16/10/2013
Mascarados vieram para criminalizar democracia
A máscara é um convite para a ação da tropa de choque, pois demonstra que as autoridades se mostram incapazes de manter a ordem
Paulo Moreira Leite
Os protestos de junho de 2013 trouxeram a novidade das máscaras. É um debate importante, que mobilizou prós e contras em vários lugares. Cinco meses depois, os mascarados continuam em atividade, cada vez mais intensa.
As principais alegações a favor das máscaras envolvem argumentos simplórios.
Dizem que os mascarados são indivíduos no exercício de seus direitos políticos e têm direito de se proteger de qualquer ação repressiva.
Será?
Nós sabemos que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato – como aprendi recentemente durante almoço em plena Vila Madalena.
Não vamos falar de certas situações de opressão geral que em alguns países podem justificar o uso de máscaras.
Num país democratizado, como o Brasil, as máscaras teriam outro efeito político se o País se encontrasse numa situação revolucionária de duplo poder, em que é razoável colocar em questão o monopólio da violência sobre o Estado.
No país de 2013, seu único efeito prático é ajudar a criminalizar os protestos e a própria luta política extraparlamentar, necessária a todo momento para avançar determinadas reivindicações que o Congresso ignora.
A máscara é um convite para a tropa de choque entrar em ação porque é uma demonstração irrefutável de que as autoridades se mostram incapazes de manter a ordem, mesmo que momentaneamente.
O sujeito que saiu de casa mascarado se autodenuncia e manda um recado: vai aproveitar a mobilização para cometer atos ilegais.
É tão óbvio que a polícia, se tiver um mínimo de responsabilidade, de sentido de cumprir seu dever legal, irá prestar atenção redobrada a seus movimentos e contra-atacar na primeira oportunidade.
Está na cara que a PM, primeiro instrumento criado pela ditadura militar para reprimir as mobilizações populares, e que não foi reformada como ser necessário depois da democratização, fala a língua da violência. Atira para machucar e bate para ferir. Admite matar – mesmo que teoricamente por acidente -- com uma bala de borracha.
Por isso todas as intervenções da PM tendem a dar errado quando vistas pela atual consciência democrática do país. E é o caso de evitar pensamentos ingênuos quando se discute porque ela não é reformada nem reeducada. Porque não interessa, vamos combinar. E nós sabemos quem tem força e articulação para definir, estruturalmente, o que interessa e o que não interessa mudar, certo?
Estudantes serão feridos de forma bruta. Manifestantes serão conduzidos para a cadeia de modo arbitrário, cumprindo temporadas ridiculamente longas de detenção. E aí o foco do protesto, com justiça, será a própria polícia e, por essa via, a ação do Estado.
Estive em Washington quando grupos ultrarradicais queriam impedir uma reunião do FMI e foram paralisados por uma ação preventiva, pacífica e sem violência, da polícia local. Então há diferença entre uma situação e outra.
Há outras questões nestas máscaras. Sem responder a uma situação política especifica, onde pode ser necessária, sua violência permanente auxilia no reforço da ordem.
O discurso de quem esconde o rosto é que ele se dedica a destruir “símbolos” do capitalismo. Bobagem. Seus atos destroem patrimônio real do capitalismo, que custou trabalho de assalariados, que serão, de uma forma ou outra, forçados a pagar pelo prejuízo. Como empregados, enfrentarão pressões nos salários e benéficos. Como cidadãos, serão forçados a pagar sua parte no prejuízo pelo aumento de taxas e tarifas. Como consumidores, podem perder um automóvel ou mesmo serem obrigados a pagar a reforma de sua casa.
Simbólico, aqui, é outra coisa -- o show -- sob medida para reforçar clamores por lei e ordem.
A sociedade do espetáculo despreza os homens simples do povo, os verdadeiros cidadãos que podem ser protagonistas de mudanças relevantes e duradouras porque estimula símbolos que combinam com a ideologia que ela defende e divulga: o individualismo, o meio como substituto do fim. O caráter puramente destrutivo de sua atividade determina que sua função seja produzir impasses.
Seu universo não é o da política, pois pertence a sociedade de consumo. Não aceita heróis dde pessoas de carne, osso – e rostos – mas personagens que poderão ser promovidos e descartados ao saber das conveniências.
Há um elemento narcisista no militante mascarado mas sua força de atração é outra. Ele tem uma postura de busca permanente pelo confronto, que sempre poderá ser objeto de consumo num tempo em que faltam opções revolucionárias reais no horizonte.
Ao contrário do que ocorria em outros momentos históricos, a partir da chegada de Lula no Planalto temos um governo que procura encaminhar as reivindicações de trabalhadores e da população mais pobre, com avanços, recuos, acertos e muitos erros mas um saldo geral positivo, mesmo que limitado, mas suficiente para exasperar os setores historicamente dominantes.
Estes mantêm uma relação ambígua com os mascarados. Declaram-se horrorizados com seus atos mas não deixam de enviar mensagens de estímulo e tolerância, pois a máscara sempre será muito útil enquanto servir para desgastar o governo Dilma, paralisar instituições e impedir reformas necessárias – inclusive do sistema político.
A máscara tem a vantagem de que nunca se sabe quem é o rosto por trás dela e sempre será possível permitir o governo de incapaz de manter a ordem e defender a democracia, um desses argumentos obviamente ululante em toda intervenção contra os direitos do povo.
Qualquer que seja o discurso e a ideologia dos mascarados, a função real de sua violência é retirar a legitimidade do processo histórico que o país vive hoje.
O resultado dessa atividade não beneficia a maioria da população e cria obstáculos a novas conquistas.
Desmoraliza organizações dos trabalhadores, por mais que dê a impressão de ajuda-las – e até possa se mostrar útil diante da extrema violência da PM. Sua violência não corresponde ao momento político real e, como todo gesto político feito sob estas condições, cedo ou tarde se voltará com contra os mais fracos. Todas gerações de brasileiros assistiram a este filme.
Quanto o serviço de desmoralizar os símbolos da democracia tiver terminado, os mascarados serão retirados de cena – e aí sobrará menos liberdade e mais repressão para quem nada tinha a ver com machadinhas, máscaras e violência.
Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".
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