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03/11/2015
Agressividade da direita é um fenômeno global, por Boaventura Sousa Santos
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Do Público.pt
A União Europeia pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina.
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O fenómeno não é português. É global,
embora em cada país assuma uma manifestação específica. Consiste na
agressividade inusitada com que a direita enfrenta qualquer desafio à
sua dominação, uma agressividade expressa em linguagem abusiva e recurso
a tácticas que roçam os limites do jogo democrático: manipulação do
medo de modo a eliminar a esperança, falsidades proclamadas como
verdades sociológicas, destempero emocional no confronto de ideias,
etc., etc. Entendo, por direita, o conjunto das forças sociais,
económicas e políticas que se identificam com os desígnios globais do
capitalismo neoliberal e com o que isso implica, ao nível das políticas
nacionais, em termos de agravamento das desigualdades sociais, da
destruição do Estado social, do controlo dos meios de comunicação e do
estreitamento da pluralidade do espectro político. Donde vem este
radicalismo exercido por políticos e comentadores que até há pouco
pareciam moderados, pragmáticos, realistas com ideias ou idealistas sem
ilusões?
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Estamos a entrar em Portugal na
segunda fase da implantação global do neoliberalismo. A nível global,
este modelo económico, social e político tem estas características:
prioridade da lógica de mercado na regulação não só da economia como da
sociedade no seu conjunto; privatização da economia e liberalização do
comércio internacional; diabolização do Estado enquanto regulador da
economia e promotor de políticas sociais; concentração da regulação
económica global em duas instituições multilaterais, ambas dominadas
pelo capitalismo euro-norte-americano (o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional) em detrimento das agências da ONU que antes
supervisionavam a situação global; desregulação dos mercados
financeiros; substituição da regulação económica estatal (hard law) pela
autoregulação controlada pelas empresas multinacionais (soft law). A
partir da queda do Muro de Berlim, este modelo assumiu-se como a única
alternativa possível de regulação social e económica. A partir daí, o
objectivo foi transformar a dominação em hegemonia, ou seja, fazer com
que mesmo os grupos sociais prejudicados por este modelo fossem levados a
pensar que era o melhor para eles. E, de facto, este modelo conseguiu
nos últimos trinta anos grandes êxitos, um dos quais foi ter sido
adoptado na Europa por dois importantes partidos sociais-democratas (o
partido trabalhista inglês com Tony Blair e o partido social-democrata
alemão com Gerhard Schröder) e ter conseguido dominar a lógica das
instituições europeias (Comissão e BCE).
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Mas como qualquer modelo social,
também este está sujeito a contradições e resistências, e a sua
consolidação tem tido alguns reveses. O modelo não está plenamente
consolidado. Por exemplo, ainda não se concretizou a Parceria
Transatlântica, e a Parceria Transpacífico pode não se concretizar.
Perante a constatação de que o modelo não está ainda plenamente
consolidado, os seus protagonistas (por detrás de todos eles, o capital
financeiro) tendem a reagir brutalmente ou não consoante a sua avaliação
do perigo iminente. Alguns exemplos. Surgiram os BRICS (Brasil, Rússia,
India, China e Africa do Sul) com a intenção de introduzir algumas
nuances no modelo de globalização económica.
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A reacção está a ser violenta e sobretudo o Brasil e a Rússia estão sujeitos a intensa política de neutralização. A crise na Grécia, que antes de este modelo ter dominado a Europa teria sido uma crise menor, foi considerada uma ameaça pela possibilidade de propagação a outros países. A humilhação da Grécia foi o princípio do fim da UE tal como a conhecemos. A possibilidade de um candidato presidencial nos EUA que se autodeclara como socialista (ou seja, um social-democrata europeu), Bernie Sanders, não representa, por agora, qualquer perigo sério e o mesmo se pode dizer com a eleição de Jeremy Corbyn para secretário-geral do Labour Party. Enquanto não forem perigo, não serão objecto de reação violenta.
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A reacção está a ser violenta e sobretudo o Brasil e a Rússia estão sujeitos a intensa política de neutralização. A crise na Grécia, que antes de este modelo ter dominado a Europa teria sido uma crise menor, foi considerada uma ameaça pela possibilidade de propagação a outros países. A humilhação da Grécia foi o princípio do fim da UE tal como a conhecemos. A possibilidade de um candidato presidencial nos EUA que se autodeclara como socialista (ou seja, um social-democrata europeu), Bernie Sanders, não representa, por agora, qualquer perigo sério e o mesmo se pode dizer com a eleição de Jeremy Corbyn para secretário-geral do Labour Party. Enquanto não forem perigo, não serão objecto de reação violenta.
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E Portugal? A reação destemperada do
Presidente da República a um qualquer governo de esquerda parece indicar
que o modelo neoliberal, que intensificou a sua implantação no nosso
país nos últimos quatro anos, vê em tal alternativa política um perigo
sério, e por isso reage violentamente. É preciso ter em mente que só na
aparência estamos perante uma polarização ideológica. O Partido
Socialista é um dos mais moderados partidos sociais-democratas da
Europa. Do que se trata é de uma defesa por todos os meios de interesses
instalados ou em processo de instalação. O modelo neoliberal só é
anti-estatal enquanto não captura o Estado, pois precisa decisivamente
dele para garantir a concentração da riqueza e para captar as
oportunidades de negócios altamente rentáveis que o Estado lhe
proporciona. Devemos ter em mente que neste modelo os políticos são
agentes económicos e que a sua passagem pela política é decisiva para
cuidar dos seus próprios interesses econômicos.
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Mas a procura da captura do Estado vai
muito além do sistema político. Tem de abarcar o conjunto das
instituições. Por exemplo, há instituições que assumem uma importância
decisiva, como o Tribunal de Contas, porque estão sob a sua supervisão
negócios multimilionários. Tal como é decisivo capturar o sistema de
justiça e fazer com que ele actue com dois pesos e duas medidas: dureza
na investigação e punição dos crimes supostamente cometidos por
políticos de esquerda e negligência benévola no que respeita aos crimes
cometidos pelos políticos de direita. Esta captura tem precedentes
históricos. Escrevi há cerca de vinte anos: “ Ao longo do nosso século,
os tribunais sempre foram, de tempos a tempos, polémicos e objeto de
acesso escrutínio público. Basta recordar os tribunais da República de
Weimar logo depois da revolução alemã (1918) e os seus critérios duplos
na punição da violência política da extrema-direita e da
extrema-esquerda. (Santos et al., Os Tribunais nas Sociedades
Contemporâneas - O caso português. Porto. Edições Afrontamento, 1996,
página 19). Nessa altura, estavam em causa crimes políticos, hoje estão
em causa crimes económicos.
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Acontece que, no contexto europeu,
esta reacção violenta a um revés pode ela própria enfrentar alguns
reveses. A instabilidade conscientemente provocada pelo Presidente da
República (incitando os deputados socialistas à desobediência) assenta
no pressuposto de que a União Europeia está preparada para uma
defenestração final de toda a sua tradição social democrática, tendo em
mente que o que se passa hoje num país pequeno pode amanhã acontecer em
Espanha ou Itália. É um pressuposto arriscado, pois a União Europeia
pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina. Sobretudo
porque se trata por agora de uma mudança subterrânea que só se pode
vislumbrar nos relatórios cifrados dos conselheiros de Angela Merkel. A
pressão que a crise dos refugiados está a causar sobre o tecido europeu e
o crescimento da extrema-direita não recomendará alguma flexibilidade
que legitime o sistema europeu junto de maiorias mais amplas, como a que
nas últimas eleições votou em Portugal nos partidos de esquerda? Não
será preferível viabilizar um governo dirigido por um partido
inequivocamente europeísta e moderado a correr riscos de
ingovernabilidade que se podem estender a outros países? Não será de
levar a crédito dos portugueses o facto de estarem a procurar uma
solução longe da crispação e evolução errática da “solução” grega? E os
jovens, que encheram há uns anos as ruas e as praças com a sua
indignação, como reagirão à posição afrontosamente parcial do Presidente
e à pulsão anti-institucional que a anima? Será que a direita pensa que
esta pulsão é um monopólio seu?
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Na resposta a estas perguntas está o
futuro próximo do nosso país. Para já, uma coisa é certa. O desnorte do
Presidente da República estabeleceu o teste decisivo a que os
portugueses vão submeter os candidatos nas próximas eleições
presidenciais. Se for eleito(a), considera ou não que todos os partidos
democráticos fazem parte do sistema democrático em pé de igualdade? Se
em próximas eleições legislativas se vier a formar no quadro parlamentar
uma coligação de partidos de esquerda com maioria e apresentar uma
proposta de governo, dar-lhe-á ou não posse?
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