.
19/05/2016
Em Lisboa, Requião crítica políticas neoliberais
Do site de Roberto Requião
O senador Roberto Requião, copresidente
da Assembleia Euro Latino-Americana, fez nesta terça-feira (17), em
Lisboa, na reunião da Eurolat, um forte pronunciamento contra as
políticas neoliberais e expansionistas que sufocam o desenvolvimento de
nosso continente. “Toda vez que produzimos um avanço, por pequeno que
seja, segue-se um retrocesso e voltam a nos sufocar com o torniquete da
dependência, do atraso”, disse o senador.
Requião afirmou que chegam a ser
desalentadoras as marchas e contramarchas da nossa história, marcadas
por frequentes intervenções de interesses antinacionais. “Veementes,
ciosos da força e da grandeza de nossos povos, denunciamos e recusamos o
desenho geopolítico que as potências querem impor ao mundo”, afirmou.
Citando o papa Francisco, o senador
disse que as críticas dele ao capitalismo financeiro “são um alento para
a América Latina e para os países europeus prisioneiros do deus
dinheiro”.
Requião deu como exemplo da voracidade
das grandes potências o recente resgate da dívida grega: dos 219,9
bilhões de euros destinados pela União Europeia ao país, apenas 9,7
bilhões foram incorporados ao orçamento nacional. O restante foi
endereçado para salvar bancos alemães e franceses. Só de juros da dívida
grega, esses bancos foram contemplados com 52 bilhões de euros.
O senador, contudo, revelou-se otimista,
dizendo que é possível a construção de um mundo novo, fundado na
solidariedade, na justiça e na igualdade: “Não está morto quem luta. Não
morreu quem sonha. Lutemos, sonhemos”, conclamou o senador.
A seguir, leia a íntegra do pronunciamento de Requião em Lisboa.
"Venho de um país em convulsão.
Venho de um continente em transe.
Não pretendo, contudo, fazer aqui uma
análise de conjuntura. Porque não se trata de uma realidade momentânea,
circunstancial. Não se trata de um cenário fortuito, incidental. É toda
uma história, longa, secular e dolorosa história de agruras, angústias e
tragédias.
Tristes trópicos. Ontem, condenados
pelos deuses coloniais; depois pelos deuses do expansionismo imperial; e
hoje pelos deuses globais, o deus mercado, a carregar sem descanso a
pedra do subdesenvolvimento.
E todas as vezes que nos aproximamos
do topo com a carga excruciante, vemos rolar ladeira abaixo o imenso
sacrifício dispendido na subida frustrada…… e recomeçamos a maldita
sina, ainda mais uma vez, outra vez.
É certo que o recuo nunca é total, que
dos tantos ensaios malogrados ficam pelo caminho pegadas, degraus,
atalhos que servirão de pontos de referência para a nova subida. Mas
chega a ser desalentador andar tanto e quase não sair do lugar.
A relação de dependência de meu país e
do continente onde ele se insere às potências do Norte, dependência
econômica, financeira, política, e notavelmente dependência cultural,
condiciona qualquer movimento que arriscamos.
Às vezes, as circunstâncias, o vaivém
das placas tectônicas do capitalismo mundial parece criar janelas,
frestas de oportunidades para os nossos países, os países ditos “em
desenvolvimento”.
Por exemplo, na crise de 2008/2009,
com a de debacle e o encurralamento do mercado financeiro global, não
faltou quem dissesse que, daí por diante, o mundo seria outro, e que as
garras dos carniceiros do dinheiro, as garras de Mamon, afrouxar-se-iam
sobre nós do sul do mundo.
A verdade é que, passada a comoção
inicial, resgatado do fundo do poço pela intervenção do Estado,
intervenção que tanto abomina quando não é para beneficiá-lo, o mercado
financeiro logo recobrou o prumo e retomou a andadura de sempre, para a
continuidade da desgraça de nossos povos.
Ao contrário de se estabelecer como
uma linha divisória, com freios e regulações severas para o controle da
especulação, a crise de 200/2009, de certa forma, reforça a ação
desinibida do capital vadio sobre os países emergentes do Terceiro Mundo
e os países mais vulneráveis do Primeiro Mundo. No esforço insano de
recuperação das perdas com o estouro da bolha, atarraxam o torniquete
sobre os nossos povos.
Assim, recrudescem as ações de
destruição do Estado de Bem-Estar Social. Tudo se torna precário. O
Estado precário, o Parlamento precário, as instituições precárias, o
trabalho precário. A vida precária.
Todas as garantias sociais,
trabalhistas e previdenciárias, e todos os valores da civilização como
solidariedade, fraternidade, equidade dissolvem-se no ar, desmancham-se
diante da ditadura do Eu S/A, de Mamon S/A.
Para nós brasileiros, para a maioria
dos povos latino-americanos, na verdade, o Estado de Bem-Estar Social é
uma quimera, uma abstração que, vez ou outra visita os cantos escuros da
vida de nossos povos. Luzes fortuitas, lusco-fuscos logo substituídos
pelas trevas da exclusão.
Quando vemos, no caso do Brasil, que a
escravidão das mulheres e dos homens pretos foi abolida há apenas 128
anos e que só há menos de dois anos os empregados domésticos tiveram
seus direitos equiparados com os outros trabalhadores, talvez
compreendamos porque hoje, exatamente hoje, neste momento cresce em meu
país a conspiração contra as leis trabalhistas vigentes desde a década
de 40; querem impor a prevalência do negociado sobre o legislado,
fazendo letra morta toda a proteção ao trabalho que está na lei; ao
mesmo tempo, urde-se uma reforma da previdência que pune um tanto mais
os já castigados trabalhadores.
Tramam o enfraquecimento dos
sindicatos; reduzem os investimentos em saúde, educação, segurança
pública e saneamento; acenam com cortes dos programas sociais
compensatórios, os programas de inclusão social; ameaçam rever as
plataformas de acesso às universidades e ao ensino técnico que,
finalmente, abriram a educação superior aos filhos dos trabalhadores.
Enfim, maquinam interromper a distribuição das poucas migalhas que caem da mesa dos poderosos.
John Doe, o João Ninguém, fonte
anônima que revelou os “Papéis do Panama”, diz que a humanidade está
vivendo um novo sistema, “que nós continuamos chamando de capitalismo,
mas que está muito mais para a escravidão econômica”.
Escravidão econômica que provoca
conflitos, desestabiliza sociedades, faz reinar o caos, impõe a dor e o
desespero. E temos aí, então, um espectro rondando a Europa e lançando
sombras sobre todo o mundo, o espectro dos imigrantes.
Legiões, dezenas de milhares de homens e mulheres, crianças, adolescentes, jovens, velhos rondam os continentes.
São os exilados da geopolítica, os
exilados da guerra ao terrorismo, os exilados da luta pelo domínio do
mercado, pelo domínio do petróleo que se juntam aos deserdados do sul da
Europa e do sul do mundo, engrossando o cortejo dos banidos do
capitalismo.
A estupidez, o abrutamento do sistema
revela-se ainda mais uma vez com o escândalo dos Panama Papers. Trilhões
e trilhões de dólares entesourados em paraísos fiscais. Fortunas
desviadas pela sonegação, pela corrupção, pela especulação, pela
jogatina das bolsas e pelos ataques aos mercados e às moedas de países
como o meu Brasil.
Trilhões de dólares subtraídos da
produção, da saúde, da educação, do saneamento, do combate à fome, às
guerras, à violência, às desigualdades.
E muitos desses senhores,
especialmente em países ditos em desenvolvimento, têm ainda o desplante
de dizer que suas offshores, suas fortunas nos paraísos ficais são
legais, declaradas aos órgãos de fiscalização de seus países.
De fato, coisas escandalosas são permitidas por lei, observa John Doe.
Acredito que a irracionalidade e a
mesquinhez da usura, da acumulação improdutiva sejam os símbolos da
sombria época em que vivemos.
Daí a iluminação, a claridade, a
sabedoria e o conforto das palavras do Papa Francisco. Sua santidade,
talvez por vir da distante e exangue América Latina, compreende como
poucos a toxidez do capitalismo financeiro. O maldito reino de Mamon,
como diz sem eufemismos Jorge Mário Bergoglio.
Quem sabe, quem acredita talvez saiba,
que Deus, compadecido de nossas agruras, miserando atque eligendo;ou
seja, compadecido de nós o escolheu, para reforçar as nossas vozes
contra a escravidão econômico-financeira.
Estudo de uma universidade alemã, que
recebeu destaque no jornal de economia Handelsblatt, confirmou que, do
chamado bailout, o resgate da Grécia pelas “instituições europeias”, 95%
foi para salvar bancos primariamente alemães e franceses, e só 5% foi
para o orçamento do país.
“Os pacotes de ajuda foram primeiro e
acima de tudo usados para resgatar bancos europeus”, afirmou o
presidente da Escola Europeia de Tecnologia Gestão de Berlim, Jörg
Rocholl, conselheiro do ministro das Finanças alemão, Wolfgang
Schläuble. “Os contribuintes europeus fizeram o resgate de investidores
privados”.
O estudo de 24 páginas, de autoria dos
economistas Jan Hildebrand e Thomas Sigmund, que analisou empréstimo
por empréstimo e a destinação, concluiu que, dos 215,9 bilhões de euros
dos resgates dos últimos seis anos, apenas 9,7 bilhões foram para o
orçamento grego.
Ou seja, menos de 5% do total atendeu,
em alguma medida, a população, enquanto 95% foram parar nos cofres dos
bancos europeus, principalmente os bancos franceses e alemães, entupidos
de títulos soberanos gregos.
Oitenta e seis bilhões e 800 milhões
tiveram como destino o pagamento de dívidas antigas; para juros foram
destinados 52,3 bilhões de euros; a recapitalização da banca grega –
fundamentalmente, para evitar que os bancos alemães e franceses fossem à
lona com a bancarrota desses bancos – custou mais 37,3 bilhões
Senhoras e senhores parlamentares.
Em reuniões como essa sabemos que,
quase sempre, as declarações oficiais, as declarações conjuntas, os
protocolos não expressam todos os nossos sentimentos.
Debaixo das palavras, como brasas sofreadas, queima a nossa impaciência.
E impacientes proclamamos a nossa oposição a tratados comerciais que nos reduzam ao papel colonial de produtores de commodities.
Veementes e ciosos da força e da
grandeza de nossos povos denunciamos e recusamos o desenho geopolítico
que as potencias querem impor ao mundo.
O nosso petróleo, as nossas reservas
minerais, as nossas florestas, as nossas terras, as nossas águas, os
nossos povos não são ativos à disposição de cobiças imperiais.
Aflitos, ansiosos queremos mais do que belas ou misericordiosas palavras.
Há um mundo novo a ser construído. Um mundo de paz, harmonia, desenvolvimento, fraternidade e igualdade.
O mundo velho dos impérios, das
corporações transnacionais que trituram povos, países, sonhos e vidas
precisa ser contido sob pena da extinção da própria humanidade.
Não mais a pilhagem, a rapina de
nossas riquezas, não mais a predação e o sequestro de nossa cultura, não
mais o desrespeito e a profanação de nossa história, nunca mais o
aviltamento e a humilhação de nossos trabalhadores.
Utopia?
Não está morto quem luta, não morreu quem sonha.
Lutemos, sonhemos. É possível."
.
.
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista