09/10/2015
Pedaladas, pilotadas e navegadas
O aeroporto de Cláudio e a crise hídrica de São Paulo são exemplos de pilotadas e navegadas que não têm o menor destaque na velha mídia nem foram julgadas.
Carta Maior - 09/10/2015
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José Carlos Peliano*
Na verdade, os mecanismos e expedientes postos em prática não diferem em essência do que se faz quando se quer vender melhor o peixe, dourar a pílula, captar votos, seduzir o outro ou ganhar adeptos. Os lobistas sabem bem disso, profissionais de marketing, as opiniões dos jornalistas de fala, vídeo e escrita, , entre outros.
O TCU não entendeu assim, embora tivesse todos os dados e explicações fornecidos, e enquadrou negativamente as ditas pedaladas das contas federais do ano passado. Foi mencionada a Lei de Responsabilidade Fiscal como âncora do voto do relator e votos do plenário para os ditos desacertos.
Por ser o tribunal um reduto político, por indicação e aprovação de seus representantes pelo Congresso, suas decisões se vestem de jurídicas, embora o grau de subjetivismo seja predominante.
Seus membros não são juristas, tampouco podem ou devem ser chamados de ministros.
Filigranas à parte, no entanto, vamos ao que interessa. A tal manipulação de dados, ou a pedalada fiscal, apresenta, pelo menos, dois aspectos interligados. Saber qual é um e qual é outro depende da análise, do juízo, mas também e principalmente da disposição de entender bem o que passou e ver se foi culpa, removível, ou dolo, premeditado.
Um é a maquiagem pura e simples para ressaltar o que se considera mais importante mostrar, deixando de lado o que pode prejudicar. Isto é comum ser feito seja na defesa de uma tese, seja na apresentação de um trabalho técnico, seja até mesmo na divulgação de uma descoberta científica. Até mesmo nos discursos das tribunas do Congresso.
É expediente comum não só na abordagem da comunicação literal, verbal ou visual, mas também na montagem e informação de tabelas, quadros, estatísticas, números e demais tipos de grandezas.
Outra é a fraude escancarada, premeditada, para esconder, fazer-se esquecer ou não mostrar o que não devia nem podia ser feito. Este é o caso da enganação como tal, completa, delito de escamotear o fato, a ação, a providência.
A primeira é usual em todos os cantos do planeta, desde quando a criança aprende a se defender e convencer aos pais sobre algum mal feito até quando os pais deixam de ser crianças e aprendem a manipular as crianças, no bom sentido.
A segunda é seletiva e pode virar processo nos tribunais (de Justiça), Este é o caso, por exemplo, do mensalão do DEM em Brasília, atulhado de provas documentais de várias ordens, e até hoje nos escaninhos à espera de decisão. Ao contrário do que foi o mensalão anterior que condenou muitos praticamente sem provas documentais, apenas presunção de culpa por domínio do fato.
A primeira está presente nas contas do governo por deixar de mostrar o tempo transcorrido desde a decisão de efetuar o gasto até o momento em que ele foi efetivamente coberto pelo caixa público.
Aí a questão não é desvio de recursos, mas apenas atraso no reembolso ou pagamento de suas contas. Ou algum ministro, parlamentar, ou autoridade não passaram algumas vezes pelo dissabor de não saldar uma dívida na época própria e ter eventualmente de pedir emprestado para resolver a dor de cabeça?
A segunda se encontra, por exemplo, na construção do aeroporto de Cláudio-MG, efetuada com recursos públicos em terreno privado sob a gestão, a sete chaves, do tio do ex-governador do estado, Aécio Neves. Aviões pousaram e partiram rolando pelo solo asfaltado sabe-se lá para onde. Esses tipos de ações são conhecidas como pilotadas.
Na mesma linha de ação, pode ser citada a crise hídrica de São Paulo quando os gastos anunciados e dispendidos pelo orçamento estatal para adequar o fornecimento de água à capital e ao estado nunca chegaram a atingir seus objetivos. Até hoje.
Até mesmo o racionamento visto, sentido e revisto por milhares de moradores não foi admitido pelo governador. Os mananciais secos, esgotados de água, trincados, eram considerados pelo governo como provenientes de falta de chuvas. São Pedro esteve prestes a ser indiciado pelo poder público paulista.
Nesse último caso, os gastos do governo paulista aparentemente subestimaram o tamanho da encrenca, quanto a encrenca foi empurrada com a barriga pelo governador para fugir da opinião pública.
Muito embora a velha mídia o tenha ajudado demasiado, escondendo os podres nas redações. O governador e a velha mídia nunca reconheceram que faltou água na região. Até hoje. Este é o exemplo clássico das navegadas. Mesmo em leitos evaporados, sem gota d`água alguma.
Por certo que há milhares de exemplos de um tipo ou de outro de erros cometidos. Prefeitos, governadores e presidente, todos eles estão sujeitos a enfrentarem situações como essas. Sabendo ou não com antecedência do que ocorre por meio de seus secretários e ministros.
Entre as pedaladas, as pilotadas e as navegadas atuais, só quem perdeu foi o governo federal cujas contas foram reprovadas pelo TCU. Embora o voto final tenha vindo eivado de subjetivismos políticos, inseparáveis dos membros da Casa, conforme notícias de algumas fontes.
O líder do PMDB na Câmara, por exemplo, adiantou que vai levar o voto para análise de sua assessoria técnica para ver quanto de subjetivismo e quanto de objetivismo lá reside. E entender porque as contas foram rejeitadas e não somente aprovadas com observações e advertências.
As pilotadas do ex-governador foram esquecidas em algum lugar e momento da justiça mineira. Mesmo com as cento e tantas viagens em aviões do governo do estado para as praias cariocas.
As navegadas do governador de São Paulo não só foram esquecidas, ao contrário, foram consideradas exemplos de boa, segura e eficiente administração pública segundo entendeu a Câmara dos Deputados em Brasília.
Muitos pesos, muitas medidas. Só tem sobrado mesmo para o governo e o seu partido. Há, no entanto, uma referência de fundo. A pedalada fiscal afeta os bancos pelas eventuais dívidas públicas não serem pagas no prazo. Já a pilotada e a navegada não passam pelos bancos. Ou passam?
*José Carlos Peliano. colaborador da Carta Maior
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