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10/12/2015
Temer se revelou um político menor
Roberto Amaral
A carta do vice é simbólica de um País que sente a falta de estadistas e está repleto de pulhas
A carta do vice-presidente da República – pobre, patética, beirando a infantilidade – dá a justa medida do estado moral lastimável em que se encontra a política brasileira, apequenada, amesquinhada, aviltada e envilecida.
Desnudando-se, o presidente do PMDB
revela-se um político menor, como menores são seus companheiros da ópera
bufa em que foi transformado, pela miséria da política, um dos momentos
mais dramáticos de nossa História recente, tão vazia de estadistas e
miseravelmente tão plena de pulhas.
Pois grave é a crise ignorada pela
vendetta e pelo ódio. No encontro da saturnal dos ódios – ódio amador e
ódio profissional, ódio gratuito e ódio remunerado e, até, ódio puro
ódio, o ódio irascível do perdedor sem consolo, ódio que cega e
embrutece – nesse encontro de ódios com a compulsão dos interesses os
mais vários, interesses pessoais, interesses de grei, interesses de
súcias-partidos, só não são considerados os interesses do País, os
interesses coletivos. Ninguém se dá conta dos riscos que corre o
processo político quando a ordem constitucional se transforma em espaço
para traficância.
Na missiva do vice, ‘um copo até aqui de
mágoa’, apenas lamúrias, queixumes e muxoxos; nenhuma reflexão, nem uma
só palavra sobre a crise de que seu partido, insaciável consumidor de
cargos e verbas públicas, é um dos atores e artífices.
Crise grave – pois a um só tempo crise
política, crise econômica, crise institucional, crise de
representatividade – da qual, rompendo com toda e qualquer noção de
ética, Temer pretendeu aproveitar-se, sem pejo do papel de traidor
doméstico, o mais pérfido de todos.
O vice-presidente reclama de cargos e
carguinhos para os mais chegados, reclama de afagos negados, de convites
não formulados, de acenos evitados. O País? O País passa ao largo.
A pequenez de espírito salta nas
primeiras linhas, quando o missivista se diz informado por “tudo o que
me chega aos ouvidos das conversas no Palácio”. Ou seja, o rompimento
político, a justificativa da maquinação golpista, se alimenta não em uma
crise de Estado, num conflito de visões político-ideológicas, mas nas
tricas e futricas das salas e antessalas dos palácios da Corte!
Bate-papo de comadres. Este o personagem
que se oferece à oposição ensandecida para suceder a presidente Dilma
ao fim do golpe de Estado comandado, na Câmara dos Deputados, pelo seu
correligionário e assecla e sócio Eduardo Cosentino da Cunha.
Pobre política, pobre país.
Temer se queixa de haver passado “os
quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”. Ora, só um
traste, um obnóxio, se prestaria a tal papel; só um carreirista voraz
ainda desejaria outros quatro anos de igual ostracismo. Pois, findo o
primeiro mandato de Dilma Rousseff, o desconsiderado Temer – à míngua de
votos que lhe ensejassem um voo solo – ainda lutou para ser o vice da
presidente candidata à reeleição.
Agora choraminga porque um ministro de
sua intimidade não foi reconduzido do primeiro para o segundo mandatos, e
porque outro, de igual domesticidade, não teve confirmada a nomeação de
um apaniguado qualquer para um cargo qualquer. Cargos, cargos, verbas,
sinecuras! Faz beicinho de ciúmes, pois a presidente conversou
diretamente com o líder (já defenestrado) do seu partido, e não com ele –
e vaidoso, ressente-se de não haver sido convidado para encontro da
presidente com o vice-presidente dos EUA de passagem por Brasília.
São essas as razões do estadista Michel
Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB. São essas as
suas razões para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava,
apenas, a desafogar um coração magoado.
Destinava-se, sim, a formalizar,
documentar, justificar o abandono, pelo vice, da “lealdade pautada pelo
Art. 79 da Constituição Federal” à titular da Presidência, abandono
aliás que logo transitou para a conspiração plena, já tornada pública
pela imprensa, que, aliás, também dá conta de suas articulações para a
montagem de seu hipotético governo.
Enquanto isso e coerentemente com tudo
isso, coerentemente com tanta baixeza, seu correligionário ainda
presidente da Câmara dos Deputados, e ainda à solta, prossegue, lépido e
fagueiro, na faina despudorada e impune de desmoralizar o Poder
Legislativo. Se este se amesquinhava com sua simples presença, mais se
degrada com sua presidência que associa a ostensiva, despudorada e
cínica ausência de ética com um absolutismo cujo sucesso é outro
indicador do nível de miséria a que chegou a maioria da Casa.
A persistente presidência de Cunha
ultrapassou, e ultrapassa ainda, todos os limites da plausibilidade,
ofendendo o decoro parlamentar, rasgando regimento, rasgando a
Constituição, ofendendo normas parlamentares, tudo em função de suas
duas prioridades do momento: fugir da sua própria cassação, motivada por
reiterados atos de improbidade, e promover, a ferro e fogo, a qualquer
preço, a cassação do mandato da presidente Dilma.
Para isso se serve de uma coorte de
áulicos na qual desponta figura exemplarmente deprimente como o sr.
Paulinho da Força (cujo prontuário inclui ação penal no STF por lavagem
de dinheiro e crime contra o sistema financeiro nacional), líder da
Comissão de Frente que abre-alas para Aécio Neves e outros menos
cotados, como Mendonça Filho, os Bolsonaros e uma penca de caronistas
que nem vale citar.
Diz-se que a história forja os
personagens de que necessita. Isso é injusto conosco, não merecemos
Temer, Cunha e seus quejandos, ainda menos o vazio humano que
possibilitou essa safra. A média brasileira é muito melhor. Portanto,
ainda podemos confiar, com esperança, no papel da organização social, a
sociedade reagindo mediante seus mecanismos de ação, intervindo no
processo, ditando e corrigindo as lamentáveis rotas de hoje.
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