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01/10/2016
A vida de Dilma. Ou se todos fossem iguais a você…
Do Tijolaço · 01/11/2016
Por Fernando Brito
Sou capaz de apostar que nenhum dos 367 deputados e dos 61 senadores que votaram pelo impeachment vivem na simplicidade que, hoje, na Folha, Natuza Nery descreve a vida de Dilma Rousseff em Porto Alegre.
Fôssemos um país com vergonha e decência e estariam todos, a esta altura, a penitenciarem-se com a injustiça que praticaram.
Não, mas como são miúdos, mesquinhos, canalhas, ainda ficam criando explorações abjetas com uma simples aposentadoria do INSS, obtida aos 68 anos de idade e 40 de contribuição.
Ou com quem paga um quartinho para ela guardar o acervo presidencial o qual, por lei, é obrigada a conservar.
Ou quem porventura lhe empreste uma chácara para passar finais de semana.
Ou se por acaso ela procurar outro apartamento, maior um pouco, para comprar, qual é a empreiteira que construiu porque algo deve haver.
Depois da leitura deste texto, é difícil conter o canalhas! que nos vem à boca.
Só lamento que o “dever de ofício” de salpicar sujeira tenha levado a repórter aos dois parágrafos que encerram a matéria.
Após impeachment, Dilma leva vida reservada no RS
Natuza Nery, na Folha
Dona Dilma” abre a porta, ao lado de
Vera, sua diarista. O apartamento em Porto Alegre tem uns 70 metros
quadrados no primeiro piso, com móveis amontoados, mais uns cerca de 50
metros quadrados no piso superior.
A patroa sobe lentamente uma
minúscula escada de madeira já esbranquiçada pelo tempo, em caracol,
segurando-se no corrimão para não pisar em falso, e vai até o segundo
andar.
Lá, duas estantes de aproximadamente
três metros de largura, repletas de livros, tomam conta da pequena sala
de estar. Um sofá azul grande disputa o ambiente onde a ex-presidente da
República passa a maior parte do tempo desde o impeachment.
“Eu queria escrever um romance policial. Gosto muito. Li muito”, diz, contemplando exemplares de sua coleção.
Um biombo corta parte do recinto e
aguça a curiosidade dos visitantes. Por trás dele, um espaço de uns dois
metros quadrados esconde a pequena área onde faz exercícios.
Há algumas faixas elásticas e um
espaldar em madeira onde faz alongamentos. Dilma se exercita diariamente
sozinha. Depois, roda de bicicleta pelas ruas do bairro Tristeza, onde
mora na capital gaúcha, ao lado de dois seguranças.
Ela mostra os punhos. Desenvolveu LER
(Lesão por Esforço Repetitivo) de tanto andar sobre duas rodas, hábito
cultivado nos tempos de Presidência. Mas não dá sinais de que pretende
parar.
Dilma não parece ter ganhado peso desde que deixou Brasília. Recebe a Folha
maquiada, com o cabelo feito, de calça preta de alfaiataria e uma
jaqueta laranja. Não tem mais compromissos durante a tarde de
sexta-feira, 21 de outubro.
O telefone toca. A dona da casa deixa
dar três e atende. “Tá ótimo, tá ótimo”, responde
apressadamente, e devolve o aparelho à base.
É o velho e bom telemarketing. O
atendente da operadora quer saber se a cliente aprova o serviço –pela
conversa, não parece saber de quem se trata do outro lado da linha.
Dilma desliga e murmura: “Às vezes eu
finjo ser outra pessoa. Às vezes eu sou a Janete”. E sorri, como quem
se diverte com a traquinagem de enganar telefonistas.
Dona Vera sobe com duas xícaras de café. Não há móvel para apará-las.
“Estou pensando em trazer uma mesinha
da casa da minha mãe, no Rio. Se tiver 60 centímetros de altura, os
Correios transportam por um preço bom”, comenta.
Dilma se levanta e puxa uma cadeira de madeira, onde as xícaras são acomodadas.
Em seu quarto, há apenas uma cama e
uma grande TV. Há um outro quarto abarrotado de caixas. Dilma diz que,
qualquer hora dessas, pretende enfrentá-las. Nem sabe bem o que há ali.
No banheiro, o box de vidro permite
ver um par de chinelos escorado na parede, na diagonal, como quem os
coloca lá para escorrer a água.
Trata-se de uma típica casa de classe média. Nada parecida com os palácios em que passou a maior parte dos últimos cinco anos.
Não é estranho morar aqui depois de viver no Alvorada?, pergunta a reportagem.
“Não. O Lula até me disse: ‘para que você precisa de um lugar grande? Fica num pequeno mesmo'”.
Depois diz que se habitua a tudo. E
faz planos de cultivar uma horta na ampla –e vazia– área externa do
segundo andar. Ali, não há muita privacidade. Há um prédio logo ao lado e
outro ainda em construção.
No edifício, não há porteiro nem
garagem subterrânea. Os dois seguranças da Polícia Federal a que tem
direito como ex-presidente ficam no pilotis, sentados num banquinho de
praça. Não há guarita.
Dias depois da visita da Folha,
um amigo da petista contou que a síndica do prédio colocou os
seguranças para o lado de fora, na garagem de um estabelecimento que
fica de frente para o conjunto habitacional. Mas os moradores pediram
para que voltassem, sentiam-se mais seguros com eles lá dentro.
Como está depois de tudo?
“Estou bem. Não aguento a infelicidade”, retruca.
Vai ficar em Porto Alegre mesmo? Não fica muito sozinha por aqui?
“Vou ficar, sim”, afirma, e conta
que, nos fins de semana, visita o ex-marido Carlos Araújo, os dois netos
e, vez ou outra, um par de amigos.
Das visitas que recebe, a melhor de
todas é a de Gabriel, o neto mais velho, que passa umas duas horas por
fim de semana na casa da avó. Ele desenha e vê desenhos na TV.
Dilma não parece ter engrenado na
vida social. Não vai ao teatro e ao cinema, programas que sempre se
ressentiu de não fazer nos tempos de mandatária. Também não sai para
jantar ou almoçar fora.
“Eu tenho 68 anos. E não tem tido nada que eu esteja querendo ver por aqui.”
O livro sobre seu anos de Presidência
deve ficar para depois. Sabe-se lá quanto depois. Ela não fala muito de
projetos futuros. Fala menos ainda de política, como se tomasse
relativa distância para colocar as coisas no lugar.
Também não toca muito no assunto impeachment. Mas afirma estar preocupada com uma onda conservadora no país.
Quase não faz comentários sobre
Michel Temer. Nem esboça raiva de seu principal algoz, Eduardo Cunha,
naquela sexta-feira à tarde já há três dias preso.
Queixa-se do ódio ao “lulopetismo”. E trata o antecessor com deferência e carinho.
Dona Vera serve o segundo café, mas só para a reportagem. “Já estou ficando com enjoo”, diz Dilma.
Por volta das 18h, quando dona Vera
começa a rondar meio sem motivo a sala do andar de cima, a patroa
intervém. “A senhora está querendo ir, né, dona Vera?”.
A funcionária responde com uma pergunta. “A senhora ainda vai precisar de mim?”
A Folha indaga se a ex-presidente teme pegar avião, ser hostilizada. “Disso? O que eu posso fazer, não ir? Não fico traumatizada.”
Alguma vez, nesta crise, chegou a
chorar? “Não. [Mas] sou capaz de chorar assistindo a um filme”. Ou
quando se lembra dos amigos que perdeu para a tortura.
“Eu tenho muita dó dos que morreram,
imensa. Porque é gente como eu, mas que morreu aos 30 anos. Me dá uma
gastura enorme. Não gosto de pensar”, lamenta.
Quase no fim da conversa, Dilma Rousseff pergunta: “Será que eles podem ler livros lá na prisão?”.
A ex-presidente não diz o nome Lava Jato, mas claramente se refere aos detidos pela operação.
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