quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Contraponto 17.896 - "Sem base legal, impeachment é 'espernear' da oposição, diz Bandeira de Mello"

 

08/10/2015

 

Sem base legal, impeachment é "espernear" da oposição, diz Bandeira de Mello

 

Jornal GGN - qui, 08/10/2015 - 20:45




Por Joana Rozowykwiat

Do Portal Vermelho

Na última quinta (1), Bandeira de Mello recebeu a reportagem do Portal Vermelho em seu escritório, localizado em uma esquina da Avenida Paulista. Simpático – e também ácido em algumas colocações –, ele conversou com a equipe por mais de uma hora. Avaliou a atual conjuntura política, fez críticas à mídia, à sua influência sobre o Judiciário e à classe média alta brasileira. Entre uma história e outra, defendeu a manutenção do mandato de Dilma e os êxitos da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Eu não acho que vai haver impeachment. O que há é o seguinte: você perde em campo, você foi esmagado no campo, então você vai querer ganhar no tapetão se puder. Mas não existe base nenhuma para impeachment. A demonstração disso é que chegou a haver gente que queria responsabilizar [a presidenta] por um mandato anterior. Isso é um absurdo, uma coisa ridícula. Daqui a pouco, se o sujeito for presidente, 10, 20 anos depois, você vai responsabilizar ele pelo mandato anterior?”, questionou o jurista.

A referência é à tentativa da oposição de usar, como base para um afastamento da presidenta, as chamadas “pedaladas fiscais” – utilização de dinheiro de bancos públicos para pagar benefícios sociais e aumentar o superavit primário na gestão anterior. O Tribunal de Contas da União marcou para esta quarta (7) o julgamento das contas de 2014 do governo, que avalia a questão.

De acordo com Bandeira de Mello, mesmo que o TCU rejeite as contas, não há razão para um afastamento. Um indicativo de que as coisas não estariam relacionadas, segundo o jurista, seria a diferença entre o quórum necessário para aprovar as contas e aquele exigido para a admissão de crime de responsabilidade. “Para o Legislativo rejeitar as contas de um presidente, pode ser por uma maioria simples. Ao passo que o quórum necessário para admissão da denúncia [de crime de responsabilidade] é altíssimo. Já se vê que o constituinte teve essas coisas como absolutamente distintas’, avaliou, em conversa com o Vermelho.

Indagado sobre o pedido de impeachment assinado pelo seu colega, o jurista Hélio Bicudo, Celso Antônio Bandeira de Mello informou que sequer leu a peça. “Achei que não valia a pena. Para mim, é evidente que tudo isso é um espernear dos coxinhas. Juridicamente, essas coisas são todas sem sentido. Não é o caso de eu perder meu tempo lendo isso, coisas que, de antemão, você desqualifica”, afirmou, para em seguida ressaltar que admira Bicudo pela coragem que teve ao combater o esquadrão da morte. “Mas daí a imaginar que ele esteja qualificado [para avalizar o impeachment]…

Não vi ninguém até agora com qualificação na área do direito público [fazer isso]. No Direito brasileiro você não vai encontrar publicistas de grande valor de direita”, opinou.

Para ele, que é professor da PUC-SP, as motivações da oposição em campanha pela derrubada da presidenta são apenas políticas. “É preciso um grande cuidado para não confundir aquilo que é um sentimento político pessoal com aquilo que, na verdade, o Direito estabelece. Há casos em que, se você não consegue fazer por bem, quer fazer por mal. Nessa situação, não pude deixar de pensar em um personagem de Eça de Queiros, que dizia assim: se não vai na palavra, vai na murraça”, compara.

Bandeira de Mello defendeu ainda que um eventual impedimento da presidenta seria “uma catástrofe” para o país. “Seria a demonstração de que não adianta ser eleito. Milhões de pessoas escolhem um presidente, e algumas centenas tiram. Precisa de algo sério demais para acontecer isso.

Do contrário, a democracia não vale nada. Tirar a Dilma sob acusações, eu diria, ingênuas seria para democracia algo muito ruim”, destacou.


Mídia, inimiga do Brasil


O jurista contou ao Vermelho que vê com desgosto e tristeza o atual momento da política brasileira.Mas, bem-humorado, disse que não crê que o país esteja tão mal hoje, quanto no tempo do governo do PSDB. “Se você pensar, no governo daquele senhor Fernando – não o defenestrado – o outro, que está por aí, pontificando como sempre, o Brasil quebrou duas vezes. O que eu estou chamando de quebrar? Não ter o suficiente e precisar recorrer ao FMI. No governo dele, duas vezes o Brasil recorreu ao Fundo Monetário Internacional. Hoje, não. Hoje temos dinheiro no FMI, quer dizer, nós não estamos tão ruins, como estivemos.”

Segundo ele, a diferença é que hoje a mídia está em campanha contra Dilma. “A imprensa não dizia nada, pelo menos nada de tão pavoroso como passou a dizer no governo Dilma. Então não estou tão impressionado assim com a situação econômica. É que houve notoriamente uma crise internacional muito grande. A Dilma pegou essa crise. Eu não vou dizer que a administração dela é isso e aquilo, porque não sou político, não estou por dentro, mas, seguramente, não é calamitosa como a de Fernando Henrique. Logo, o que há de diferente? Há que a imprensa resolveu derrubar a Dilma.”

Crítico contumaz da mídia tradicional brasileira, o jurista ressaltou o poder dos veículos de comunicação e sua capacidade de interferir na conjuntura. “O poder da mídia é muito grande, então fica essa sensação de que o Brasil está mal. Se um de nós aqui fosse empresário e todo dia lesse que o Brasil está mal, que o Brasil não paga, isso e aquilo. Ia investir? É claro que não ia. Só um louco iria. Isso significa um aprofundamento da situação”, apontou.

Diante deste cenário, Bandeira de Melo não hesita em dizer: “Eu acho que a mídia é o grande inimigo do Brasil”. Segundo ele, a concentração e a propriedade cruzada dos meios de comunicação é algo “calamitoso” para o país.

“Meia dúzia de indivíduos controlam os meios de comunicação. Como é possível que alguém tenha um controle tão grande dos meios de comunicação e faça a cabeça dos brasileiros? A televisão é uma tecnologia de primeiro mundo, em cima da cabeça do terceiro. É evidente que aquilo entra como faca em manteiga quente. Faz o que quiser. Não é como em outros países, onde as pessoas têm muitas fontes de informação para se averberar”, condenou.

Bandeira de Mello brincou, dizendo que, em um determinado momento, comemorou o encolhimento da Folha de S. Paulo, jornal que ele já chegou a processar. “Encolheu tanto, ficou fininho o jornal, que eu cheguei a pensar que fosse virar um selo, mas parece que já se recuperou. O fim desses meios de comunicação seria um bem para o Brasil, eu acho. Porque eles parecem que não têm o menor sentimento de amor à pátria”, disparou.

Segundo ele, a mídia tem exercido uma influência perniciosa, inclusive sobre o Judiciário. “Juiz tem mais medo de imprensa que o gato tem do cachorro”, criticou, citando o julgamento do “mensalão” como a maior demonstração dessa interferência.

Ao comentar a situação da mídia brasileira, o jurista contrapôs a postura do governo do PT à adotada pela presidenta Cristina Kirchner, na Argentina. “O grande pecado, ao meu ver, do governo PT foi não ter feito uma regulamentação da mídia. A Cristina teve coragem de enfrentar o grupo Clarín. No Brasil ninguém teve coragem de enfrentar esses grupos. Então eles estão aí, pintam e bordam, inconsequentemente. Até porque o Judiciário, quando condena a mídia, condena a valores insignificantes. Eu acho que a mídia, quando fosse condenada, tinha que ser a vários e vários milhões de reais. Era a única maneira de sentir na carne”, defendeu.

Delação sob tortura

Na entrevista ao Vermelho, Bandeira de Mello falou ainda sobre a Operação Laja Jato. De acordo com ele, as investigações têm sido conduzidas com violação aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. “Quando menino, a gente aprende que uma das piores coisas que podem acontecer é você ser um dedo-duro. Agora, no Brasil, você ser dedo-duro parece que virou título de glória”, alfinetou, referindo-se ao fato de grande parte das denúncias estarem amparadas em depoimentos obtidos em delações premiadas.

Bandeira de Mello questionou a validade das denúncias promovidas por investigados. “Você vai e mete uma pessoa na cadeia e vai mantendo ela indefinidamente, em condições odiosas. É uma verdadeira tortura, até você falar. Que raio de delação é essa? Que valor tem isso? Eu diria que nem ao menos é a delação premiada. Pelo que eu saiba, nos Estados Unidos, eles não torturam as pessoas para o cara fazer delação. No Brasil, esse juiz [Sérgio Moro, que comanda a Lava Jato] bota essa gente na cadeia e vai ficando. Tem gente que está há 11 meses presa. Meu Deus do céu! O cara diz qualquer coisa que você quiser que diga. Então, não acredito nessas tais delações”, criticou.

O professor avalia que o fatiamento dos processos relacionados à Operação Lava Jato era inevitável, uma vez que um mesmo juiz não pode ter jurisdição sobre tudo que ocorre no país. “De repente ele [Moro] virou um juiz universal. Só porque ele gosta, ou sei lá, prende pessoa a torto e a direito”, disse.

Em seguida, um pouco reticente, afirmou: “Olhe, eu vou emitir uma opinião, talvez audaciosa e que não se cumpra jamais. Assim que passar toda essa onda que está havendo, todo esse endeusamento, eu acho que esse homem [Moro] corre risco de que o Conselho Nacional de Justiça aplique uma punição a ele. O destino desse homem, o futuro não é tão bom quanto ele imagina. Não é correto você fazer o que ele anda fazendo. Ele não respeita os direitos humanos”, opinou.

O Direito não muda o mundo

Especialmente após as manifestações de 2013 e as denúncias de corrupção envolvendo políticos e empresários, o tema da Reforma Política ganhou força entre diferentes atores. Para Bandeira de Mello, no entanto, a Constituição brasileira já é “excelente” e não precisa de reforma. Precisaria apenas ser aplicada, além de ter regulamentadas algumas questões, como a das comunicações.

“Uma Constituição que diz quais são os objetivos da República Federativa do Brasil e começa por dizer ‘constituir uma sociedade livre, justa e solidária’; uma Constituição que coloca como fundamento da ordem econômica os princípios que ela coloca e, quando trata da ordem social, ela valoriza em primeiro lugar o trabalho, depois que vem o tema do capital; essa é uma Constituição maravilhosa. Ela é desrespeitada. O que nós precisaríamos é aplicar a Constituição”, defendeu.

Para ele, o problema do país e da política não está nos textos jurídicos. “Só economista acha que você muda o mundo mudando o Direito. Você não muda o mundo com isso. O mundo muda quando muda a cultura. O Direito ajuda numa certa direção ou noutra. É importante que o direito seja bom, mas achar que ele vai resolver, não resolve.”

O jurista citou, no entanto, como exemplo de algo danoso previsto na legislação até então o financiamento empresarial de campanha, que recentemente foi proibido pelo STF. “Você deixa que as empresas conduzam a política brasileira dando dinheiro”, resumiu. Para ele, a tentativa da oposição de voltar a discutir o assunto no Congresso, aprovando uma emenda constitucional, não terá êxito, uma vez que o entendimento do Supremo é o de que o financiamento empresarial de campanha fere cláusulas pétreas.

O professor defende que uma das questões que o país precisa combater é a das pessoas que não têm base popular, mas se elegem porque possuem apoio financeiro. “Uma vez, perguntei a um político qual era a pior coisa. Ele disse: uma campanha longa, porque o dinheiro acaba e os que têm mais dinheiro compram seus cabos eleitorais. Isso bem mostra o poder do dinheiro numa eleição.”

O jurista advoga então pelo fim da influência econômica para elevar a qualidade da política. “Na hora que acabar isso, quem vai se eleger? Desgraçadamente, gente de rádio e televisão. Há verdadeiros imbecis que conseguem se eleger porque falam para o povão. Um povo ainda inculto vai nessa conversa. Esse é o perigo que sobra quando não há dinheiro. Mas, fora daí, quem é? É o cara que milita junto ao povo. O sujeito que trabalha em organização sindical, por exemplo. É o sujeito que realiza obras de benemerência. E é assim que deve ser. São as pessoas ligadas ao povo que devem se eleger.”

O ódio da classe média alta

Ao afirmar que não costuma votar em candidatos que defendem a sua camada social, Bandeira de Mello fez então uma dura crítica à classe média alta brasileira, que teria raiva daqueles que ascenderam durante a gestão do ex-presidente Lula.

“A minha classe social talvez seja a pior de todas, a chamada classe média alta, porque os ricos não são tão ruins assim, eles só têm uma preocupação que é ganhar dinheiro”, declarou. Segundo ele, a classe média alta destila seu ódio contra aqueles que melhoraram de vida.

“Antigamente o cara não tinha dinheiro para pagar um ônibus para ir até a terra dele no Nordeste.

Hoje em dia ele tem carro. Por quê? Eu não me incomodo de dizer a verdade. Porque o Lula fez isso.

O Lula permitiu que o povão pudesse viver muito melhor. Esse tipo de gente [a classe média alta] é que não gosta do Lula. É gente que acha que ser doutor é título, não é. Aquela gente lá não é melhor que o povão em nada. Mas em nada”, comparou.

Segundo ele, são essas pessoas que querem agora afastar a presidenta do cargo. “É essa gente, que vem aqui na Paulista. Os chamados coxinhas, que vêm com bolsa Louis Vuitton, que querem derrubar a Dilma. Os outros, coitados, iludidos, vêm atrás. Não tem essa gente que fala em volta de regime militar? Gente que nem sabe o que é um regime militar, não sabe o horror que é.”

Sem retrocesso

Já no fim da entrevista, ao ser perguntado sobre as difíceis relações entre os poderes no país e as dificuldades do presidencialismo de coalizão, Celso Antônio Bandeira de Mello avaliou que o país passa por uma fase muito ruim. Lembrou que atualmente os presidentes da Câmara e do Senado são investigados por corrupção, mas destacou que, em épocas de desenvolvimento, desvios deste tipo costumam ser comuns. “É o período em que corre mais dinheiro, não é?”

Ele lembra então de uma viagem que fez por Suécia, Dinamarca e Noruega. “Lá, eu pensei que, se o mundo continuar progredindo, é aqui que vamos chegar. Você passa e não vê polícia. As pessoas obedecem porque obedecem mesmo. E as regras são rigorosamente cumpridas. Tinha muitos imigrantes, que todo mundo respeitava. Eu não vi gente pobre. Se o mundo continuar progredindo, acho que é isso. Quanto mais igualitária for a sociedade, melhor, mais felizes são as pessoas, maior a dignidade.”

Aos 78 anos, o prestigiado jurista avalia que, para o Brasil chegar lá, contudo, “tem muito chão”. “Ainda somos bastante subdesenvolvidos, desgraçadamente. E não vamos mudar isso de uma hora para outra. Claro que não vou ver nada disso, mas ficarei feliz sabendo que os meus netos vão ver. Já é uma grande coisa”, ponderou.

“Agora, se começarem com esse tipo de golpe disfarçado...”, completou o jurista, voltando a falar nas tentativas de derrubar o governo do PT. “Eles não estão satisfeitos porque perderam a eleição. Então esperem a próxima! Estão com tanto medo do Lula, que já querem inviabilizar que ele seja candidato. Eu reconheço, para eles é uma desgraça. Você ver gente simples, do povão, desfrutando das coisas que você desfruta? Para essa gente, dói”, atacou.

Segundo ele, as pessoas que são contra a redução das desigualdades e ameaçaram abandonar o Brasil quando Lula se elegeu, deveriam mesmo ter ido para Miami. “Meus Deus, tomara que eles vão mesmo, que saiam daqui pessoas com essa mentalidade, para o Brasil poder ir para a frente. E o Brasil irá para a frente. A história tem altos e baixos, mas ela não anda para trás. É só olharmos o passado para vermos que já vivemos momentos muito piores que esse. No mundo todo. E fomos devagarinho evoluindo, até chegar ao ponto de termos uma Dinamarca, uma Noruega”, conclui o esperançoso professor.

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