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01/12/2015
Exclusivo: documento liga governo de Aécio Neves em MG a esquema de propinas da Samarco
Esta é a nona reportagem da série sobre a Lista de Furnas. O projeto foi patrocinado pelos leitores através da ferramenta de crowdfunding Catarse.
por : Joaquim de Carvalho
O lobista Nílton Monteiro pronúncia “craro” quando quer dizer “claro” e sua imagem é a de uma pessoa de quem não se compraria um carro. O delegado de polícia Márcio Nabak, por sua vez, tem a imagem de um burocrata bem sucedido e em fotos da internet aparece sempre alinhado.
O caminho dos dois se cruzou no escândalo da Lista de Furnas e aí as imagens se invertem. Com seu jeito desalinhado e vocabulário simples, Nílton prova o que diz. Já o homem da lei Nabak diz – e até prende com base no que diz -, mas não conseguiu provar suas acusações.
Em 2005, a Samarco Mineradora S.A., uma das empresas que aparecem como doadoras de recursos ilícitos para campanhas de políticos do PSDB e de seus aliados, acusou Nílton Monteiro de falsificar documentos que a incriminavam. Eram casos de corrupção, todos no Espírito Santo, mas a empresa formalizou a acusação em Belo Horizonte, onde fica sua sede da Samarco.
Em resumo, Nílton teria inventado contratos para cobrar indevidamente comissão pela venda de créditos de ICMS da Samarco para a empresa de energia do Espírito Santo (Escelsa). Segundo a acusação, teria também forjado recibos para comprovar que seu antigo advogado, Joaquim Engler Filho, havia se vendido para a Samarco.
O inquérito até hoje não terminou. Mas em 2010, cinco anos depois da acusação da Samarco, o delegado João Octacílio Silva Neto, que assumiu o inquérito no curso da investigação, descobriu, com base em perícias, que as provas de Nílton não eram falsas.
O delegado chamou Joaquim Engler para depor e este, que já respondia a uma acusação no Tribunal de Ética da OAB, confessou que recebeu R$ 1,1 milhão da Samarco para prejudicar o cliente e repassar propina para diretores da Samarco, um juiz de direito da comarca de Anchieta, no Espírito Santo, um ministro do STJ e um desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, todos que haviam decidido favoravelmente à empresa.
Joaquim Engler confirma que gravou conversas com autoridades de Minas Gerais, na época do governo Aécio Neves, e cita algumas das descobertas, como uma conta do senador Zezé Perrella no exterior, com um secretário de Aécio Neves.
Esse depoimento daria um novo rumo às investigações, mas, no dia seguinte, quando o advogado pediu numa cópia da íntegra de seu interrogatório, a Polícia Civil transferiu o delegado João Octacílio para um município do interior do Estado, e nomeou para seu posto, na chefia de um departamento policial, Márcio Nabak.
Depois disso, o inquérito desapareceu e o cerco a Nílton Monteiro se fechou. Ele acabou preso e hoje acusa a equipe de Márcio Nabak de tê-lo torturado. O advogado Joaquim Engler cedeu partes do inquérito que tinha com ele, para remontagem do processo, mas nesse conjunto não estão as páginas de seu depoimento.
Márcio Nabak indiciou Nílton por falsificação, mas Nilton não foi condenado, por falta de provas. A acusação foi parar na imprensa e Nílton, apresentado como falsário que negociava até títulos falsos da dívida pública. Também não houve comprovação.
Não escaparam do cerco policial o advogado de Nílton, Dino Miraglia, que teve a casa invadida, o dono do site que divulgava as denúncias de Nílton foi preso e o jornalista que editava as reportagem, Geraldo Elísio, teve o mesmo destino do advogado: a polícia revirou sua casa.
O depoimento bombástico do advogado Joaquim Engler reapareceu de forma oficial há cerca de um mês, quando, por decisão judicial, o delegado João Octacílio prestou depoimento e confirmou que ouviu o advogado formalmente, como parte do inquérito.
Procurei o advogado Joaquim Engler. Ele diz que o depoimento atribuído a ele é falso. Teria sido forjado pelo escrivão Nélson Silva. Mas, se era falso, por que o inquérito parou depois que desapareceu? Se esse depoimento é falso, cadê o verdadeiro?
Ao ser ouvido por carta precatória há cerca de um mês, o delegado João Octacílio afirmou também que, além de ouvir Joaquim Engler, tinha lembrança de que, embora Nílton Monteiro fosse acusado de falsificação, ele “sempre colaborava com as investigações apresentando documentos e provas das alegações”. A íntegra do depoimento do delegado também acompanha esta reportagem.
Tanto o depoimento de João Octacílio como o antigo depoimento do advogado foram juntados num processo judicial em que o advogado Dino Miraglia se defende da acusação de ter sido cúmplice de Nílton Monteiro no crime de falsificação de documentos. Pelo que se está demonstrando, nem houve falsificação. Se não houve, haveria cumplicidade?
Lendo o inquérito que agora ressurge na íntegra, tem-se a imagem do desastre de Mariana. Num primeiro momento, a lama fica contida, mas, depois, por uma falha da segurança, a barreira se rompe e a lama escorre além das divisas de Minas Gerais.
O inquérito começa como uma tentativa de isolar o lobista Nílton (segurar a lama), que havia provocado um estrago enorme na política do Espírito Santo, com as denúncias de corrupção na venda dos créditos a Escelsa.
Mas, por razões ainda não muito claras, o advogado que o acusava de falsificação mudou de lado (outra vez), assumiu crimes e fez outras acusações. A lama se espalhou, mas evitou-se o desastre (político) com a troca do delegado que poderia seguir o rastro da sujeira e a prisão do lobista, do empresário, do jornalista e do advogado.
Numa das muitas manifestações judiciais que fez contra o abuso de poder da polícia civil no governo de Aécio Neves/Antônio Anastasia, o advogado Dino Miraglia usou uma frase de Martin Luther King, líder do movimento negro pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 60: “Devemos construir diques da coragem para conter a correnteza do medo.”
Em Minas Gerais, alguma coisa mudou. Márcio Nabak deixou postos de comando na Polícia Civil, e o inquérito em que a Samarco passou de acusadora a acusada pode, enfim, ser retomado, com a recuperação do depoimento do advogado Joaquim Engler Filho. Quem acredita? No caso no caso da Lista de Furnas e do mensalão mineiro, as provas gritam, mas as autoridades silenciam.
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Sobre o Autor
Joaquim de Carvalho. Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquim.gil@ig.com.br.
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