvidoso que seja expressão do pensamento do conjunto da população. É
um diagnóstico exagerado, no mínimo, quando o governo federal tem
aprovação superior a 50% e a presidente lidera as pesquisas de opinião
com 38% das intenções de voto. Quando seu padrinho, Lula, é o mais
popular político brasileiro da história. Quando o PT, alvo indiscutível
da “publicidade opressiva” praticada pela maioria dos meios de
comunicação na ação penal 470, segue o mais popular partido político do
país, com 25 ou mesmo 30% da simpatia dos eleitores.
Quem está esgotada, até agora, é a oposição. Se é possível falar em
algo perto de esgotamento, fim de linha, o problema encontra-se aí e é
mais localizado. E é tão grave que ela procura alimentar-se, na verdade,
de músculos e cérebros extraviados do governo, como Marina e Eduardo
Campos.
As ruas de junho deixaram claro que nem todo mundo pensa a mesma
coisa dos nossos políticos. Os milhões de brasileiros que não querem
Dilma também recusam personalidades, nomes e ideias que lhes são
oferecidas como alternativa. Esses cidadãos Dizem que querem livrar-se
de políticos tradicionais quando, na verdade, querem outros políticos –
sejam direitistas, revolucionários, reacionários ou simples camelôs
ideológicos.
Aqueles manifestantes que tinham pontos específicos a
reivindicar – como transportes – voltaram para casa depois que a
reivindicação foi atendida. Os outros, permaneceram. Tinham mais a
cobrar. Alguns mais quebraram vidros, fizeram provocações. Denunciam o
sistema político em nome do fascismo, do anarquismo ou lá o que for.
Em qualquer caso, e é constrangedor lembrar, Dilma ficou sem
aliados em seu empenho para aprovar uma reforma política que, bem ou
mal, poderia dar uma resposta à nova situação. Não inventou nada. Apoiou
um projeto que reúne o apoio de entidades representativas. Não lembro
de qualquer manifestação de apoio dos aliados de Marina Silva. O PSB foi
explícito. Divulgou nota a favor das reformas – desde que elas não
valessem para 2014.
O empenho de Marina para falar do “novo” ajuda a encobrir que,
entre seus assessores econômicos, encontra-se André Lara Rezende,
banqueiro e profeta da decrescimento econômico, advogado da teoria
primeiro-mundista de que os recursos da Terra se esgotaram e que quem
não ficou rico até agora deve desistir até de chegar a classe média
baixa. Foi padrinho do Plano Cruzado – que ajudou Sarney a tornar-se
imperador do país por um semestre, em 1986 – e do Plano Real, berço de
tantas heranças, inclusive da privatização das teles, joia da coroa do
governo FHC. Seu homem na Justiça é Gilmar Mendes, capaz de dar dois
habeas corpus, em apenas 48 horas, a um dos banqueiros aliados de FHC.
Seu maior patrocinador financeiro é a herdeira de um banco que esteve
ao lado de todos, absolutamente todos os governos brasileiros nas
ultimas décadas, sem distinção de cor, credo, religião ou traje – podia
ser fardado ou à paisana.
“Novo”?
Falar da velhice alheia é um dos atalhos mais conhecidos para uma
pessoa fingir-se de jovem e seduzir os menos atentos naquela hora da
festa em que a maioria dos seres vivos parece parda. Não vamos falar do
PSB de Eduardo Campos. O governador admite que nem estava pensando em
termos politicamente geriátricos até a noite de sexta-feira,
dedicando-se a recolher, no laço, quem pudesse reforçar suas fileiras
de qualquer maneira. Chegou a trazer para sua casa conservadores
notórios, inclusive com ligações diretas com o regime militar. Estranho?
Nem um pouco. A política brasileira é feita assim.
O errado é querer tingir o cabelo, fazer uma lipo, tomar um banho
de butique e pensar que ninguém enxerga os sinais da plástica. Para
quem é adversária assumida das usinas hidroelétricas, é que Marina Silva
tenha ingressado no mesmo partido do ex-ministro Roberto Amaral, um dos
poucos políticos brasileiros que é partidário declarado de pesquisas
nucleares, seja para fins pacíficos, e mesmo para conhecimento da fissão
atômica, necessário para a produção de artefatos militares. (Estou 100%
de acordo com o ministro nesse ponto).
Que renovação é essa, meus amigos?
Simples. É a renovação de quem procura um palanque, confunde a
memória e quer nos fazer acreditar que não houve história. Eduardo
Campos é um dos melhores políticos de sua geração. Tem luz própria,
formação e capacidade de articulação real.
Mas não vamos esquecer que é produto direto do Brasil envelhecido
de repente que agora denuncia. Talvez seja o grande filhote daquilo que
a oposição chama de lulismo. Alimento maior de sua popularidade, o
crescimento econômico de Pernambuco, muito superior a média brasileira,
foi irrigado por verbas preferenciais de Brasília, com tanto empenho
que levou os conservadores preconceituosos do Sul-Sudeste a denunciar em
2010 o favorecimento “aos nordestinos” por parte de Lula.
A herança política de Marina é familiar, também. Segundo o Ibope, a
segunda opção de 50% de seus eleitores é Dilma. Em função do receio de
explicitar a estes cidadãos o enorme grau de sua ruptura do Lula,
Dilma e o PT, referencias que fazem parte de sua identidade política
essencial, na visão de tantos brasileiros, Marina Silva tem sido
bastante cuidadosa em suas declarações. Evita afirmar, em público, os
chavões reacionários, inspirados no golpismo venezuelano, que o
conservadorismo nativo utiliza para comparar o Brasil de Lula-Dilma com o
país de Chávez-Maduro.
Cada eleitor tem o direito de imaginar que tipo de renovação é essa.
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